Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto.
— Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos. — Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou. — Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem. Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela. — Mãe, eu arrumei um emprego novo. — Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano? — Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo. — O filho dela? — Ele me ofereceu um emprego como secretária. — Rosa tentou manter a voz leve, como se fosse uma oportunidade comum. — A senhora sabe... ele disse que posso ganhar bem e que não preciso mais me preocupar tanto. A casa... as dívidas... ele prometeu ajudar. — Filha, eu sei que você faz tudo por mim... Mas, tem certeza que isso é o que você quer? Não confio nesses ricos. Eles gostam de usar as pessoas. Rosa apertou a mão da mãe, tentando transmitir segurança. — Eu vou tentar, mãe. Pode ser uma chance para nós duas. E, olha, o trabalho parece melhor do que ficar limpando a casa da mãe dele. Eu vou trabalhar em um escritório chique agora. Dona Cida deu um sorriso fraco, mas ainda assim cheio de carinho. — Se você acha que é o melhor, minha filha... Eu só quero que você seja feliz. As duas riram juntas, trocando histórias e memórias como sempre faziam. Apesar do peso da situação, a leveza das conversas com sua mãe sempre conseguia acalmar o coração de Rosa, nem que fosse por um instante. [...] No dia seguinte, Rosa foi até a casa da senhora Trajano para anunciar que não trabalharia mais ali. Ao chegar, foi recebida com o mesmo desprezo habitual. A velha olhou de cima a baixo para Rosa, com aquele olhar frio que já a machucou tantas vezes. — O que você está fazendo aqui tão cedo, Rosa? — perguntou a velha com aquele tom que sempre fazia Rosa se sentir inferior. — Vim falar sobre o trabalho. — Rosa começou, mantendo a compostura. — Eu... arrumei outro emprego. Não vou mais poder trabalhar para a senhora. — Outro emprego? — A velha arqueou uma sobrancelha, fingindo indiferença. — Bom, que sorte a sua. Arrumar alguém para me ajudar não será problema. Apesar do tom arrogante, Rosa não se deixou abalar. Estava acostumada. Ela agradeceu a velha e saiu sem olhar para trás. O que ela não mencionou, porém, foi o acordo com Ricardo. Quanto menos pessoas soubessem disso, melhor. [...] No seu primeiro dia de trabalho, Rosa acordou cedo, nervosa e ansiosa. Escolheu sua melhor roupa, ainda que fosse velha e batida. Pegou o cartão de Ricardo no bolso e olhou o endereço. — Droga — murmurou. — Não dá para ir andando. Ela decidiu ir com sua velha bicicleta, o único meio de transporte que tinha. Pedalou pelas ruas com o coração acelerado, até chegar no prédio, gigantesco. Era tão sofisticado, luxuoso, muito diferente de tudo o que ela estava acostumada. Rosa procurou um lugar para deixar a bicicleta, e, finalmente, achou um poste. Prendeu a bicicleta com uma corrente e murmurou uma oração para que ninguém a roubasse. Com o coração na mão, entrou no prédio, onde foi recebida por um segurança que a orientou a seguir até a recepção. — Bom dia, sou Rosa... vim para o meu primeiro dia de trabalho com o senhor Ricardo Trajano. — Ela disse, tentando manter a voz firme. A recepcionista olhou-a de cima a baixo, mas sorriu educadamente. — Ah, sim, senhorita Rosa. Aqui está seu crachá. O escritório dele é no último andar, 9º andar. Pode pegar o elevador à esquerda. Rosa agradeceu, pegou o crachá e se dirigiu ao elevador. Quando as portas se abriram no 9º andar, ela se deparou com um escritório enorme, moderno, todo de vidro, com uma vista espetacular da cidade. O coração de Rosa quase parou por um segundo. Ricardo estava lá, sentado à sua mesa, com um papel nas mãos. Ele nem ao menos olhou para ela quando entrou. — Tome, assine aqui. — Ele disse, sem cerimônia. — Bom dia pra você também, Ricardo. — respondeu com sarcasmo. — Não tenho tempo para cumprimentos. Leia e assine. — Ele respondeu impaciente. — Calma, eu vou pelo menos ler o que estou assinando — disse Rosa, desafiadora. Ricardo suspirou, impaciente. — Então leia, mas não demore. Rosa sentou-se e começou a ler. Era um contrato. À medida que passava pelas cláusulas, seu coração afundava. Não era um simples emprego de ''secretária''. Estava ali, listado de forma clara: ela teria que estar disponível 24 horas. Havia até uma cláusula que dizia que ela deveria dormir em sua casa quando fosse "necessário". A lista de tarefas era longa e intimidante: *Acompanhar Ricardo em reuniões, eventos, viagens. *Organizar jantares e eventos profissionais. *Buscar café e atender suas necessidades. *Dormir em sua casa quando necessário, para atender a qualquer emergência. *Acompanhá-lo em situações sociais importantes. Além disso, havia uma lista de comportamentos proibidos: *Não fazer perguntas desnecessárias. *Não ouvir música alta no ambiente. *Mentiras não seriam aceitas, sob nenhuma circunstância. *Não acessar um cômodo específico de sua casa. Rosa ficou em choque. O contrato parecia mais um compromisso de vida do que um simples emprego. — Isso é muito... — ela murmurou, olhando para Ricardo. Ele cruzou os braços, a expressão inabalável. — E então? Vai assinar? — Ricardo perguntou. Rosa olhou para o papel, o coração apertado. Estava prestes a entrar em algo muito maior do que imaginava. — E então? Vai assinar ou não?Ela estava sendo contratada como uma espécie de acompanhante permanente de Ricardo, uma assistente que parecia mais com uma sombra do que com uma secretária comum. — Você parece estar hesitante, Rosa. — Ele disse, com uma ponta de sarcasmo na voz, inclinando-se um pouco para frente na cadeira de couro. — Se não for capaz de lidar com esse trabalho, há outras pessoas que ficariam mais do que felizes em aceitar. Se Rosa assinasse o contrato, estaria essencialmente vendendo sua liberdade. Seria um fantoche nas mãos de Ricardo, disponível para ele a qualquer momento. Mas se não assinasse... como conseguiria pagar as contas? A vida de sua mãe dependia dos remédios caros, e a pequena renda que Rosa conseguia como diarista não era suficiente para cobrir todas as despesas. — Isso não é um trabalho comum, Ricardo. — Rosa disse, tentando manter a voz firme, mas sabendo que estava tremendo por dentro. — Você está basicamente me pedindo para estar à sua disposição o tempo todo. Isso não é ser
— O que você quer, Rebeca? Estou ocupado.Rebeca. O nome ressoou na mente de Rosa. Era óbvio que ela não estava ali apenas como uma visitante comum. Havia algo na maneira como Rebeca se comportava, o ar de familiaridade, a intimidade forçada, que indicava uma história com Ricardo, algo que ele claramente não estava disposto a discutir.Rebeca entrou no escritório como se fosse dona do lugar, sua postura confiante e os saltos estalando no chão de mármore. Ela ignorou a pergunta de Ricardo por um instante e se virou para Rosa, o sorriso presunçoso ainda colado em seu rosto.— Oh, eu só estava passando para ver como você está. — Rebeca se aproximou com passos lentos e calculados. Ela parou ao lado da mesa de Ricardo, os olhos agora focados em Rosa. — E para conhecer sua nova "aquisição". Parece tão... jovem e inexperiente. Ela tem alguma chance de durar aqui, Ricardo? — O tom de voz dela era venenoso, cheio de desdém.A situação já era desconfortável o suficiente, e a última coisa que Ro
Faltavam apenas quinze minutos para o fim do expediente, e ela mal podia esperar para sair daquele escritório sufocante. Arrumou seus pertences, organizou os papéis em ordem e apagou as luzes. Ela fechou a porta com cuidado e caminhou em direção ao elevador. Quando as portas se abriram, seu coração deu um salto ao encontrar Ricardo ali, envolvido em uma conversa no telefone. Ele estava com o semblante sério, como de costume, discutindo algo sobre um encontro após o expediente. A presença dele tornava o ar mais pesado, e Rosa, sem jeito, evitou ao máximo olhar diretamente para ele.“Sim, eu estarei lá. Não se preocupe. Vou chegar a tempo,” - Ricardo disse ao telefone, sem sequer notar Rosa à primeira vista. Ele parecia alheio ao desconforto dela, focado em seus planos. As portas do elevador se fecharam, e o silêncio entre os dois foi constrangedor.— Você veio de bicicleta? — ele perguntou, com um tom de deboche ao ver Rosa indo em direção à sua bicicleta trancada com um cadeado no pos
A noite do jantar finalmente chegou, e o nervosismo de Rosa crescia conforme o carro se aproximava da mansão. Sabia que estaria cercada por pessoas importantes, e mesmo que estivesse vestida como uma dama, sentia-se fora do lugar. O táxi, pago pela empresa, quando parou em frente à propriedade, ela não pôde deixar de ficar deslumbrada. A mansão era imensa, com detalhes arquitetônicos luxuosos e um jardim magnificamente iluminado, repleto de flores que sua mãe adoraria ver."Que lugar..." — ela pensou, admirando a grandiosidade do cenário à sua volta. Cada passo que dava pelo caminho de pedras a levava para mais perto daquele mundo que não era o seu.De repente, seu telefone tocou, quebrando a calma daquele momento. Era Ricardo.— Boa noite, senhor Trajano. — Ela atendeu.— Já cheguei. Onde você está? — Ele ignorou o cumprimento de Rosa, soando impaciente.— Estou no jardim. Onde o senhor está? Vou até você. — Ela respondeu.— Também estou no jardim. Por que não a vejo? — Ele estava vi
