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Capítulo 2 - No Asfalto, No Limite

Rosa saiu da casa dos Trajanos sentindo o peso do dinheiro suado no bolso. Agora, já final de tarde, Rosa subiu na bicicleta, e começou a pedalar, ainda garoava, ela se sentia exausta.

Enquanto pedalava ladeira abaixo, algo chamou sua atenção. De longe, os faróis de um caminhão brilhavam intensamente, ofuscando sua visão. Assustada, ela perdeu o controle e escorregou numa poça de lama, caindo bruscamente no chão. A bicicleta foi arremessada para o lado, e Rosa sentiu uma forte dor no joelho.

— Droga! — foi a única coisa que conseguiu murmurar antes de sentir o impacto.

Enquanto tentava se recompor, um carro luxuoso parou ao seu lado. O motorista buzinava incessantemente, claramente impaciente. O motorista, irritado, começou a fazer gestos com as mãos, claramente frustrado por não conseguir passar por causa da bicicleta, e de Rosa caída no asfalto.

— Você foi atropelada ou está só deitada aí de graça, atrapalhando o tráfego? 

— Eu... 

O homem, revirando os olhos, pegou o celular e ligou para a emergência.

— Alô? Sim, tem uma pessoa caída na rua, machucada. Precisa de ajuda. O endereço é… — ele passou o endereço com um tom de voz que misturava irritação e tédio. — Sim, um ser humano, aparentemente. — E então desligou, virando-se para Rosa com um olhar de superioridade. — Você deveria me agradecer, sabe? Não é todo dia que alguém como eu para para ajudar alguém como… você.

Rosa mal conseguia acreditar na arrogância desse cara, mas estava cansada demais para responder. Ele fechou o vidro do carro e acelerou, saindo de vista antes mesmo que a ambulância chegasse.

Minutos depois, a equipe de emergência apareceu. Os paramédicos a levantaram cuidadosamente e a colocaram na ambulância.

— Espera! — Rosa exclamou, segurando o braço de um paramédico. — E a minha bicicleta?

— Sua bicicleta? — ele repetiu, confuso. — Não podemos levar bicicletas, moça…

— Por favor! — implorou Rosa. — É meu único meio de transporte! Não posso deixá-la aqui.

Depois de algumas tentativas, conseguiram encaixar a velha bicicleta dentro da ambulância, mesmo que de forma precária, e seguiram rumo ao hospital.

Já na sala de emergência, Rosa foi examinada e acabou levando alguns pontos no joelho, um curativo na cabeça, além de acabar perdendo uma unha do pé que se soltou na queda, e o médico a informou que precisaria de alguns dias de repouso.

— Repouso? — murmurou ela. — Visch!

Enquanto estava deitada, pensava em como voltaria para casa. Não havia táxis que ela pudesse pagar, e a ideia de pedalar com um joelho costurado e a cabeça latejando era um pesadelo.

[...]

Ricardo Trajano, um magnata acostumado a mandar e desmandar, não era um homem que perdia seu tempo com irrelevancias, muito menos se preocupava com pessoas que cruzavam seu caminho. Desde a infância, aprendeu que no mundo dos negócios, e na vida, tudo era sobre poder, status e controle. E ele tinha isso de sobra. Quando deixou Rosa caída na rua, machucada, sem ao menos uma gota de empatia, seu dia seguiu normalmente, ou pelo menos era o que ele pensava.

Ao chegar de viagem no seu apartamento de luxo, ele se deparou com uma mensagem na secretária eletrônica: sua assistente pessoal havia marcado uma consulta médica de rotina no hospital para fazer exames de saúde obrigatórios para sua renovação de seguro de vida. Ele suspirou, irritado.

“Consultas de rotina... Perda de tempo,” - pensou, mas sabia que era algo necessário, principalmente para garantir que suas apólices de seguro fossem atualizadas.

De qualquer forma, preferia lidar com isso rápido e sem complicações. O que ele não sabia é que aquele hospital específico, onde faria seus exames, era o mesmo onde Rosa teria sido levada.

Ele saiu de casa com sua típica arrogância, sem sequer ligar para a coincidência de estar indo ao mesmo hospital onde tinha "enviado" Rosa algumas horas antes. Para ele, era apenas mais um compromisso chato, que precisava riscar da lista.

Chegando no hospital, seu humor já estava pior. Ele odiava lugares cheios de pessoas doentes, aquelas filas intermináveis e, claro, ter que lidar com o pessoal da recepção, que nunca era eficiente o suficiente para o seu gosto.

— Trajano. Ricardo Trajano. Tenho uma consulta marcada — anunciou, sem nem ao menos olhar para a recepcionista, que conferia o nome em seu sistema.

A mulher, acostumada a lidar com personalidades arrogantes, manteve o sorriso profissional enquanto o orientava a aguardar na sala de espera.

— O médico está um pouco atrasado, senhor Trajano. Peço que tenha um pouco de paciência, por favor.

— Paciência é para quem não tem coisas mais importantes para fazer — resmungou ele, sentando-se com impaciência.

