Naquela sexta-feira à noite, passava das onze e Rosa estava inquieta. A casa já estava organizada, sua mãe já havia dormido, mas Rosa não conseguia dormir. O olhar de Ricardo, a presença dele na empresa, e principalmente o fato de ter ouvido a conversa íntima dela com Nat, rondavam sua mente como uma sombra incômoda. Seu coração batia forte cada vez que ela pensava nele, e aquilo a deixava desconfortável.Enquanto olhava para o teto, revirando-se na cama, seu telefone vibrou na mesa de cabeceira. Rosa franziu a testa ao ver o nome de Ricardo brilhando na tela. O que ele poderia querer àquela hora?— Alô? — atendeu, desconfiada.— Rosa, vou te buscar amanhã às 7 da manhã.Rosa se endireitou na cama, surpresa.— Mas... por quê? — perguntou, sem entender o motivo.— Para trabalhar, claro.Rosa olhou para o relógio. Amanhã era sábado.— Ué, mas amanhã é sábado, Ricardo. Eu não trabalho aos sábados — retrucou, tentando controlar sua frustração.— Não me interessa, estou atrasado em um proj
Ricardo riu, um riso baixo e rouco, continuou aproximando-se lentamente de Rosa. Seus olhos brilharam com uma mistura de curiosidade e desafio.— Confiança e respeito... — ele repetiu, quase como se estivesse degustando as palavras. — Então é isso que falta pra você se entregar, Rosa?Ela engoliu em seco, tentando não deixar o nervosismo transparecer. Sentia o coração martelando no peito, mas manteve a voz firme.— Isso é algo que eu não preciso justificar para ninguém. Muito menos para você, senhor Trajano.— Senhor Trajano? — Ricardo inclinou a cabeça, sorrindo de lado. — Agora somos formais de novo? Porque, minutos atrás, sua mãe parecia bem à vontade comigo. Eu até diria que ela confia em mim.A menção da mãe fez o estômago de Rosa se revirar. Ricardo estava tentando invadir todas as áreas da vida dela, e isso a incomodava profundamente. Mas, ao mesmo tempo, havia algo no jeito que ele falava, no tom casual e sedutor, que a desarmava.— Não confunda as coisas — ela respondeu, tent
Naquele sábado, Rosa e Ricardo trabalharam apenas pela manhã. Desde o beijo, Ricardo não disse uma única palavra, deixando um silêncio inquietante pairar entre eles. Quando o trabalho terminou, ele insistiu em levá-la para casa de carro, pois era sábado e já havia buscado em casa. O gesto foi gentil, mas não mandou embora o clima denso que se instalava sobre eles. Quando Rosa chegou em casa, algo parecia errado. Aquele silêncio incomum, opressor, fez Rosa estremecer. Um pressentimento ruim tomou conta dela. — Mãe? — ela chamou, a voz falha, como se o ar estivesse pesado demais para respirar. Sem resposta. Rosa caminhou até a cozinha, onde uma luz estava acesa, mas não encontrou sua mãe. Seu coração começou a bater mais rápido. O frio na barriga aumentava, a inquietação tomando conta. Algo estava terrivelmente errado. — Mãe! — chamou outra vez, agora com mais urgência, mas o silêncio era ensurdecedor. Sem hesitar, correu para o quarto de sua mãe. Lá, a viu encolhida na cama, r
"Que se danem todos!" — ela disse alto, sem se importar com quem pudesse ouvir. — "Eu já estou uma pilha de nervos e ainda tem esse homem querendo bancar o mandão correto." Mal teve tempo de processar o que tinha acabado de dizer, quando uma voz calma chamou sua atenção. — Rosa? — era uma enfermeira, com um olhar compreensivo. — Eu sou a enfermeira Eva, que vai dar banho de leito na sua mãe e, depois, medicá-la conforme a prescrição médica. Tudo bem? Rosa assentiu, tentando forçar um sorriso, mas estava exausta demais para fingir qualquer coisa. — Claro que sim, fique à vontade — respondeu, voltando a sentar na cadeira fria e desconfortável. Enquanto a enfermeira começava os cuidados com sua mãe, Rosa olhou para o telefone, que novamente vibrava. "Ricardo." Ela olhou para o visor por um momento, hesitando. Mil pensamentos passaram por sua mente, ela poderia ignorar, poderia gritar, poderia até bloqueá-lo. Mas, naquele momento, por alguma razão, atendeu. — Oi — disse com um tom de
