[...]
Rosa chegou em casa e suspirou profundamente, sentindo o peso da decisão crescer em seu peito. A oferta era tentadora em um sentido prático, mas o que isso significaria para sua liberdade, sua dignidade, sua mãe? A dívida era enorme, e a ameaça de perder a casa pairava como uma sombra sobre ela. Rosa precisava falar com sua mãe. Caminhou até o quarto da mãe, quando abriu a porta, encontrou Dona Cida deitada, a respiração fraca, mas serena. — Mãe? — chamou suavemente, se aproximando da cama. — Rosa, minha filha... — disse ela, com a voz suave, mas cheia de carinho. — Está tudo bem? Rosa mordeu o lábio, hesitante em contar à mãe o que estava acontecendo. — Nada não... mãezinha, só queria ver como a senhora estava, e dar boa noite. — Rosa não teve coragem de preocupar a mãe, nesse momento parecia que ela já tinha a resposta. — Oh, minha filha, estou bem. — Dona Cida piscou lentamente, absorvendo as palavras da filha. Ela segurou a mão de Rosa e a apertou com a pouca força que restava. — Eu estava aqui pensando em como o jardim vai ficar bonito na primavera... Se tivermos sorte, as hortaliças vão dar bem este ano.Uma esperança que partia o coração de Rosa, porque sabia que, sem a casa, não haveria jardim.
— Vai sim, mãe. Tudo vai dar certo. — Ela disse, mais para si mesma do que para dona Cida. Foi então que ouviu uma batida na porta. Seu coração deu um salto. Não esperava visitas, e não podia imaginar quem poderia ser. Caminhou hesitante até a porta e, ao abrir, ficou surpresa ao ver quem estava lá. Natalie, sua amiga de infância. Natalie era esperta, se alguém pudesse dar um conselho honesto, seria ela. Rosa abriu a porta com um sorriso caloroso. — Entre, Nat. O que aconteceu, pra você aparecer do nada? — Na verdade, estava passando aqui por perto e queria ver como você estava, sua mãe... — Eu não sei o que fazer, Nat. — Rosa começou, a voz trêmula. — Ricardo Trajano me ofereceu uma ajuda, mas parece que algo não está certo. — O que? Ricardo Trajano? O CEO mais cobiçado da Itália... Rosa, como assim? Conhece ele? Eu trabalho em umas das suas empresas á meses, e nunca o vi pessoalmente ainda... chocada! — Conheci, infelizmente. Ele é filho da velha chata que eu limpo a casa. — Rosa respondeu, contando tudinho em detalhes como foi, desde o tombo no asfalto, até a intimação judicial. — Eu sempre desconfiei desse cara. Ele tem fama de manipulador. — Nat suspirou, pensativa. — E o que exatamente ele te ofereceu? — Ele disse que poderia resolver minhas dívidas, e ainda garantir que eu não precisasse me preocupar com nada... — Rosa começou, tentando manter a calma. — Mas, em troca, ele quer que eu me aproxime dele, fique ao lado dele como... uma espécie de ''pessoa de confiança'', entende? — Eu sei que você está entre a cruz e a espada, Rosa. Mas aceitar a proposta dele pode custar muito mais do que dinheiro. Você sabe que homens como Ricardo Trajano não são confiáveis. Rosa bebeu um gole do chá que sua mãe havia feito mais cedo, tentando acalmar seus nervos. As palavras de Nat ressoavam em sua mente. Ela sabia que aceitar o "acordo" de Ricardo poderia ser um caminho sem volta, mas as opções pareciam cada vez mais limitadas. — Então o que eu faço? — Rosa perguntou, desesperada. — Como eu posso ajudar minha mãe sem essa ajuda? Nat respirou fundo, pensando por um momento. Então, como se uma ideia tivesse surgido de repente, ela se inclinou para frente. — Eu conheço uma pessoa, Rosa. Ela trabalha com o sindicato dos trabalhadores rurais. Pode te ajudar a conseguir um empréstimo decente, sem precisar se meter com o Ricardo. Eu sei que não é o ideal, mas é um caminho. Você consegue tempo até arranjar algo melhor. — Um empréstimo? — Rosa balançou a cabeça, indecisa. — Não sei se consigo pagar... — A gente dá um jeito. — Nat insistiu. — O que não pode acontecer é você ficar nas mãos daquele homem. Mas... Ele pode ser uma boa pessoa e só estar querendo ajudar e precisa de uma ''secretária''. Rosa olhou para a amiga, sentindo a esperança ressurgir, embora de forma tímida. Talvez houvesse mesmo uma alternativa. Talvez ela pudesse sair dessa sem precisar se comprometer com Ricardo. — Eu vou pensar