Rosa finalmente avistou sua casinha. Era uma casa simples, feita de madeira, como aquelas de interior, mas na cidade. O quintal era grande, com canteiros onde sua mãe plantava algumas hortaliças e flores, e uma pequena horta nos fundos.
Rosa desceu da bicicleta com cuidado, tentando não agravar os ferimentos, e empurrou a velha porta de madeira que rangeu ao abrir. O cheiro da comidinha que sua mãe havia feito, tomou conta de suas narinas. Sua mãe, mesmo doente, sempre fazia questão de deixar algo preparado. Dentro da casa, tudo era muito simples. O piso era de tábuas gastas, as cortinas eram feitas à mão por sua mãe, e o pouco que tinham de móveis era antigo. Na cozinha, tinha um fogão à lenha e uma mesa de madeira, já arrumada para o jantar. Ao lado, uma poltrona onde sua mãe costumava sentar, com uma colcha de retalhos por cima. Ao entrar, Rosa ouviu o som da voz fraca de sua mãe, chamando com preocupação: — Filha, é você? Ela seguiu o som até o quarto, onde a mãe estava deitada na cama. Quando a viu, sua expressão mudou de preocupação para choque. — Rosa, o que aconteceu? Você está machucada! — Os olhos da mãe se encheram de lágrimas, e ela tentou se levantar, mas Rosa foi mais rápida e a segurou. — Não se levante, mãezinha. Foi só um tombo... — respondeu Rosa, tentando aliviar a situação, embora soubesse que o estado dela denunciava o contrário. — Como assim só um tombo? Olha só você! — disse Cida, entre lágrimas. — Eu sabia que algo estava errado... O que aconteceu, minha filha? Rosa queria muito abraçar a mãe e chorar até não ter mais forças. Contar tudo o que havia acontecido, desde a queda até o encontro com aquele homem arrogante. Mas sabia que, se fizesse isso, acabaria preocupando a mãe ainda mais. — Mãe, não foi nada de mais, eu caí da bicicleta, me machuquei um pouco, mas já estou bem, de verdade — disse Rosa, segurando as lágrimas, tentando manter a voz firme. — Não quero te preocupar. Dona Cida a olhou com desconfiança, uma mãe sempre conhece os seus filhos, mas não quis insistir. Sabia que a filha estava exausta, e forçar respostas não ajudaria em nada naquele momento. — Vem, deixa eu te ajudar com isso — disse Rosa, tirando um pequeno prato com polenta do fogão à lenha. Era uma refeição simples, mas feita com tanto carinho que, naquele momento, parecia o melhor banquete do mundo. Depois de servir as duas, Rosa sentou-se ao lado da mãe, e, mesmo com a dor no corpo e o cansaço, tentou arrancar um sorriso dela, contando alguma história engraçada do dia. — Você acredita que, mesmo com todo o tombo e a confusão, ainda consegui trazer a bicicleta comigo? A ambulância teve que levar a coitada junto! — disse Rosa, soltando uma risadinha. Dona Cida sorriu, apesar das lágrimas que ainda escorriam silenciosamente. A força da filha sempre a impressionava. Elas comeram em silêncio por alguns minutos, e, depois, Rosa ajudou sua mãe a tomar os remédios e a deitar confortavelmente na cama. Quando a noite caiu completamente, Rosa se encontrou sozinha na cozinha, ascendeu algumas velas, pois ainda não tinha resolvido a conta de luz, lavou a pouca louça que haviam usado. Enquanto a água escorria pelos pratos, as lágrimas finalmente vieram. Ela estava no limite de suas forças, física e emocional. O peso de tudo, o acidente, a necessidade de sustentar a casa, a preocupação com a saúde da mãe, a esmagava. Ali, de frente para a pia, Rosa fez uma oração, silenciosa, mas cheia de esperança: — Senhor, eu sei que não sou a mais forte nem a mais sábia, mas me dê forças para seguir em frente. Cuida da minha mãe, que é tudo o que eu tenho, e me ajuda a encontrar um caminho, mesmo que eu não consiga ver a saída agora. Só quero poder dar a ela o que merece... um pouquinho de paz. Eu confio em Ti, mesmo nos dias mais difíceis. Amém. Ela secou as lágrimas, respirou fundo e tentou acalmar o coração. Sabia que o próximo dia seria difícil, mas não tinha escolha. Precisava continuar. [...] No dia seguinte, Rosa acordou com o corpo dolorido, mas determinada. Por mais que seus machucados ainda incomodassem, ela não poderia se dar ao luxo de faltar no trabalho. Precisava do dinheiro, principalmente para os remédios da mãe. Quando chegou na casa, tudo parecia normal, até que, ao entrar, ouviu a voz irritada da senhora Trajano. — Rosa! Como você ousa aparecer assim? — a mulher disse assustada, apontando para os curativos visíveis. — Eu só caí da bicicleta, mas já estou bem — respondeu Rosa, com a calma que sempre usava para lidar com as reclamações da patroa. Rosa não deu bola e continuou a realizar suas tarefas normalmente. Lavou o chão, organizou os cômodos e se preparava para ouvir as habituais críticas da patroa.No entanto, enquanto limpava o corredor, ouviu passos firmes descendo as escadas. Ela se virou e viu, para sua surpresa, um homem alto, forte, muito bonito, cheiroso, com uma barba atraente e o ar de quem se achava dono do mundo. Seus olhos se arregalaram de surpresa.
