Eu fiquei horas no hospital, esperando para poder ver meu primo.
Meus tios estavam preocupadíssimos, mas eu sabia que ele ficaria bem.
Dois dos homens que haviam invadido a nossa casa também foram levados para o hospital, mas seriam presos assim que se recuperassem e o outro estava morto.
Dei meu depoimento aos policiais e tive medo de que eu seria presa também, ou no mínimo julgada, mas Marcelo me garantiu que eu não precisava me preocupar, pois eu havia apenas me defendido e tudo já estava resolvido.
Quando os médicos finalmente nos deixaram entrar para vê-lo fiquei surpresa que ele parecesse ainda melhor do que eu esperava.
Felipe estava sentado na maca, e apesar de estar com o cabelo todo bagunçado, ele me parecia ótimo, apenas com o ombro enfaixado.
Tive vontade de socá-lo por ele ter sido tão descuidado, mas no fundo eu estava grata, afinal ele salvou a minha vida.
Meus tios o abraçaram e eu ri da careta de dor que ele fez, então logo depois que eles o soltaram eu o abracei também.
- Por que você fez isso, seu idiota? Você levou um tiro por mim.
- Eu estou bem. Não podia ter deixado que atirassem em você.
Sorri para ele, e pela primeira vez percebi que a gente não se odiava tanto assim.
Bom, estávamos sempre brigando, mas lá no fundo éramos como irmãos e sempre fazíamos as pazes.
- O médico disse que você só voltará para casa amanhã. - disse meu tio antes de lançar um olhar de canto de olho para mim.
- Precisamos falar sobre algo antes. - continuou minha tia.
- Nós vamos nos mudar, não é? - perguntou Felipe.
Meu tio confirmou com um aceno de cabeça antes de olhar para mim.
- Precisamos nos mudar o mais rápido possível.
- Mas vamos continuar na cidade, não é? Ainda falta uma semana para terminar as aulas e o Mateus...
- Sinto muito querida. - lamentou minha tia - Aqueles homens sabiam sobre você. Não podemos continuar na cidade. Temos que ir o mais longe possível.
Aquela notícia me chocou, mas algo nas palavras de minha tia me incomodou.
- Como assim "sabiam sobre mim"? - perguntei.
- É complicado. - respondeu meu tio.
- Não importa se é complicado. Se é sobre mim, então eu preciso saber. O que eles queriam comigo?
- Vamos falar sobre isso depois. - meu tio decidiu - Hoje precisamos passar em casa para arrumar nossas malas. Passaremos a noite em um hotel e, se tudo der certo, amanhã começaremos a nossa viagem.
Felipe acenou com a cabeça.
Eu estava chateada, pois não queria ir embora e queria receber uma explicação para tudo aquilo.
Voltei para casa triste, entrei no meu quarto e olhei em volta. Eu ia sentir saudade daquele lugar, porém entrar de novo naquela casa, depois de tudo o que havia acontecido ali, me causava calafrios.
- Alice, arrume as suas coisas. - disse meu tio ao entregar uma mala grande para mim - apenas o mais necessário.
Acenei com a cabeça e peguei a mala.
- Sua tia já conseguiu uma casa para nós alugarmos e aonde nós vamos não falam a nossa língua, mas você não terá que se preocupar com isso, pois não sairá de casa, nem sozinha, nem acompanhada. Estamos entendidos?
- Sim. - eu concordei cabisbaixa.
- Certo. Isso será para a sua segurança. Vou deixar você e sua tia no hotel e vou ir atrás de documentos falsos para a nossa viagem. Se algo acontecer ligue para a polícia ou para mim imediatamente. Não abra a porta, nem atenda telefone e deixe as portas e janelas trancadas até eu voltar. Amanhã vamos buscar Felipe no hospital e vamos pegar um avião. Entendeu tudo?
- Sim, tio.
- Então repita.
Soltei um suspiro.
- Você vai nos deixar em um hotel e eu preciso deixar tudo trancado e não posso atender a porta nem o telefone. Se algo acontecer devo ligar para você ou para a policia. Vamos pegar um avião amanhã para um lugar onde não falam a nossa língua, mas eu vou ficar trancada dentro de casa.
- É para a sua segurança, Alice... - ele disse, me olhando nos olhos.
- Mas tio... Por que estão atrás de mim?
- Eu vou te contar isso quando tivermos mais tempo, está bem? - ele pediu - É um assunto delicado e difícil de explicar.
- Está bem... - suspirei derrotada.
Eu estava curiosa e queria que ele me dissesse logo, mas saber que ele pretendia me contar já era alguma coisa.
- Apenas o necessário. - ele repetiu apontando para a mala e me deixando sozinha novamente.