sobre isso, Nat. Obrigada por me ouvir. — Rosa sorriu levemente, sentindo um pequeno alívio ao saber que, pelo menos, havia alguém em quem confiar. — Você não está sozinha, Rosa. — Nat apertou a mão dela. — Vamos encontrar uma solução. [...] Rosa saiu cedo naquela manhã, a mente ainda bagunçada. A possibilidade de um empréstimo era atraente, mas as dívidas eram tão grandes que ela não sabia se seria suficiente para salvar a casa e cuidar da mãe. O frio cortava o rosto de Rosa enquanto caminhava até a farmácia do bairro. Precisava comprar mais remédios para a mãe, mas o dinheiro estava curto. Ela calculava mentalmente como faria para economizar ao máximo enquanto apertava as mãos no casaco surrado. Ao chegar à farmácia, Rosa entrou e foi direto ao balcão, onde conhecia bem a atendente. Colocou a lista de remédios sobre o balcão, seus dedos trêmulos. — Bom dia, Elza. Será que tem como me parcelar o pagamento de novo? — perguntou Rosa, a voz quase em um sussurro, tentando não deixar transparecer a vergonha. — Ah, Rosa, eu sei que você sempre paga, mas tá difícil... — Elza suspirou, pegando os medicamentos e calculando o valor. — São muitos remédios, menina, mas vou parcelar em três vezes, tudo bem? Rosa assentiu, forçando um sorriso de agradecimento. Pegou os pacotes de remédios e virou-se para sair, as sacolas pesadas em suas mãos. Foi então que o som da porta automática se abriu e, para sua surpresa, quem entrou foi Ricardo Trajano. Lá estava ele, impecável como sempre, com seu terno perfeitamente ajustado, cabelo cuidadosamente penteado e aquela presença. Ele parecia fora de lugar em uma farmácia simples de bairro, mas não se importava com os olhares que recebia. Rosa tentou passar por ele discretamente, sem chamar atenção, mas a vida, claro, não seria tão fácil assim. — Rosa? — A voz de Ricardo soou clara e penetrante, fazendo com que ela parasse no meio do caminho. — O que você está fazendo aqui? Rosa sentiu o sangue subir para o rosto. Não queria responder, não queria falar sobre a situação delicada de sua mãe. Afinal, a última coisa que ela precisava era que Ricardo soubesse das dificuldades que enfrentava. — Nada demais, só pegando umas coisas. — Ela tentou desconversar, desviando o olhar e apertando as sacolas contra o corpo. — Parece uma quantidade grande de remédios para 'nada demais', não acha? — Ele arqueou uma sobrancelha, claramente curioso e desconfiado. — São para... uma amiga. Ela tá doente. — Mentiu, virando o rosto para evitar o olhar penetrante dele. — Uma amiga, hein? — Ricardo disse. — Interessante como você carrega todo esse fardo sozinha. Isso me lembra de algo... Ele deu um passo à frente, e Rosa quase recuou instintivamente. — Quer saber? Não importa. — Ele balançou a cabeça. — A propósito, você ainda está pensando sobre minha proposta? Ela suspirou, olhando para as sacolas de remédios em suas mãos. Talvez... talvez fosse a única saída. — Fechado, eu aceito. — As palavras saíram mais rápido do que ela imaginava. Quando percebeu o que havia dito, seu coração deu um salto, e uma mistura de alívio e medo tomou conta dela. — Sem atrasos, então. Amanhã, às nove, neste endereço. — Ele puxou um cartão do bolso interno de seu paletó e entregou a ela. — E, ah, você pode avisar à minha mãe que não trabalha mais para ela. Rosa pegou o cartão, atordoada. Não trabalharia mais para a mãe dele? O que exatamente ele estava planejando? Ela abriu a boca para responder, mas ele já estava terminando de pagar no caixa, virando as costas para sair, como se tudo já estivesse decidido. — Não pense que isso vai ser fácil. — Ele parou na porta e olhou por cima do ombro, o olhar intenso mais uma vez sobre ela. — Eu exijo lealdade absoluta, e não vou tolerar falhas. Rosa, sempre pronta para revidar, cruzou os braços e respondeu com um olhar desafiador. — Eu entendo muito bem, Ricardo. Mas saiba que também não vou tolerar qualquer abuso. Eu posso estar aceitando sua ajuda, mas isso não significa que você vai me controlar. Ricardo sorriu novamente, um sorriso frio e calculado. — Eu gosto disso em você, Rosa. Você tem garra. Mas cuidado para não se queimar. Até amanhã. Com essas