Após Ricardo subir as escadas, Rosa respirou fundo, aliviada por ele ter saído. Voltou a trabalhar, focando em terminar logo o serviço e sair dali, mas, antes que pudesse terminar, ouviu uma batida suave na porta. Rosa foi atender. Quando abriu, deu de cara com um homem de terno elegante, segurando um envelope nas mãos.
— Boa tarde, senhorita Rosa? — ele perguntou, com um sorriso formal. — Sim, sou eu. O que deseja? — Rosa respondeu, confusa. — Tenho aqui uma correspondência urgente para você — disse ele, entregando-lhe o envelope. Rosa franziu a testa, sem entender do que se tratava. Ela abriu o envelope com cuidado e, ao ler o conteúdo, sentiu o coração disparar. Era uma convocação judicial. — O que... o que é isso? — perguntou, sentindo as mãos tremerem. — É melhor você ler com calma — respondeu o homem, já se afastando. — Apenas cumpro meu dever. Rosa ficou parada ali, com o envelope nas mãos, sem saber o que pensar. Justo quando ela começava a se sentir mais leve, uma nova tempestade parecia se aproximar. Ricardo apareceu na sala e, ao ver a expressão no rosto de Rosa, ficou curioso. — Quem era? — ele perguntou, ainda tentando entender. — Ninguém! — respondeu Rosa. Sem que desse tempo de nada, Ricardo pegou o papel das mãos de Rosa, analisando rapidamente o conteúdo com seus olhos afiados. Ele franziu a testa enquanto lia, sua expressão de desprezo habitual sendo substituída por algo mais sério. — Isso é uma intimação judicial... — disse ele, olhando para Rosa. — Você está sendo processada por inadimplência. Parece que uma dívida foi encaminhada para cobrança judicial. Rosa sentiu o chão sumir sob seus pés. Aquela era a pior notícia que poderia receber no momento. Com sua mãe doente, as contas já haviam se acumulado, e ela sabia que estava atrasada em alguns pagamentos, mas não imaginava que a situação tivesse chegado a esse ponto. — Eu... eu não sabia que já estava nesse estágio — disse ela, sua voz trêmula. — Tentei pagar o que pude, mas... com minha... esquece! — Ela olhou para o chão, a vergonha e o desespero. Aquela casa, o emprego, e até a humilhação diária que enfrentava trabalhando para os Trajanos, tudo parecia insignificante diante da ameaça de perder o pouco que tinha. — Por que você não disse nada antes? — perguntou Ricardo, cruzando os braços e olhando para ela com um misto de curiosidade e irritação. — Se está tão apertada assim, por que continua fingindo que está tudo bem? Rosa levantou a cabeça e o encarou. A pergunta dele, apesar de feita com arrogância, tocou em uma ferida profunda. Ela sempre fingiu estar bem, para não preocupar sua mãe, para não dar ainda mais motivos aos outros para humilhá-la. Seu orgulho a impedia de expor suas fraquezas, especialmente na frente de alguém como Ricardo. — Porque... porque é minha vida. E eu mal te conheço... e... eu luto com o que tenho. Não espero que ninguém entenda, muito menos você. — A última parte saiu mais ríspida do que Rosa pretendia, mas ela não conseguia mais conter o turbilhão de emoções dentro de si. Ricardo observou, em silêncio por um momento, estudando sua expressão, suas palavras. Era como se ele estivesse vendo algo além da simples empregada que esfregava os pisos da casa de sua mãe. Talvez fosse a determinação nos olhos dela, ou o fato de que, apesar de tudo, Rosa ainda se mantinha de pé, sem implorar por ajuda. — Eu entendo mais do que você imagina — respondeu ele, com uma voz mais suave do que o habitual, surpreendendo Rosa. — E isso aqui... — ele levantou o papel — é só o começo de problemas muito maiores, se você não agir logo. Rosa o encarou, surpresa pela mudança de tom. Ricardo não mostrou qualquer sinal de empatia ou compreensão, quando se conheceram à dois dias atrás. Pelo contrário, foi um muro de arrogância e superioridade, como se ele estivesse muito acima de qualquer coisa ou pessoa ao redor. — Então... o que você sugere que eu faça? — perguntou ela, um misto de desespero e cansaço em sua