Rosa saiu da casa dos Trajanos sentindo o peso do dinheiro suado no bolso. Agora, já final de tarde, Rosa subiu na bicicleta, e começou a pedalar, ainda garoava, ela se sentia exausta.
Enquanto pedalava ladeira abaixo, algo chamou sua atenção. De longe, os faróis de um caminhão brilhavam intensamente, ofuscando sua visão. Assustada, ela perdeu o controle e escorregou numa poça de lama, caindo bruscamente no chão. A bicicleta foi arremessada para o lado, e Rosa sentiu uma forte dor no joelho.
— Droga! — foi a única coisa que conseguiu murmurar antes de sentir o impacto. Enquanto tentava se recompor, um carro luxuoso parou ao seu lado. O motorista buzinava incessantemente, claramente impaciente. O motorista, irritado, começou a fazer gestos com as mãos, claramente frustrado por não conseguir passar por causa da bicicleta, e de Rosa caída no asfalto. — Você foi atropelada ou está só deitada aí de graça, atrapalhando o tráfego? — Eu... O homem, revirando os olhos, pegou o celular e ligou para a emergência. — Alô? Sim, tem uma pessoa caída na rua, machucada. Precisa de ajuda. O endereço é… — ele passou o endereço com um tom de voz que misturava irritação e tédio. — Sim, um ser humano, aparentemente. — E então desligou, virando-se para Rosa com um olhar de superioridade. — Você deveria me agradecer, sabe? Não é todo dia que alguém como eu para para ajudar alguém como… você. Rosa mal conseguia acreditar na arrogância desse cara, mas estava cansada demais para responder. Ele fechou o vidro do carro e acelerou, saindo de vista antes mesmo que a ambulância chegasse. Minutos depois, a equipe de emergência apareceu. Os paramédicos a levantaram cuidadosamente e a colocaram na ambulância. — Espera! — Rosa exclamou, segurando o braço de um paramédico. — E a minha bicicleta? — Sua bicicleta? — ele repetiu, confuso. — Não podemos levar bicicletas, moça… — Por favor! — implorou Rosa. — É meu único meio de transporte! Não posso deixá-la aqui. Depois de algumas tentativas, conseguiram encaixar a velha bicicleta dentro da ambulância, mesmo que de forma precária, e seguiram rumo ao hospital. Já na sala de emergência, Rosa foi examinada e acabou levando alguns pontos no joelho, um curativo na cabeça, além de acabar perdendo uma unha do pé que se soltou na queda, e o médico a informou que precisaria de alguns dias de repouso. — Repouso? — murmurou ela. — Visch! Enquanto estava deitada, pensava em como voltaria para casa. Não havia táxis que ela pudesse pagar, e a ideia de pedalar com um joelho costurado e a cabeça latejando era um pesadelo. [...] Ricardo Trajano, um magnata acostumado a mandar e desmandar, não era um homem que perdia seu tempo com irrelevancias, muito menos se preocupava com pessoas que cruzavam seu caminho. Desde a infância, aprendeu que no mundo dos negócios, e na vida, tudo era sobre poder, status e controle. E ele tinha isso de sobra. Quando deixou Rosa caída na rua, machucada, sem ao menos uma gota de empatia, seu dia seguiu normalmente, ou pelo menos era o que ele pensava. Ao chegar de viagem no seu apartamento de luxo, ele se deparou com uma mensagem na secretária eletrônica: sua assistente pessoal havia marcado uma consulta médica de rotina no hospital para fazer exames de saúde obrigatórios para sua renovação de seguro de vida. Ele suspirou, irritado. “Consultas de rotina... Perda de tempo,” - pensou, mas sabia que era algo necessário, principalmente para garantir que suas apólices de seguro fossem atualizadas. De qualquer forma, preferia lidar com isso rápido e sem complicações. O que ele não sabia é que aquele hospital específico, onde faria seus exames, era o mesmo onde Rosa teria sido levada. Ele saiu de casa com sua típica arrogância, sem sequer ligar para a coincidência de estar indo ao mesmo hospital onde tinha "enviado" Rosa algumas horas antes. Para ele, era apenas mais um compromisso chato, que precisava riscar da lista. Chegando no hospital, seu humor já estava pior. Ele odiava lugares cheios de pessoas doentes, aquelas filas intermináveis e, claro, ter que lidar com o pessoal da recepção, que nunca era eficiente o suficiente para o seu gosto. — Trajano. Ricardo Trajano. Tenho uma consulta marcada — anunciou, sem nem ao menos olhar para a recepcionista, que conferia o nome em seu sistema. A