palavras, ele saiu da farmácia, deixando Rosa parada ali, ainda processando tudo o que acabava de acontecer. Ela olhou para o cartão em suas mãos e sentiu uma mistura de emoções. Medo, nervosismo, mas também... uma excitação que não podia ignorar. Havia algo em Ricardo que a intrigava, que a puxava para ele, mesmo que ela quisesse manter distância. — Ele é um cretino... mas um cretino bonito e cheiroso... — murmurou para si mesma, sentindo o rosto esquentar. Ela balançou a cabeça, tentando se concentrar. Não era hora de se deixar levar por esses pensamentos. Sua prioridade era sua mãe, e agora, com a proposta de Ricardo aceita, ela teria uma chance de resolver as coisas. A que custo, ela ainda não sabia. Com as sacolas de remédios nas mãos e o cartão de Ricardo no bolso, Rosa saiu da farmácia, pronta para enfrentar o que viesse a seguir.Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto.— Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos.— Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou.— Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem.Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela.— Mãe, eu arrumei um emprego novo.Dona Cida arqueou uma sobrancelha, surpresa.— Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano?— Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo.Dona Cida franziu o cenho, claram
Ela estava sendo contratada como uma espécie de acompanhante permanente de Ricardo, uma assistente que parecia mais com uma sombra do que com uma secretária comum. — Você parece estar hesitante, Rosa. — Ele disse, com uma ponta de sarcasmo na voz, inclinando-se um pouco para frente na cadeira de couro. — Se não for capaz de lidar com esse trabalho, há outras pessoas que ficariam mais do que felizes em aceitar. Se Rosa assinasse o contrato, estaria essencialmente vendendo sua liberdade. Seria um fantoche nas mãos de Ricardo, disponível para ele a qualquer momento. Mas se não assinasse... como conseguiria pagar as contas? A vida de sua mãe dependia dos remédios caros, e a pequena renda que Rosa conseguia como diarista não era suficiente para cobrir todas as despesas. — Isso não é um trabalho comum, Ricardo. — Rosa disse, tentando manter a voz firme, mas sabendo que estava tremendo por dentro. — Você está basicamente me pedindo para estar à sua disposição o tempo todo. Isso não é ser
— O que você quer, Rebeca? Estou ocupado.Rebeca. O nome ressoou na mente de Rosa. Era óbvio que ela não estava ali apenas como uma visitante comum. Havia algo na maneira como Rebeca se comportava, o ar de familiaridade, a intimidade forçada, que indicava uma história com Ricardo, algo que ele claramente não estava disposto a discutir.Rebeca entrou no escritório como se fosse dona do lugar, sua postura confiante e os saltos estalando no chão de mármore. Ela ignorou a pergunta de Ricardo por um instante e se virou para Rosa, o sorriso presunçoso ainda colado em seu rosto.— Oh, eu só estava passando para ver como você está. — Rebeca se aproximou com passos lentos e calculados. Ela parou ao lado da mesa de Ricardo, os olhos agora focados em Rosa. — E para conhecer sua nova "aquisição". Parece tão... jovem e inexperiente. Ela tem alguma chance de durar aqui, Ricardo? — O tom de voz dela era venenoso, cheio de desdém.A situação já era desconfortável o suficiente, e a última coisa que Ro
Faltavam apenas quinze minutos para o fim do expediente, e ela mal podia esperar para sair daquele escritório sufocante. Arrumou seus pertences, organizou os papéis em ordem e apagou as luzes. Ela fechou a porta com cuidado e caminhou em direção ao elevador. Quando as portas se abriram, seu coração deu um salto ao encontrar Ricardo ali, envolvido em uma conversa no telefone. Ele estava com o semblante sério, como de costume, discutindo algo sobre um encontro após o expediente. A presença dele tornava o ar mais pesado, e Rosa, sem jeito, evitou ao máximo olhar diretamente para ele.“Sim, eu estarei lá. Não se preocupe. Vou chegar a tempo,” - Ricardo disse ao telefone, sem sequer notar Rosa à primeira vista. Ele parecia alheio ao desconforto dela, focado em seus planos. As portas do elevador se fecharam, e o silêncio entre os dois foi constrangedor.— Você veio de bicicleta? — ele perguntou, com um tom de deboche ao ver Rosa indo em direção à sua bicicleta trancada com um cadeado no pos