Lentamente comecei a tirar as roupas do guarda-roupa e coloca-las na mala, deixando algumas delas para trás.
Dos meus pertences pessoais eu só peguei o básico, e também peguei o meu álbum de fotografias preferido, os outros eu deixei porque possuía todas aquelas fotos digitalizadas e salvas no meu celular, sem contar que eles ocupariam muito espaço.
Olhei para os meus ursinhos de pelúcia - sim, eu tinha ursinhos de pelúcia - e suspirei. Eu queria levá-los, mas eu tinha certeza de que aquilo não se encaixava em "necessário" para o meu tio, então peguei apenas um deles, o meu preferido. Minha tia havia falado que eles o trouxeram da casa dos meus pais quando eu era bebê. Era um ursinho branco deitado em um travesseiro azul. Ele usava uma toquinha e um pijama com desenhos de estrelas que brilhavam no escuro. Abracei ele com força antes de colocá-lo junto com as roupas.
Olhei para os meus livros na prateleira e soltei outro suspiro. Era difícil deixar as coisas de que eu mais gostava para trás, mas eu não poderia levar tudo, e escolher um livro seria uma tarefa impossível, então não levei nenhum, ao invés disso eu os coloquei em uma sacola grande e os deixei perto da porta. Se eu não iria ficar com eles, eu os daria para outra pessoa.
Me sentei na cama e me permiti chorar.
Eu não sabia o porquê de tudo aquilo, mas eu não queria ir embora dali.
Respirei fundo e tentei ser forte.
Mandei uma mensagem para Mateus, pois queria vê-lo uma ultima vez antes de partir.
Poucos minutos depois eu ouvi algumas batidas na porta do meu quarto.
- Alice, seu namorado está aqui. - ouvi meu tio falar, com certo desprezo na palavra "namorado".
Fui correndo até a sala, onde ele estava sentado no sofá, parecendo preocupado.
Eu o abracei com força e chorei em seu ombro.
- O que foi Alice? Aconteceu alguma coisa?
Me afastei um pouco dele e sequei as lágrimas antes de falar.
- Eu vou embora. Vou me mudar daqui. Meu tio não disse para onde vamos, mas será bem longe.
Mateus ficou me encarando, como se esperasse que eu fosse dizer que aquilo era uma brincadeira, mas ele sabia que não era.
- Você... Isso quer dizer que... a gente não vai mais se ver?
Assenti com a cabeça.
- Então... você está terminando comigo?
Mateus parecia preocupado ao olhar para mim, esperando por minha resposta.
- Eu não quero terminar com você. - respondi - mas não sei se um relacionamento a distância vai funcionar.
Ele suspirou e olhou para o chão.
- Eu só... Não estou terminando com você. Acho que a gente pode tentar. Quem sabe depois eu não volte, ou sei lá...
Ele olhou para mim e me puxou para um beijo.
- A gente vai dar um jeito. - disse ele.
Sorri, com esperança pela primeira vez.
- Quero que fique com uma coisa pra mim.
- O que?
- Meus livros. Eu não vou poder leva-los, então quero que fique com eles.
Ele sorriu para mim e assentiu com a cabeça, concordando.
Assim que Felipe voltou do hospital nós começamos a nossa viagem.Pegamos um avião para a cidade de Ônix, que ficava em um país quase vizinho do nosso.Felipe se sentou ao meu lado no avião, e meus tios na frente.Eu tinha muitas perguntas a fazer, mas decidi deixa-las para depois da viagem, afinal não poderíamos conversar ali no avião.- Você está bem? - perguntei a Felipe.- Sim. Eu não gosto muito de voar, mas...- Eu estava me referindo ao seu ombro.- Ah... - ele riu.- Você tem medo de avião? - zombei.- Não. Não é medo. Eu só... não gosto de altura.Ri dele e voltei a minha atenção para a janela.Eu nunca havia voado de avião, pelo menos não que eu me lembrasse, mas eu estava tranquila.Assim que começamos a sentir o tremor da deco
Quando consegui pegar no sono já era quase de manhã.Acordei com batidas na minha porta, levantei lentamente para ver quem era e me surpreendi ao ver Felipe parado em frente ao meu quarto.- O que foi? - perguntei ainda meio dormindo.- Nada... Eu só queria ver se você estava bem. Já é tarde e você não saiu do quarto o dia todo.- Eu estou bem. Só fui dormir tarde ontem, só isso.Olhei bem para ele e só então percebi que aquilo parecia estranho. Felipe nunca havia se importado tanto comigo.- Por que está tão preocupado?