mulher, acostumada a lidar com personalidades arrogantes, manteve o sorriso profissional enquanto o orientava a aguardar na sala de espera. — O médico está um pouco atrasado, senhor Trajano. Peço que tenha um pouco de paciência, por favor. — Paciência é para quem não tem coisas mais importantes para fazer — resmungou ele, sentando-se com impaciência. Ricardo pegou o celular, começando a revisar alguns e-mails de trabalho enquanto esperava. Não passava pela sua cabeça que algo minimamente interessante pudesse acontecer naquele hospital. Contudo, o universo parecia disposto a brincar com o magnata arrogante. Poucos minutos depois, enquanto ele estava concentrado na tela de seu celular, um movimento na sala de espera captou sua atenção. Uma enfermeira empurrava uma cadeira de rodas e, para sua surpresa, quem estava sentada nela era ninguém menos que: Rosa. "Não é possível..." - pensou Rosa, percebendo que estava diante do mesmo homem que havia sido tão insensível com ela horas antes. Ricardo, no entanto, não conseguiu segurar uma risada curta e irônica. Ele se levantou, como se o destino estivesse brincando com ele, e se aproximou. — Vejo que sobreviveu. — ele disse, cruzando os braços e olhando para ela de cima, como se ela fosse um detalhe insignificante em sua vida. — Você de novo? Rosa mal acreditava que ele tinha a audácia de aparecer ali. — Sim, eu de novo. Coincidência, não acha? — ela respondeu com um tom de sarcasmo, sem paciência para o seu comportamento. Ricardo soltou um suspiro de tédio, ignorando o sarcasmo. — Bom, parece que você ainda está inteira, então o que está fazendo aqui? — ele perguntou, fingindo interesse, mas claramente impaciente. — Como se você se importasse... — retrucou Rosa, olhando para a enfermeira que a empurrava em direção à saída. — Precisei de pontos no joelho, esse curativo na cabeça, e perder a unha de um dedo, sem contar na raiva que passei por causa da sua gentileza com o trânsito. Ele deu de ombros, despreocupado. — Culpe a chuva, não a mim. Eu te chamei uma ambulância, o que já é mais do que muitas pessoas teriam feito. Você devia me agradecer. — Ele abriu um sorriso cínico. Rosa se segurou para não perder a calma. Ela estava no limite da exaustão e da dor, mas não ia deixar aquele homem a diminuir ainda mais. — Obrigada! — respondeu ela, com um tom carregado de ironia. — A sua empatia realmente me impressionou. Ele riu, sacudindo a cabeça, sem se importar com a alfinetada. — Ah, mas não precisa ser dramática. Foi só um pequeno contratempo. E veja só, agora estamos no mesmo lugar por pura coincidência. — Ricardo ergueu as mãos, como se aquilo fosse um espetáculo cômico. — Coincidência ou castigo? — murmurou Rosa, suspirando, e tentando formular um plano para ir para casa. Talvez pudesse ligar para uma amiga ou… — A bicicleta! — lembrou-se de repente. Ela ainda tinha sua velha bicicleta. Claro, não seria o meio de transporte mais confortável com o joelho costurado e a cabeça enfaixada, mas era tudo o que tinha. Minutos depois, quando os enfermeiros trouxeram sua bicicleta, ela riu baixinho. “É isso”, - pensou. “Se vou pedalar até embaixo de uma tempestade, que seja com estilo.” — Não pensei que fosse dar tanta importância a uma bicicleta velha. — Ricardo disse, observando Rosa tentando ajeitar a bicicleta. — É a única coisa que eu tenho que me leve aos lugares — respondeu ela, sem emoção. Ricardo soltou uma risada curta, como se achasse aquilo patético. — Bom, pelo menos tem uma coisa de valor, né? — Ele sorriu com deboche, cruzando os braços. Rosa apenas balançou a cabeça, sem dizer uma palavra. A situação era tão ridícula que ela não sabia se ria ou chorava. Antes que Rosa pudesse perguntar o que ele estava fazendo ali, além de perturbá-la, o médico o chamou, — Senhor Ricardo? O senhor está aqui para sua consulta de rotina? — o médico perguntou, olhando para sua prancheta. Ricardo suspirou, irritado. Ele tinha esquecido completamente que sua assistente havia marcado uma consulta no mesmo hospital naquele dia. Era uma coincidência inconveniente, mas necessária para a renovação de seu seguro de vida. Ele revirou os olhos, como se aquilo fosse apenas mais um fardo a carregar. — Bem, já fiz minha parte por hoje — disse Ricardo, virando-se para sair. — Boa sorte com isso. Rosa