Enigma a ser desvendado

Lizandra

Sempre me intrigou como olhares podem carregar histórias que jamais serão contadas. É como se cada par de olhos fosse um quebra-cabeça incompleto, uma coleção de peças que só fazem sentido para quem carrega. Desde pequena, aprendi a observar esses fragmentos, a buscar nos outros aquilo que as palavras não revelam. Mas nunca gostei do que via quando o foco recaía sobre mim. Talvez fossem meus olhos azuis, tão cristalinos quanto um lago sob a luz fria da manhã, ou o jeito calmo e sereno que uso para atravessar o mundo. De uma forma ou de outra, as pessoas sempre esperaram algo de mim. Algo que eu mesma nunca soube o que era.

Sou a Lizandra Hurst, 21 anos, e vivo em meu próprio compasso, distante da urgência que parece mover todos ao meu redor. Estou cursando Medicina Veterinária, um caminho que escolhi porque os animais, ao contrário das pessoas, não julgam. Eles não esperam mais do que podem oferecer, e talvez seja isso que me fascine. Minha vida é simples, mas profundamente significativa.

Meus pais, Dante e Elaine, são os meus maiores amores, meu norte e sul. Eles são farmacêuticos e têm uma história de amor que sempre me fez acreditar na possibilidade de algo puro e genuíno. Sempre vi o  meu pai olhar para minha mãe como se ela fosse a resposta para todas as perguntas que ele nunca soube como fazer. Cresci cercada por esse amor palpável, traduzido em gestos cotidianos, ele a ajuda nas tarefas domésticas sem que precise ser pedido, e ela o cobre com mantas quando ele cochila no sofá depois de um longo dia.

Meu pai também é motociclista e participa de um grupo de motos, na verdade ele é o presidente do motoclube. Desde pequena, eu o acompanhava em seus passeios. Sentava-me atrás dele, agarrada firme ao seu colete de couro, sentindo o vento bagunçar os meus cabelos enquanto o ronco do motor nos levava a algum lugar qualquer. Esses momentos sempre foram nossos, um tipo de liberdade que só nós dois compartilhamos. Ele é meu herói, não por grandes feitos, mas por tudo o que faz de maneira silenciosa, mas essencial.

Minha mãe é o equilíbrio. Ela cuida de nós com uma doçura que não pede nada em troca. Nós nos ajudamos, cuidamos uns dos outros de forma quase automática, como se fosse parte de quem somos. Quando estou em casa, faço questão de ajudar com as tarefas domésticas. Não vejo isso como obrigação, mas como uma forma de retribuir tudo o que meus pais fazem por mim.

Minha vida social, para quem olha de fora, é quase inexistente. Não sinto necessidade de estar em festas ou me envolver em romances passageiros. Sou prática. Já beijei alguns garotos, mas sempre mais por curiosidade do que por desejo real. para não dizer que vivo dentro de casa, em alguns momentos vou a boate Gemini, a melhor da cidade, a primeira vez que fui, imaginei que o meu pai surtaria, mas ao contrário, ele me levou e me disse que estaria no moto clube e que quando eu quisesse voltar para casa, era só ligar, assim eu fiz e isso para mim é confortável, mas se o seu filho do coração for comigo, o Daniel, ele nem se preocupa, por saber que estaremos juntos o tempo todo. 

Relacionamentos nunca me atraíram da mesma forma que parecem fascinar os outros. Sou virgem, não por decisão consciente, mas porque simplesmente nunca senti essa urgência. Não vejo problema nisso, nem faço questão de esconder. É apenas quem eu sou.

A única pessoa que realmente me entende é Daniel, meu melhor amigo e vizinho. Crescemos juntos, compartilhamos segredos e sonhos. Ele também cursa Medicina Veterinária, e passamos horas discutindo sobre aulas e projetos. Daniel é lindo, com um charme que atrai olhares por onde passa. Mas, para mim, ele é apenas o Dani. Um irmão de alma.

Sei que ele sente algo mais por mim. É perceptível nos olhares que ele tenta disfarçar, nos gestos que vão além da amizade. Mas nunca houve espaço para romance entre nós. Eu fui clara desde o começo, e ele parece aceitar isso, ainda que com uma sombra de esperança. O equilíbrio entre nós funciona porque entendemos nossos papéis, mesmo que não seja o ideal para ele.

Minha rotina é organizada e previsível, exatamente como gosto. Meus dias giram em torno dos meus estudos, da convivência com meus pais, das conversas com Daniel e dos meus planos para o futuro. Tudo está no lugar onde deveria estar.

Mas, ultimamente, algo mudou. É sutil, como um perfume que você não consegue identificar, mas que insiste em permanecer no ar. Há um pressentimento, uma sensação de que algo está prestes a acontecer. Não sei o que é, mas sei que, quando vier, mudará tudo.

E talvez, dessa vez, os olhares não sejam apenas pedaços de histórias que não me pertencem. Talvez, desta vez, eu seja o enigma a ser desvendado.

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