Nos próximos dias que se passaram eu evitei Felipe o máximo que consegui, pois não estava pronta para encará-lo depois do que aconteceu e também não tive coragem de falar com Mateus, nem sobre Felipe, nem sobre eu ser a herdeira de Solares. Eram assuntos que eu estava guardando para um momento adequado, assim como o possível término de namoro, afinal eu não achava que poderíamos continuar namorando, não depois de tudo o que eu havia descoberto sobre mim. Mateus tinha a vida dele e eu logo seria uma princesa de um reino distante. Não teria como dar certo, ou teria?Um dia, porém, enquanto eu estava sentada no meu quarto, rabiscando um papel qualquer, sem escrever nada de importante, ouvi meu celular tocando. Era Mateus mais uma vez, a segunda vez naquele dia.
Mais tarde, quando meus tios chegaram das compras que haviam feito, nós nos sentamos para almoçar. Eu não pretendia falar nada sobre Mateus, mas o que eu não esperava era que Felipe fosse me fazer falar. - Pai, você não vai adivinhar quem veio nos fazer uma visita hoje. - disse ele de repente. Eu o encarei numa pergunta silenciosa do por que ele estava dizendo aquilo, enquanto meu tio nos olhava, esperando uma resposta. - Mateus veio me visitar. - respondi com um suspiro - Ele disse que ia se mudar para a cidade. - Você disse à ele o nosso endereço? - É claro que disse, ele é... ele era o meu namorado.
Minha tia estava fazendo o jantar, enquanto Felipe e eu estávamos sentados à mesa, olhando um para o outro.Sorri envergonhada e baixei os olhos para a minha mão, sentindo um misto de euforia, nervosismo, medo e vergonha, tudo misturado.Foi quando meu tio entrou na cozinha sério, fazendo toda a atmosfera do ambiente mudar e me tirando das minhas fantasias irreais.- Precisamos conversar sobre uma coisa. - anunciou.Ele se sentou numa cadeira à minha frente e respirou fundo.- Eu sei que estamos nos adaptando à mudança ainda, mas...- Tio, eu não quero me mudar de novo. - interrompi.- Espera eu terminar. - pediu ele - Você já vai fazer dezoito anos daqui duas semanas, então acho que... já podemos voltar para casa.- Você quer dizer...- Sim, o castelo. - ele confirmou - Eu estava pensando sobre o assunto e acho que não seria
No dia seguinte eu estava na cozinha, fazendo um brigadeiro caseiro para me acalmar.Minha tia nunca havia se preocupado em me ensinar a cozinhar, e agora eu sabia o por que, mas eu gostava muito de fazer doces quando eu estava chateada, sem ela saber, é claro. Fazê-los, e principalmente comê-los, me acalmava mais do que qualquer outra coisa e eu precisava aproveitar que meus tios haviam saído mais uma vez.Ouvi a campainha tocar, desliguei o fogo e fui até a janela para ver quem era.- Quem está aí? - perguntou Felipe atrás de mim, me dando um susto.- É o Mateus. - respondi.Ele ficou sério de repente e foi em direção a porta.- O que você vai fazer? - perguntei, segurando-o pelo braço.- Vou fazer ele ir embora.- Não. Eu falo com ele.Abri a porta e fui até o portão antes que Felipe dissesse ou fizesse
Dois dias se passaram sem muitas mudanças. Minhas malas estavam prontas e nós estávamos nos preparando para a viagem. Eu estava com medo do que me esperava quando chegássemos ao castelo, mas tentei não pensar muito nisso e me concentrar na viagem apenas. Eu já estava arrumada, meu coração batia acelerado com a expectativa, enquanto meus tios terminavam de organizar tudo e eu esperava perto da porta. Felipe escorou na bancada da cozinha e suspirou. - O que foi? - perguntei a ele. - Nada. Eu só... estou nervoso. - Você está nervoso? Por quê? - Sei lá... Vai ser uma viagem long
Depois de toda a agitação que foi a minha noite, demorou mais ainda para que eu conseguisse dormir.Assim que fechei os olhos e peguei no sono escutei uma batida na porta e a voz do meu tio nos chamando. Já era de manhã. As poucas horas em que estive dormindo pareceram minutos e eu estava exausta.- Tio, será que não podemos ficar aqui no hotel por mais um dia? - perguntei quando estávamos tomando o café da manhã.Marcelo franziu a testa.- Por quê?- É que eu estou muito cansada, não dormi muito bem com toda essa agitação por causa da viagem, e viajar de carro é muito cansativo...- Mas se ficarmos vamos ter que passar outra noite aqui.- E não podemos? - perguntei.Eu realmente não queria continuar nossa viagem agora.- Me desculpe querida, mas é melhor não. Eu já aluguei um apartam