A noite do jantar finalmente chegou, e o nervosismo de Rosa crescia conforme o carro se aproximava da mansão. Sabia que estaria cercada por pessoas importantes, e mesmo que estivesse vestida como uma dama, sentia-se fora do lugar. O táxi, pago pela empresa, quando parou em frente à propriedade, ela não pôde deixar de ficar deslumbrada. A mansão era imensa, com detalhes arquitetônicos luxuosos e um jardim magnificamente iluminado, repleto de flores que sua mãe adoraria ver."Que lugar..." — ela pensou, admirando a grandiosidade do cenário à sua volta. Cada passo que dava pelo caminho de pedras a levava para mais perto daquele mundo que não era o seu.De repente, seu telefone tocou, quebrando a calma daquele momento. Era Ricardo.— Boa noite, senhor Trajano. — Ela atendeu.— Já cheguei. Onde você está? — Ele ignorou o cumprimento de Rosa, soando impaciente.— Estou no jardim. Onde o senhor está? Vou até você. — Ela respondeu.— Também estou no jardim. Por que não a vejo? — Ele estava vi
Ela estava atrasada. De novo. — Droga! — sussurrou, enquanto enfiava os pés nos sapatos molhados que havia deixado na entrada de casa. Quando finalmente chegou ao portão de ferro da mansão dos Trajanos, Rosa já estava completamente molhada. O vento e a chuva haviam transformado seu coque em uma confusão de fios que caíam sobre seu rosto. Suas roupas coladas ao corpo, e seus pés encharcados, pareciam esponjas. “Por que estou atrasada mesmo? Ah, claro, o despertador não tocou, a conta de energia estava atrasada, e a luz foi cortada na noite anterior. ...” – ela pensava. Ao colocar sua bicicleta no canto do jardim lateral, Rosa correu para a porta de serviço. Não queria ser vista pela senhora Trajano naquele estado miserável, mas seu plano foi destruído assim que ouviu uma voz cortante ecoar do alto da escadaria. — Está atrasada, de novo! — A senhora Trajano apareceu, como sempre, com o olhar cheio de desdém. Vestida com seu roupão de seda caro, seus cabelos brancos perfeitamente ar
Rosa saiu da casa dos Trajanos sentindo o peso do dinheiro suado no bolso. Agora, já final de tarde, Rosa subiu na bicicleta, e começou a pedalar, ainda garoava, ela se sentia exausta.Enquanto pedalava ladeira abaixo, algo chamou sua atenção. De longe, os faróis de um caminhão brilhavam intensamente, ofuscando sua visão. Assustada, ela perdeu o controle e escorregou numa poça de lama, caindo bruscamente no chão. A bicicleta foi arremessada para o lado, e Rosa sentiu uma forte dor no joelho. — Droga! — foi a única coisa que conseguiu murmurar antes de sentir o impacto. Enquanto tentava se recompor, um carro luxuoso parou ao seu lado. O motorista buzinava incessantemente, claramente impaciente. O motorista, irritado, começou a fazer gestos com as mãos, claramente frustrado por não conseguir passar por causa da bicicleta, e de Rosa caída no asfalto. — Você foi atropelada ou está só deitada aí de graça, atrapalhando o tráfego? — Eu... O homem, revirando os olhos, pegou o celular e
Rosa finalmente avistou sua casinha. Era uma casa simples, feita de madeira, como aquelas de interior, mas na cidade. O quintal era grande, com canteiros onde sua mãe plantava algumas hortaliças e flores, e uma pequena horta nos fundos. Rosa desceu da bicicleta com cuidado, tentando não agravar os ferimentos, e empurrou a velha porta de madeira que rangeu ao abrir. O cheiro da comidinha que sua mãe havia feito, tomou conta de suas narinas. Sua mãe, mesmo doente, sempre fazia questão de deixar algo preparado. Dentro da casa, tudo era muito simples. O piso era de tábuas gastas, as cortinas eram feitas à mão por sua mãe, e o pouco que tinham de móveis era antigo. Na cozinha, tinha um fogão à lenha e uma mesa de madeira, já arrumada para o jantar. Ao lado, uma poltrona onde sua mãe costumava sentar, com uma colcha de retalhos por cima. Ao entrar, Rosa ouviu o som da voz fraca de sua mãe, chamando com preocupação: — Filha, é você? Ela seguiu o som até o quarto, onde a mãe estava deita