Ricardo afrouxou a gravata enquanto olhava para o celular, mas sua mente estava longe. Sentado no banco de trás do carro, ele encarava a tela sem realmente ver o que estava nela. Algo o incomodava profundamente, mas ele não queria admitir, nem para si mesmo. A imagem de Rosa, tão impecável e deslumbrante ao lado de Francesco, não saía da sua cabeça. Aquela visão o afetou de uma maneira que ele não entendia completamente. "Ela está diferente", — pensava, mas não era só a aparência que o perturbava, era a confiança, o olhar dela, a forma como conseguia abalar o controle que ele tanto prezava. Rebeca, sentada ao seu lado, observou o desconforto evidente e, com um sorriso provocador, inclinou-se para mais perto. — Alguma coisa errada, Ricardo? — perguntou ela, com a voz suave, mas carregada de segundas intenções. Seus dedos tocaram o braço dele com leveza. — Ou podemos ir direto para o seu quarto? — sugeriu, deixando sua proposta no ar. Ricardo se mexeu no banco, visivelmente incomodad
Rosa acordou de repente com o som insistente de seu telefone. Seus olhos ainda pesados de sono demoraram a focar. O número desconhecido piscava na tela, e, ainda atordoada, ela se lembrou da noite anterior. O jantar elegante com o chefe, a tensão, e o conforto ao voltar para casa e se deitar com sua mãe. Ela estava tão exausta que nem pensou em colocar o despertador para tocar.— Droga! — resmungou, frustrada consigo mesma. Ela sabia que tinha compromissos naquela manhã, mas a noite anterior parecia ter sugado toda sua energia.O telefone continuava tocando incessantemente, sem dar trégua. Com o coração acelerado, ela atendeu, ainda sem saber de quem se tratava.— Alô?— Está atrasada — disse uma voz grave e firme do outro lado da linha, cortando qualquer saudação. Rosa gelou ao reconhecer o dono daquela voz. Era Ricardo Trajano.— Senhor Trajano? — perguntou, confusa, enquanto sua mente tentava processar o que estava acontecendo. Como ele sabia o número de seu telefone pessoal?— Fal
A tensão no ar ficou ainda mais pesada após o término da reunião. Rosa despediu-se educadamente dos fornecedores e sócios que estavam presentes. Ela sorriu, mesmo sabendo que todos tinham testemunhado sua humilhação. Quando finalmente saiu da sala de reuniões, Rosa ergueu a cabeça, decidida a não mostrar fraqueza. Ao entrar na sala de Ricardo, o viu ali, inquieto, andando de um lado para o outro com um copo de whisky na mão. O som do gelo batendo no vidro parecia ecoar no silêncio. — Fecha a porta — ordenou ele, sem sequer levantar o olhar. Rosa hesitou por um breve momento, mas seguiu a ordem. Ela começou a se aproximar devagar, com cuidado. Ricardo parou de andar e, finalmente, ergueu os olhos para encará-la. — Você transou com ele? — disparou Ricardo, sem rodeios. Rosa parou abruptamente, sentindo o impacto daquelas palavras atravessar o ar como uma lâmina. Sua mente girou, incrédula. O quê? — Oi? — foi tudo o que conseguiu responder, completamente atordoada. — Fran
Depois da conversa que teve com Ricardo, eles nunca mais haviam tocado no assunto, e tudo parecia estar fluindo naturalmente. Já haviam se passado três semanas que ela começou a trabalhar como secretária dele. Rosa manteve uma distância saudável do chefe. Havia encontrado Ricardo somente cinco vezes no total, todas as interações estritamente profissionais, ou pelo menos foi o que ela tentava manter. Entretanto, no fundo, algo no olhar dele permanecia em sua mente, perturbando seu sono.Era uma manhã relativamente calma. Ricardo não estava na empresa, o que deixou Rosa um pouco mais tranquila para realizar suas tarefas sem a presença sufocante dele.Por volta das 12h30, o telefone em sua mesa tocou.— Oi, Rosa, sou eu, Nat! — A voz animada da amiga soou do outro lado. — Só liguei para te perguntar se você quer almoçar comigo hoje?— Ah, sério? Claro! Adoraria — respondeu Rosa, feliz por ter companhia. — Onde nos encontramos?— Lá no poste onde você sempre deixa a sua bicicleta estacion