voz. Ricardo ficou em silêncio por alguns instantes, como se estivesse pensando na melhor resposta. Seus olhos fixaram-se nos dela, e, por um breve momento, Rosa viu algo diferente ali. Ele finalmente suspirou, como se tivesse tomado uma decisão difícil. — Vamos fazer um acordo — disse ele, com a mesma frieza prática de sempre. — Eu posso te ajudar a resolver isso. Posso pagar sua dívida e evitar que você perca tudo. Mas, em troca, você vai trabalhar para mim... exclusivamente para mim. — Trabalhar para você? O que exatamente isso significa? — perguntou ela, desconfiada. Ricardo deu um pequeno sorriso, como se tivesse esperado por essa pergunta. — Significa que você vai me servir diretamente. Não apenas como uma empregada da casa. Eu preciso de alguém de confiança para cuidar de outros assuntos. Negócios, viagens, lidar com certas pessoas... Será um trabalho bem mais exigente, mas também será bem mais recompensador. Rosa ficou atordoada com a oferta. Ela não sabia se aquilo era um presente ou uma condenação. Mas, ao mesmo tempo, a idéia de perder a casa, de deixar sua mãe doente sem um teto sobre a cabeça, parecia muito mais assustador. — E se eu disser não? — perguntou ela, desafiando-o, ainda que soubesse que suas opções eram limitadas. — Se você disser não, Rosa, a situação vai se complicar. A dívida será cobrada do jeito tradicional, e você sabe como isso vai acabar. Não estou te ameaçando... estou te mostrando a realidade. Mas se você disser sim... eu pago tudo. A casa continua sua, e você não precisa se preocupar com nada. — Ele fez uma pausa, suavizando o tom. — Não estou te pedindo nada que você não possa fazer. Só quero que você trabalhe para mim, que seja minha funcionária de confiança. — E o que exatamente você quer que eu faça? — Ela levantou o queixo. — Principalmente cuidar de alguns negócios pessoais. — Ele desviou os olhos por um momento — Organizar compromissos, lidar com algumas viagens e manter as coisas funcionando enquanto eu... cuido de outros assuntos. Preciso de alguém que não me faça perguntas desnecessárias, que seja discreta e que eu possa confiar. Minha mãe disse que é formada em administração. As palavras “não me faça perguntas” e “discreta” deixaram Rosa ainda mais apreensiva. O que ele estava escondendo? O que de tão delicado ele precisava proteger? A última coisa que ela queria era se envolver em algo sujo ou ilegal. — E se eu descobrir que está fazendo algo... errado? — Ela o desafiou novamente, seus olhos faiscando com uma mistura de raiva e medo. Ricardo deu um passo mais perto, invadindo o espaço dela. Ele estava tão próximo que Rosa podia sentir o calor de seu corpo, e por um momento, a tensão entre os dois mudou de algo puramente hostil para algo... diferente. — Não se preocupe, Rosa — disse ele, a voz baixa, quase um sussurro. — Eu nunca colocaria você em perigo. Tudo o que peço é sua confiança... e você terá a minha proteção. Ela desviou o olhar, quebrando o contato visual, e respirou fundo. — Vou pensar. — Suas palavras saíram baixas, mas firmes. — Eu gosto de sua franqueza, Rosa. — Ele disse, inclinando-se para frente. — Vamos ser diretos, então. Você precisa de ajuda. Eu, por outro lado, preciso de alguém de confiança para cuidar de algumas... responsabilidades. Não é apenas sobre limpar uma casa. Eu quero alguém leal, alguém que possa cumprir minhas exigências sem questionar. Ele colocou o papel de volta nas mãos dela e começou a caminhar em direção à porta. — Ah, e Rosa... — disse ele, antes de sair. — Se você aceitar, precisa entender que eu não tolero falhas. Com essas palavras, ele saiu da sala, deixando Rosa sozinha com a intimação nas mãos e um peso ainda maior no coração. Ela olhou para o papel mais uma vez, sentindo a urgência da situação. Precisava tomar uma decisão. E rápido. Se aceitasse, estaria entrando em um acordo com um homem que, até aquele momento, só a havia tratado com desdém. Mas a alternativa... era o caos total. Rosa sabia que, de qualquer maneira, sua vida mudaria drasticamente. Ela apenas não sabia se seria para melhor ou pior. Ela voltou para a trabalhar, deixando o envelope sobre a mesa da sala. Era difícil imaginar o que viria a seguir, mas Rosa sabia que, independentemente da escolha, nada mais seria como antes. Aquele era o início de uma nova fase. E, de algum modo, o destino parecia decidido a colocar Ricardo Trajano em seu caminho.