— Você por aqui? — Ricardo Trajano, o mesmo homem que a humilhou na rua, estava agora parado na sua frente. Rosa ficou boquiaberta. — Não acredito que você… — começou a dizer, incrédula. Ricardo cruzou os braços, olhando para ela com o mesmo ar de superioridade de antes. — Ah, então é você, a famosa Rosa. A que atrapalha o trânsito, me faz perder tempo, e limpa a casa da minha mãe. — Ele sorriu, sarcástico. — Não acredito que você trabalha para a minha mãe. Rosa bufou, tentando manter a calma. — Isso mesmo. Sou eu. E não acredito que você é o filho dela — respondeu com ironia. — Agora tudo faz sentido. Ricardo, obviamente ofendido pelo tom de Rosa, ergueu uma sobrancelha. — Está insinuando o quê? — perguntou ele, irritado. — Nada... — Rosa respondeu com um sorriso amargo. — Só estou dizendo que arrogância parece ser de família. Era muito difícil Ricardo aparecer na casa da mãe, até porque Rosa nunca havia o visto lá. Ricardo não estava acostumado a ser enfrentado daquela maneira, especialmente por alguém como Rosa. — Você é uma peça, sabia? Mal agradecida e atrevida. — E você é… bem, deixa pra lá. Melhor eu continuar limpando antes que sua mãe apareça e reclame. - Rosa apenas sorriu, cansada demais para se importar. Ricardo ficou em silêncio por alguns segundos, ainda tentando processar a audácia de Rosa. Aquela menina simples, com roupas gastas e um ar de cansaço, tinha mais coragem do que qualquer pessoa que ele já havia conhecido. Ele não podia ignorar o fato de que, apesar de toda a simplicidade, Rosa era deslumbrante. Com apenas 24 anos, Rosa tinha uma beleza única. Seu corpo era esbelto e bem proporcionado. Sua presença era marcante. Simples, mas espetacular. Ricardo fingia não se importar, mantendo sua pose de superioridade e desdém.Ele soltou um último suspiro, e sem mais palavras, subiu as escadas, deixando Rosa continuar o trabalho.
Após Ricardo subir as escadas, Rosa respirou fundo, aliviada por ele ter saído. Voltou a trabalhar, focando em terminar logo o serviço e sair dali, mas, antes que pudesse terminar, ouviu uma batida suave na porta. Rosa foi atender. Quando abriu, deu de cara com um homem de terno elegante, segurando um envelope nas mãos.— Boa tarde, senhorita Rosa? — ele perguntou, com um sorriso formal.— Sim, sou eu. O que deseja? — Rosa respondeu, confusa.— Tenho aqui uma correspondência urgente para você — disse ele, entregando-lhe o envelope.Rosa franziu a testa, sem entender do que se tratava. Ela abriu o envelope com cuidado e, ao ler o conteúdo, sentiu o coração disparar. Era uma convocação judicial.— O que... o que é isso? — perguntou, sentindo as mãos tremerem.— É melhor você ler com calma — respondeu o homem, já se afastando. — Apenas cumpro meu dever.Rosa ficou parada ali, com o envelope nas mãos, sem saber o que pensar. Justo quando ela começava a se sentir mais leve, uma nova tempes
[...]Rosa chegou em casa e suspirou profundamente, sentindo o peso da decisão crescer em seu peito. A oferta era tentadora em um sentido prático, mas o que isso significaria para sua liberdade, sua dignidade, sua mãe? A dívida era enorme, e a ameaça de perder a casa pairava como uma sombra sobre ela.Rosa precisava falar com sua mãe. Caminhou até o quarto da mãe, quando abriu a porta, encontrou Dona Cida deitada, a respiração fraca, mas serena. — Mãe? — chamou suavemente, se aproximando da cama.— Rosa, minha filha... — disse ela, com a voz suave, mas cheia de carinho. — Está tudo bem?Rosa mordeu o lábio, hesitante em contar à mãe o que estava acontecendo.— Nada não... mãezinha, só queria ver como a senhora estava, e dar boa noite. — Rosa não teve coragem de preocupar a mãe, nesse momento parecia que ela já tinha a resposta.— Oh, minha filha, estou bem. — Dona Cida piscou lentamente, absorvendo as palavras da filha. Ela segurou a mão de Rosa e a apertou com a pouca força que rest
Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto. — Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos. — Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou. — Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem. Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela. — Mãe, eu arrumei um emprego novo. — Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano? — Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo. — O filho dela? — Ele me ofereceu um emprego como secretária. — Rosa