montou na bicicleta, ignorando a dor que latejava por todo o corpo, e começou a pedalar. A chuva ainda caía, fraca, mas caía, e as ruas estavam desertas. As gotas batiam em seu rosto, misturando-se com as lágrimas que escorriam sem que ela percebesse. Enquanto pedalava, sabia que, apesar de tudo, ainda havia algo que ninguém poderia tirar dela: sua determinação. Mesmo no pior dos dias, ela encontraria um jeito de seguir em frente. E quem sabe, um dia, as coisas mudariam para melhor. Com um último sorriso, pedalou com todas as suas forças rumo a sua simples casa, escura, deixando para trás mais um dia difícil.Rosa finalmente avistou sua casinha. Era uma casa simples, feita de madeira, como aquelas de interior, mas na cidade. O quintal era grande, com canteiros onde sua mãe plantava algumas hortaliças e flores, e uma pequena horta nos fundos. Rosa desceu da bicicleta com cuidado, tentando não agravar os ferimentos, e empurrou a velha porta de madeira que rangeu ao abrir. O cheiro da comidinha que sua mãe havia feito, tomou conta de suas narinas. Sua mãe, mesmo doente, sempre fazia questão de deixar algo preparado. Dentro da casa, tudo era muito simples. O piso era de tábuas gastas, as cortinas eram feitas à mão por sua mãe, e o pouco que tinham de móveis era antigo. Na cozinha, tinha um fogão à lenha e uma mesa de madeira, já arrumada para o jantar. Ao lado, uma poltrona onde sua mãe costumava sentar, com uma colcha de retalhos por cima. Ao entrar, Rosa ouviu o som da voz fraca de sua mãe, chamando com preocupação: — Filha, é você? Ela seguiu o som até o quarto, onde a mãe estava deita
Após Ricardo subir as escadas, Rosa respirou fundo, aliviada por ele ter saído. Voltou a trabalhar, focando em terminar logo o serviço e sair dali, mas, antes que pudesse terminar, ouviu uma batida suave na porta. Rosa foi atender. Quando abriu, deu de cara com um homem de terno elegante, segurando um envelope nas mãos.— Boa tarde, senhorita Rosa? — ele perguntou, com um sorriso formal.— Sim, sou eu. O que deseja? — Rosa respondeu, confusa.— Tenho aqui uma correspondência urgente para você — disse ele, entregando-lhe o envelope.Rosa franziu a testa, sem entender do que se tratava. Ela abriu o envelope com cuidado e, ao ler o conteúdo, sentiu o coração disparar. Era uma convocação judicial.— O que... o que é isso? — perguntou, sentindo as mãos tremerem.— É melhor você ler com calma — respondeu o homem, já se afastando. — Apenas cumpro meu dever.Rosa ficou parada ali, com o envelope nas mãos, sem saber o que pensar. Justo quando ela começava a se sentir mais leve, uma nova tempes
[...]Rosa chegou em casa e suspirou profundamente, sentindo o peso da decisão crescer em seu peito. A oferta era tentadora em um sentido prático, mas o que isso significaria para sua liberdade, sua dignidade, sua mãe? A dívida era enorme, e a ameaça de perder a casa pairava como uma sombra sobre ela.Rosa precisava falar com sua mãe. Caminhou até o quarto da mãe, quando abriu a porta, encontrou Dona Cida deitada, a respiração fraca, mas serena. — Mãe? — chamou suavemente, se aproximando da cama.— Rosa, minha filha... — disse ela, com a voz suave, mas cheia de carinho. — Está tudo bem?Rosa mordeu o lábio, hesitante em contar à mãe o que estava acontecendo.— Nada não... mãezinha, só queria ver como a senhora estava, e dar boa noite. — Rosa não teve coragem de preocupar a mãe, nesse momento parecia que ela já tinha a resposta.— Oh, minha filha, estou bem. — Dona Cida piscou lentamente, absorvendo as palavras da filha. Ela segurou a mão de Rosa e a apertou com a pouca força que rest
Rosa voltou para casa com os remédios nas mãos e um peso no coração. Ao entrar, encontrou sua mãe deitada na cama, com os olhos fechados, mas um sorriso suave no rosto.— Mãezinha, eu trouxe seus remédios — disse Rosa, tentando esconder o tumulto de sentimentos que se passava dentro dela. Ela colocou as sacolas sobre a mesa e começou a organizar os comprimidos.— Ah, minha menina... você está sempre correndo de um lado para o outro por mim. — Ela estendeu a mão, e Rosa a segurou.— Eu não me importo, mãe. Quero te ver bem.Rosa ficou em silêncio por alguns instantes, hesitando. Sabia que não poderia esconder mais. Respirou fundo e decidiu contar a verdade, pelo menos parte dela.— Mãe, eu arrumei um emprego novo.Dona Cida arqueou uma sobrancelha, surpresa.— Um emprego? Que bom, filha! E você não vai mais trabalhar para a senhora Trajano?— Não... — Rosa sorriu, tentando suavizar o impacto. — Na verdade, eu vou trabalhar para o filho dela, o Ricardo.Dona Cida franziu o cenho, claram