[...]Rosa chegou em casa e suspirou profundamente, sentindo o peso da decisão crescer em seu peito. A oferta era tentadora em um sentido prático, mas o que isso significaria para sua liberdade, sua dignidade, sua mãe? A dívida era enorme, e a ameaça de perder a casa pairava como uma sombra sobre ela.Rosa precisava falar com sua mãe. Caminhou até o quarto da mãe, quando abriu a porta, encontrou Dona Cida deitada, a respiração fraca, mas serena. — Mãe? — chamou suavemente, se aproximando da cama.— Rosa, minha filha... — disse ela, com a voz suave, mas cheia de carinho. — Está tudo bem?Rosa mordeu o lábio, hesitante em contar à mãe o que estava acontecendo.— Nada não... mãezinha, só queria ver como a senhora estava, e dar boa noite. — Rosa não teve coragem de preocupar a mãe, nesse momento parecia que ela já tinha a resposta.— Oh, minha filha, estou bem. — Dona Cida piscou lentamente, absorvendo as palavras da filha. Ela segurou a mão de Rosa e a apertou com a pouca força que rest
Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto. — Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos. — Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou. — Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem. Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela. — Mãe, eu arrumei um emprego novo. — Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano? — Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo. — O filho dela? — Ele me ofereceu um emprego como secretária. — Rosa
Ela estava sendo contratada como uma espécie de acompanhante permanente de Ricardo, uma assistente que parecia mais com uma sombra do que com uma secretária comum. — Você parece estar hesitante, Rosa. — Ele disse, com uma ponta de sarcasmo na voz, inclinando-se um pouco para frente na cadeira de couro. — Se não for capaz de lidar com esse trabalho, há outras pessoas que ficariam mais do que felizes em aceitar. Se Rosa assinasse o contrato, estaria essencialmente vendendo sua liberdade. Seria um fantoche nas mãos de Ricardo, disponível para ele a qualquer momento. Mas se não assinasse... como conseguiria pagar as contas? A vida de sua mãe dependia dos remédios caros, e a pequena renda que Rosa conseguia como diarista não era suficiente para cobrir todas as despesas. — Isso não é um trabalho comum, Ricardo. — Rosa disse, tentando manter a voz firme, mas sabendo que estava tremendo por dentro. — Você está basicamente me pedindo para estar à sua disposição o tempo todo. Isso não é ser
— O que você quer, Rebeca? Estou ocupado.Rebeca. O nome ressoou na mente de Rosa. Era óbvio que ela não estava ali apenas como uma visitante comum. Havia algo na maneira como Rebeca se comportava, o ar de familiaridade, a intimidade forçada, que indicava uma história com Ricardo, algo que ele claramente não estava disposto a discutir.Rebeca entrou no escritório como se fosse dona do lugar, sua postura confiante e os saltos estalando no chão de mármore. Ela ignorou a pergunta de Ricardo por um instante e se virou para Rosa, o sorriso presunçoso ainda colado em seu rosto.— Oh, eu só estava passando para ver como você está. — Rebeca se aproximou com passos lentos e calculados. Ela parou ao lado da mesa de Ricardo, os olhos agora focados em Rosa. — E para conhecer sua nova "aquisição". Parece tão... jovem e inexperiente. Ela tem alguma chance de durar aqui, Ricardo? — O tom de voz dela era venenoso, cheio de desdém.A situação já era desconfortável o suficiente, e a última coisa que Ro