O caminho até a casa de Rosa foi envolto em um silêncio pesado. Ela estava exausta, tanto física quanto emocionalmente, e quando se sentia assim, preferia ficar em silêncio, mergulhada em seus pensamentos. Ricardo também não fez questão de falar. Parecia entender que, naquele momento, o melhor era deixar que o silêncio falasse por si.Assim que chegaram, Rosa destrancou a porta da sua casa, convidando Ricardo a entrar com um gesto discreto. Ela não esperava que ele aceitasse, mas, para sua surpresa, ele aceitou.— Quer algo? Um café, suco, sei lá? — perguntou Rosa, sua voz ainda triste. Ela não estava exatamente no humor para hospitalidade, mas era o mínimo que podia oferecer.— Não precisa se incomodar comigo — Ricardo respondeu suavemente, sem o tom mandão de sempre. — Agora vá tomar um banho, vista-se de forma confortável, coma alguma coisa e tente descansar um pouco.Rosa balançou a cabeça, frustrada.— Não vou conseguir descansar, Ricardo. Não com tudo isso acontecendo. Minha mãe
Ricardo ficou parado por alguns instantes, seus olhos fixos em Rosa. Ele era um homem difícil, frio e acostumado a controlar todas as situações ao seu redor. Mas, diante de Rosa, ele sentia algo diferente, algo que o desestabilizava, e isso o irritava. Ela era pura, ingênua até, mas também começava a se mostrar determinada e forte de uma maneira que ele não esperava. E, de certa forma, isso o atraía mais do que ele estava disposto a admitir.Rosa, por outro lado, sentia-se dividida. Ricardo era uma presença avassaladora, que mexia com suas emoções de uma maneira. Ele era arrogante, possessivo, mas, ao mesmo tempo, havia algo vulnerável em seu olhar, algo que ela queria entender. E, por mais que soubesse que o melhor seria manter distância, algo dentro dela a impulsionava a desafiá-lo, a ver até onde essa estranha conexão os levaria.— Então, você gosta de desafios, é? — Ricardo murmurou, sua voz baixa, carregada de um misto de provocação e algo mais intenso. Ele deu um passo à frente,
Ricardo levou Rosa até o hospital. Ela estava perdida entre a dor e a confusão. Sentia as mãos frias, o suor escorrendo e o coração batendo descompassado. Era como se estivesse presa em um pesadelo do qual não conseguia acordar. O médico à sua frente falava, mas as palavras chegavam a ela de forma difusa, como se uma barreira invisível amortecesse tudo.– Por favor, seja direto, – ela pediu, com a voz trêmula.O médico deu um leve suspiro, seus olhos carregando a tristeza de quem já havia dado esse tipo de notícia muitas vezes.– Devido ao quadro debilitado da sua mãe, os batimentos cardíacos dela começaram a subir descontroladamente, o que resultou em uma parada cardiorrespiratória. Tentamos de todas as formas a reanimação, mas infelizmente... ela não resistiu.Rosa ouviu as palavras, mas foi como se o impacto só viesse alguns segundos depois. As imagens começaram a passar diante de seus olhos como um filme: sua mãe cuidando dela quando criança, o pai ausente, as noites em claro quan
Rosa acordou com o frio da manhã cortando seu rosto. O sol tímido começava a atravessar as frestas das cortinas, anunciando um novo dia. Ainda de olhos fechados, ela estendeu a mão no vazio da cama ao lado, esperando sentir a presença quente de sua mãe, mas o lençol estava frio. Então, a dura realidade a atingiu como um soco no peito: sua mãe se foi. Não era um pesadelo, não era ilusão. Rosa estava sozinha.Ela se levantou devagar, os olhos secos de tantas lágrimas já derramadas nos dias anteriores, e, por um instante, parecia que o mundo inteiro parara. O cheiro da casa ainda era o mesmo, impregnado de memórias, mas já parecia estranho. Cada canto, cada objeto, cada planta no quintal... tudo era um eco do que sua mãe havia sido.Por três dias inteiros, Rosa se trancou no casulo da dor. O celular, desligado. As portas, fechadas. Ela não queria ouvir a voz de ninguém, não queria consolo, palavras vazias ou piedade. Só queria ficar com suas lembranças, cada uma delas que trazia saudade