Capítulo 6 - O Contrato

Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto.

— Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos.

— Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou.

— Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem.

Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela.

— Mãe, eu arrumei um emprego novo.

Dona Cida arqueou uma sobrancelha, surpresa.

— Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano?

— Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo.

Dona Cida franziu o cenho, claramente preocupada.

— O filho dela?

— Ele me ofereceu um emprego como secretária. — Rosa tentou manter a voz leve, como se fosse uma oportunidade comum. — A senhora sabe... ele disse que posso ganhar bem e que não preciso mais me preocupar tanto. A casa... as dívidas... ele prometeu ajudar.

Dona Cida olhou fixamente para a filha, seus olhos enchendo-se de preocupação.

— Filha, eu sei que você faz tudo por mim... Mas, tem certeza que isso é o que você quer? Não confio nesses ricos. Eles gostam de usar as pessoas.

Rosa apertou a mão da mãe, tentando transmitir segurança.

— Eu vou tentar, mãe. Pode ser uma chance para nós duas. E, olha, o trabalho parece melhor do que ficar limpando a casa da mãe dele. Eu vou trabalhar em um escritório chique agora.

Dona Cida deu um sorriso fraco, mas ainda assim cheio de carinho.

— Se você acha que é o melhor, minha filha... Eu só quero que você seja feliz.

As duas riram juntas, trocando histórias e memórias como sempre faziam. Apesar do peso da situação, a leveza das conversas com sua mãe sempre conseguia acalmar o coração de Rosa, nem que fosse por um instante.

[...]

No dia seguinte, Rosa foi até a casa da senhora Trajano para anunciar que não trabalharia mais ali. Ao chegar, foi recebida com o mesmo desprezo habitual. A velha olhou de cima a baixo para Rosa, com aquele olhar frio que já a machucou tantas vezes.

— O que você está fazendo aqui tão cedo, Rosa? — perguntou a velha com aquele tom que sempre fazia Rosa se sentir inferior.

— Vim falar sobre o trabalho. — Rosa começou, mantendo a compostura. — Eu... arrumei outro emprego. Não vou mais poder trabalhar para a senhora.

— Outro emprego? — A velha arqueou uma sobrancelha, fingindo indiferença. — Bom, que sorte a sua. Arrumar alguém para me ajudar não será problema.

Apesar do tom arrogante, Rosa não se deixou abalar. Estava acostumada. Ela agradeceu a velha e saiu sem olhar para trás. O que ela não mencionou, porém, foi o acordo com Ricardo. Quanto menos pessoas soubessem disso, melhor.

[...]

No seu primeiro dia de trabalho, Rosa acordou cedo, nervosa e ansiosa. Escolheu sua melhor roupa, ainda que fosse velha e batida, se olhou no espelho, tentando convencer a si mesma de que estava pronta para essa nova fase. Pegou o cartão de Ricardo no bolso e olhou o endereço.

— Droga — murmurou. — Não dá para ir andando.

Ela decidiu ir com sua velha bicicleta, o único meio de transporte que tinha. Pedalou pelas ruas com o coração acelerado, até chegar no prédio, gigantesco. Era tão sofisticado, luxuoso, muito diferente de tudo o que ela estava acostumada.

Rosa procurou um lugar para deixar a bicicleta, e, finalmente, achou um poste. Prendeu a bicicleta com uma corrente e murmurou uma oração para que ninguém a roubasse. Com o coração na mão, entrou no prédio, onde foi recebida por um segurança que a orientou a seguir até a recepção.

— Bom dia, sou Rosa... vim para o meu primeiro dia de trabalho com o senhor Ricardo Trajano. — Ela disse, tentando manter a voz firme.

A recepcionista olhou-a de cima a baixo, mas sorriu educadamente.

— Ah, sim, senhorita Rosa. Aqui está seu crachá. O escritório dele é no último andar, 9º andar. Pode pegar o elevador à esquerda.

Rosa agradeceu, pegou o crachá e se dirigiu ao elevador. Quando as portas se abriram no 9º andar, ela se deparou com um escritório enorme, moderno, todo de vidro, com uma vista espetacular da cidade. O coração de Rosa quase parou por um segundo.

Ricardo estava lá, sentado à sua mesa, com um papel nas mãos. Ele nem ao menos olhou para ela quando entrou.

— Tome, assine aqui. — Ele disse, sem cerimônia.

— Bom dia pra você também, Ricardo. — respondeu com sarcasmo.

— Não tenho tempo para cumprimentos. Leia e assine. — Ele respondeu impaciente.

— Calma, eu vou pelo menos ler o que estou assinando — disse Rosa, desafiadora.

Ricardo suspirou, impaciente. — Então leia, mas não demore.

Rosa sentou-se e começou a ler. Era um contrato. À medida que passava pelas cláusulas, seu coração afundava. Não era um simples emprego de ''secretária''.

Estava ali, listado de forma clara: ela teria que estar disponível 24 horas. Havia até uma cláusula que dizia que ela deveria dormir em sua casa quando fosse "necessário". A lista de tarefas era longa e intimidante:

*Acompanhar Ricardo em reuniões, eventos, viagens.

*Limpar a casa e o escritório.

*Marcar compromissos médicos.

*Organizar jantares e eventos profissionais.

*Buscar café e atender suas necessidades.

*Dormir em sua casa quando necessário, para atender a qualquer emergência.

*Acompanhá-lo em situações sociais importantes.

Além disso, havia uma lista de comportamentos proibidos:

*Não fazer perguntas desnecessárias.

*Não ouvir música alta no ambiente.

*Mentiras não seriam aceitas, sob nenhuma circunstância.

*Não acessar um cômodo específico de sua casa.

Rosa ficou em choque. O contrato parecia mais um compromisso de vida do que um simples emprego.

— Isso é muito... — ela murmurou, olhando para Ricardo.

Ele cruzou os braços, a expressão inabalável.

— E então? Vai assinar? — Ricardo perguntou.

Rosa olhou para o papel, o coração apertado. Estava prestes a entrar em algo muito maior do que imaginava.

— E então? Vai assinar ou não?

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