Faltavam apenas quinze minutos para o fim do expediente, e ela mal podia esperar para sair daquele escritório sufocante. Arrumou seus pertences, organizou os papéis em ordem e apagou as luzes. Ela fechou a porta com cuidado e caminhou em direção ao elevador. Quando as portas se abriram, seu coração deu um salto ao encontrar Ricardo ali, envolvido em uma conversa no telefone. Ele estava com o semblante sério, como de costume, discutindo algo sobre um encontro após o expediente. A presença dele tornava o ar mais pesado, e Rosa, sem jeito, evitou ao máximo olhar diretamente para ele.“Sim, eu estarei lá. Não se preocupe. Vou chegar a tempo,” - Ricardo disse ao telefone, sem sequer notar Rosa à primeira vista. Ele parecia alheio ao desconforto dela, focado em seus planos. As portas do elevador se fecharam, e o silêncio entre os dois foi constrangedor.— Você veio de bicicleta? — ele perguntou, com um tom de deboche ao ver Rosa indo em direção à sua bicicleta trancada com um cadeado no pos
A noite do jantar finalmente chegou, e o nervosismo de Rosa crescia conforme o carro se aproximava da mansão. Sabia que estaria cercada por pessoas importantes, e mesmo que estivesse vestida como uma dama, sentia-se fora do lugar. O táxi, pago pela empresa, quando parou em frente à propriedade, ela não pôde deixar de ficar deslumbrada. A mansão era imensa, com detalhes arquitetônicos luxuosos e um jardim magnificamente iluminado, repleto de flores que sua mãe adoraria ver."Que lugar..." — ela pensou, admirando a grandiosidade do cenário à sua volta. Cada passo que dava pelo caminho de pedras a levava para mais perto daquele mundo que não era o seu.De repente, seu telefone tocou, quebrando a calma daquele momento. Era Ricardo.— Boa noite, senhor Trajano. — Ela atendeu.— Já cheguei. Onde você está? — Ele ignorou o cumprimento de Rosa, soando impaciente.— Estou no jardim. Onde o senhor está? Vou até você. — Ela respondeu.— Também estou no jardim. Por que não a vejo? — Ele estava vi
Ricardo afrouxou a gravata enquanto olhava para o celular, mas sua mente estava longe. Sentado no banco de trás do carro, ele encarava a tela sem realmente ver o que estava nela. Algo o incomodava profundamente, mas ele não queria admitir, nem para si mesmo. A imagem de Rosa, tão impecável e deslumbrante ao lado de Francesco, não saía da sua cabeça. Aquela visão o afetou de uma maneira que ele não entendia completamente. "Ela está diferente", — pensava, mas não era só a aparência que o perturbava, era a confiança, o olhar dela, a forma como conseguia abalar o controle que ele tanto prezava. Rebeca, sentada ao seu lado, observou o desconforto evidente e, com um sorriso provocador, inclinou-se para mais perto. — Alguma coisa errada, Ricardo? — perguntou ela, com a voz suave, mas carregada de segundas intenções. Seus dedos tocaram o braço dele com leveza. — Ou podemos ir direto para o seu quarto? — sugeriu, deixando sua proposta no ar. Ricardo se mexeu no banco, visivelmente incomodad
Rosa acordou de repente com o som insistente de seu telefone. Seus olhos ainda pesados de sono demoraram a focar. O número desconhecido piscava na tela, e, ainda atordoada, ela se lembrou da noite anterior. O jantar elegante com o chefe, a tensão, e o conforto ao voltar para casa e se deitar com sua mãe. Ela estava tão exausta que nem pensou em colocar o despertador para tocar.— Droga! — resmungou, frustrada consigo mesma. Ela sabia que tinha compromissos naquela manhã, mas a noite anterior parecia ter sugado toda sua energia.O telefone continuava tocando incessantemente, sem dar trégua. Com o coração acelerado, ela atendeu, ainda sem saber de quem se tratava.— Alô?— Está atrasada — disse uma voz grave e firme do outro lado da linha, cortando qualquer saudação. Rosa gelou ao reconhecer o dono daquela voz. Era Ricardo Trajano.— Senhor Trajano? — perguntou, confusa, enquanto sua mente tentava processar o que estava acontecendo. Como ele sabia o número de seu telefone pessoal?— Fal