Ela estava sendo contratada como uma espécie de acompanhante permanente de Ricardo, uma assistente que parecia mais com uma sombra do que com uma secretária comum. — Você parece estar hesitante, Rosa. — Ele disse, com uma ponta de sarcasmo na voz, inclinando-se um pouco para frente na cadeira de couro. — Se não for capaz de lidar com esse trabalho, há outras pessoas que ficariam mais do que felizes em aceitar. Se Rosa assinasse o contrato, estaria essencialmente vendendo sua liberdade. Seria um fantoche nas mãos de Ricardo, disponível para ele a qualquer momento. Mas se não assinasse... como conseguiria pagar as contas? A vida de sua mãe dependia dos remédios caros, e a pequena renda que Rosa conseguia como diarista não era suficiente para cobrir todas as despesas. — Isso não é um trabalho comum, Ricardo. — Rosa disse, tentando manter a voz firme, mas sabendo que estava tremendo por dentro. — Você está basicamente me pedindo para estar à sua disposição o tempo todo. Isso não é ser
— O que você quer, Rebeca? Estou ocupado.Rebeca. O nome ressoou na mente de Rosa. Era óbvio que ela não estava ali apenas como uma visitante comum. Havia algo na maneira como Rebeca se comportava, o ar de familiaridade, a intimidade forçada, que indicava uma história com Ricardo, algo que ele claramente não estava disposto a discutir.Rebeca entrou no escritório como se fosse dona do lugar, sua postura confiante e os saltos estalando no chão de mármore. Ela ignorou a pergunta de Ricardo por um instante e se virou para Rosa, o sorriso presunçoso ainda colado em seu rosto.— Oh, eu só estava passando para ver como você está. — Rebeca se aproximou com passos lentos e calculados. Ela parou ao lado da mesa de Ricardo, os olhos agora focados em Rosa. — E para conhecer sua nova "aquisição". Parece tão... jovem e inexperiente. Ela tem alguma chance de durar aqui, Ricardo? — O tom de voz dela era venenoso, cheio de desdém.A situação já era desconfortável o suficiente, e a última coisa que Ro
Faltavam apenas quinze minutos para o fim do expediente, e ela mal podia esperar para sair daquele escritório sufocante. Arrumou seus pertences, organizou os papéis em ordem e apagou as luzes. Ela fechou a porta com cuidado e caminhou em direção ao elevador. Quando as portas se abriram, seu coração deu um salto ao encontrar Ricardo ali, envolvido em uma conversa no telefone. Ele estava com o semblante sério, como de costume, discutindo algo sobre um encontro após o expediente. A presença dele tornava o ar mais pesado, e Rosa, sem jeito, evitou ao máximo olhar diretamente para ele.“Sim, eu estarei lá. Não se preocupe. Vou chegar a tempo,” - Ricardo disse ao telefone, sem sequer notar Rosa à primeira vista. Ele parecia alheio ao desconforto dela, focado em seus planos. As portas do elevador se fecharam, e o silêncio entre os dois foi constrangedor.— Você veio de bicicleta? — ele perguntou, com um tom de deboche ao ver Rosa indo em direção à sua bicicleta trancada com um cadeado no pos
A noite do jantar finalmente chegou, e o nervosismo de Rosa crescia conforme o carro se aproximava da mansão. Sabia que estaria cercada por pessoas importantes, e mesmo que estivesse vestida como uma dama, sentia-se fora do lugar. O táxi, pago pela empresa, quando parou em frente à propriedade, ela não pôde deixar de ficar deslumbrada. A mansão era imensa, com detalhes arquitetônicos luxuosos e um jardim magnificamente iluminado, repleto de flores que sua mãe adoraria ver."Que lugar..." — ela pensou, admirando a grandiosidade do cenário à sua volta. Cada passo que dava pelo caminho de pedras a levava para mais perto daquele mundo que não era o seu.De repente, seu telefone tocou, quebrando a calma daquele momento. Era Ricardo.— Boa noite, senhor Trajano. — Ela atendeu.— Já cheguei. Onde você está? — Ele ignorou o cumprimento de Rosa, soando impaciente.— Estou no jardim. Onde o senhor está? Vou até você. — Ela respondeu.— Também estou no jardim. Por que não a vejo? — Ele estava vi
Ricardo afrouxou a gravata enquanto olhava para o celular, mas sua mente estava longe. Sentado no banco de trás do carro, ele encarava a tela sem realmente ver o que estava nela. Algo o incomodava profundamente, mas ele não queria admitir, nem para si mesmo. A imagem de Rosa, tão impecável e deslumbrante ao lado de Francesco, não saía da sua cabeça. Aquela visão o afetou de uma maneira que ele não entendia completamente. "Ela está diferente", — pensava, mas não era só a aparência que o perturbava, era a confiança, o olhar dela, a forma como conseguia abalar o controle que ele tanto prezava. Rebeca, sentada ao seu lado, observou o desconforto evidente e, com um sorriso provocador, inclinou-se para mais perto. — Alguma coisa errada, Ricardo? — perguntou ela, com a voz suave, mas carregada de segundas intenções. Seus dedos tocaram o braço dele com leveza. — Ou podemos ir direto para o seu quarto? — sugeriu, deixando sua proposta no ar. Ricardo se mexeu no banco, visivelmente incomodad