Ela estava sendo contratada como uma espécie de acompanhante permanente de Ricardo, uma assistente que parecia mais com uma sombra do que com uma secretária comum. — Você parece estar hesitante, Rosa. — Ele disse, com uma ponta de sarcasmo na voz, inclinando-se um pouco para frente na cadeira de couro. — Se não for capaz de lidar com esse trabalho, há outras pessoas que ficariam mais do que felizes em aceitar. Se Rosa assinasse o contrato, estaria essencialmente vendendo sua liberdade. Seria um fantoche nas mãos de Ricardo, disponível para ele a qualquer momento. Mas se não assinasse... como conseguiria pagar as contas? A vida de sua mãe dependia dos remédios caros, e a pequena renda que Rosa conseguia como diarista não era suficiente para cobrir todas as despesas. — Isso não é um trabalho comum, Ricardo. — Rosa disse, tentando manter a voz firme, mas sabendo que estava tremendo por dentro. — Você está basicamente me pedindo para estar à sua disposição o tempo todo. Isso não é ser
— O que você quer, Rebeca? Estou ocupado.Rebeca. O nome ressoou na mente de Rosa. Era óbvio que ela não estava ali apenas como uma visitante comum. Havia algo na maneira como Rebeca se comportava, o ar de familiaridade, a intimidade forçada, que indicava uma história com Ricardo, algo que ele claramente não estava disposto a discutir.Rebeca entrou no escritório como se fosse dona do lugar, sua postura confiante e os saltos estalando no chão de mármore. Ela ignorou a pergunta de Ricardo por um instante e se virou para Rosa, o sorriso presunçoso ainda colado em seu rosto.— Oh, eu só estava passando para ver como você está. — Rebeca se aproximou com passos lentos e calculados. Ela parou ao lado da mesa de Ricardo, os olhos agora focados em Rosa. — E para conhecer sua nova "aquisição". Parece tão... jovem e inexperiente. Ela tem alguma chance de durar aqui, Ricardo? — O tom de voz dela era venenoso, cheio de desdém.A situação já era desconfortável o suficiente, e a última coisa que Ro
Faltavam apenas quinze minutos para o fim do expediente, e ela mal podia esperar para sair daquele escritório sufocante. Arrumou seus pertences, organizou os papéis em ordem e apagou as luzes. Ela fechou a porta com cuidado e caminhou em direção ao elevador. Quando as portas se abriram, seu coração deu um salto ao encontrar Ricardo ali, envolvido em uma conversa no telefone. Ele estava com o semblante sério, como de costume, discutindo algo sobre um encontro após o expediente. A presença dele tornava o ar mais pesado, e Rosa, sem jeito, evitou ao máximo olhar diretamente para ele.“Sim, eu estarei lá. Não se preocupe. Vou chegar a tempo,” - Ricardo disse ao telefone, sem sequer notar Rosa à primeira vista. Ele parecia alheio ao desconforto dela, focado em seus planos. As portas do elevador se fecharam, e o silêncio entre os dois foi constrangedor.— Você veio de bicicleta? — ele perguntou, com um tom de deboche ao ver Rosa indo em direção à sua bicicleta trancada com um cadeado no pos
A noite do jantar finalmente chegou, e o nervosismo de Rosa crescia conforme o carro se aproximava da mansão. Sabia que estaria cercada por pessoas importantes, e mesmo que estivesse vestida como uma dama, sentia-se fora do lugar. O táxi, pago pela empresa, quando parou em frente à propriedade, ela não pôde deixar de ficar deslumbrada. A mansão era imensa, com detalhes arquitetônicos luxuosos e um jardim magnificamente iluminado, repleto de flores que sua mãe adoraria ver."Que lugar..." — ela pensou, admirando a grandiosidade do cenário à sua volta. Cada passo que dava pelo caminho de pedras a levava para mais perto daquele mundo que não era o seu.De repente, seu telefone tocou, quebrando a calma daquele momento. Era Ricardo.— Boa noite, senhor Trajano. — Ela atendeu.— Já cheguei. Onde você está? — Ele ignorou o cumprimento de Rosa, soando impaciente.— Estou no jardim. Onde o senhor está? Vou até você. — Ela respondeu.— Também estou no jardim. Por que não a vejo? — Ele estava vi