Ricardo pegou o celular, começando a revisar alguns e-mails de trabalho enquanto esperava. Não passava pela sua cabeça que algo minimamente interessante pudesse acontecer naquele hospital. Contudo, o universo parecia disposto a brincar com o magnata arrogante.

Poucos minutos depois, enquanto ele estava concentrado na tela de seu celular, um movimento na sala de espera captou sua atenção. Uma enfermeira empurrava uma cadeira de rodas e, para sua surpresa, quem estava sentada nela era ninguém menos que: Rosa.

"Não é possível..." - pensou Rosa, percebendo que estava diante do mesmo homem que havia sido tão insensível com ela horas antes.

Ricardo, no entanto, não conseguiu segurar uma risada curta e irônica. Ele se levantou, como se o destino estivesse brincando com ele, e se aproximou.

— Vejo que sobreviveu. — ele disse, cruzando os braços e olhando para ela de cima, como se ela fosse um detalhe insignificante em sua vida. — Você de novo?

Rosa mal acreditava que ele tinha a audácia de aparecer ali.

— Sim, eu de novo. Coincidência, não acha? — ela respondeu com um tom de sarcasmo, sem paciência para o seu comportamento.

Ricardo soltou um suspiro de tédio, ignorando o sarcasmo.

— Bom, parece que você ainda está inteira, então o que está fazendo aqui? — ele perguntou, fingindo interesse, mas claramente impaciente.

— Como se você se importasse... — retrucou Rosa, olhando para a enfermeira que a empurrava em direção à saída. — Precisei de pontos no joelho, esse curativo na cabeça, e perder a unha de um dedo, sem contar na raiva que passei por causa da sua gentileza com o trânsito.

Ele deu de ombros, despreocupado.

— Culpe a chuva, não a mim. Eu te chamei uma ambulância, o que já é mais do que muitas pessoas teriam feito. Você devia me agradecer. — Ele abriu um sorriso cínico.

Rosa se segurou para não perder a calma. Ela estava no limite da exaustão e da dor, mas não ia deixar aquele homem a diminuir ainda mais.

— Obrigada! — respondeu ela, com um tom carregado de ironia. — A sua empatia realmente me impressionou.

Ele riu, sacudindo a cabeça, sem se importar com a alfinetada.

— Ah, mas não precisa ser dramática. Foi só um pequeno contratempo. E veja só, agora estamos no mesmo lugar por pura coincidência. — Ricardo ergueu as mãos, como se aquilo fosse um espetáculo cômico.

— Coincidência ou castigo? — murmurou Rosa, suspirando, e tentando formular um plano para ir para casa. Talvez pudesse ligar para uma amiga ou…

— A bicicleta! — lembrou-se de repente.

Ela ainda tinha sua velha bicicleta. Claro, não seria o meio de transporte mais confortável com o joelho costurado e a cabeça enfaixada, mas era tudo o que tinha.

Minutos depois, quando os enfermeiros trouxeram sua bicicleta, ela riu baixinho.

“É isso”, - pensou. “Se vou pedalar até embaixo de uma tempestade, que seja com estilo.”

— Não pensei que fosse dar tanta importância a uma bicicleta velha. — Ricardo disse, observando Rosa tentando ajeitar a bicicleta.

— É a única coisa que eu tenho que me leve aos lugares — respondeu ela, sem emoção.

Ricardo soltou uma risada curta, como se achasse aquilo patético.

— Bom, pelo menos tem uma coisa de valor, né? — Ele sorriu com deboche, cruzando os braços.

Rosa apenas balançou a cabeça, sem dizer uma palavra. A situação era tão ridícula que ela não sabia se ria ou chorava.

Antes que Rosa pudesse perguntar o que ele estava fazendo ali, além de perturbá-la, o médico o chamou,

— Senhor Ricardo? O senhor está aqui para sua consulta de rotina? — o médico perguntou, olhando para sua prancheta.

Ricardo suspirou, irritado. Ele tinha esquecido completamente que sua assistente havia marcado uma consulta no mesmo hospital naquele dia. Era uma coincidência inconveniente, mas necessária para a renovação de seu seguro de vida. Ele revirou os olhos, como se aquilo fosse apenas mais um fardo a carregar.

— Bem, já fiz minha parte por hoje — disse Ricardo, virando-se para sair. — Boa sorte com isso.

Rosa montou na bicicleta, ignorando a dor que latejava por todo o corpo, e começou a pedalar. A chuva ainda caía, fraca, mas caía, e as ruas estavam desertas. As gotas batiam em seu rosto, misturando-se com as lágrimas que escorriam sem que ela percebesse.

Enquanto pedalava, sabia que, apesar de tudo, ainda havia algo que ninguém poderia tirar dela: sua determinação. Mesmo no pior dos dias, ela encontraria um jeito de seguir em frente.

E quem sabe, um dia, as coisas mudariam para melhor.

Com um último sorriso, pedalou com todas as suas forças rumo a sua simples casa, escura, deixando para trás mais um dia difícil.

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