Entre predadores

Luna

A sala de aula está mergulhada em um silêncio tenso, quebrado apenas pelo som do professor escrevendo no quadro e pela respiração contida de trinta alunos. Direito Penal sempre me fascinou, mas hoje, a aula parece estar em outro universo. Meu coração b**e descompassado, minhas mãos suam, e eu mal consigo acompanhar o que está sendo dito.

— Luna Castro. — o professor me chama, interrompendo os meus pensamentos.

Minha mente entra em pânico por um breve segundo, mas sinto o olhar de Darlan ao meu lado. Ele não diz nada, apenas me dá aquele sorriso encorajador que é quase imperceptível, mas que funciona como uma âncora. Respiro fundo e começo a responder à pergunta sobre dolo eventual, explicando os conceitos com a voz firme que não reflete a tempestade dentro de mim.

— Boa resposta, senhorita Castro. — o professor elogia, e sinto os olhares de alguns colegas pousarem em mim. Clara, sentada algumas cadeiras à frente, me dá um sorriso de apoio, mas só consigo relaxar quando o professor chama outro aluno.

Darlan me cutuca de leve com o cotovelo.

— Mandou bem. Eu disse que você sabia mais do que achava.

Abro um sorriso tímido, sem coragem de encará-lo diretamente.

— Obrigada.

O professor lança uma nova pergunta à sala, dessa vez direcionada a Darlan. Ele responde com a segurança de quem domina o assunto, enquanto Clara complementa a resposta, criando um debate acalorado. A tensão da aula diminui, e até consigo rir de uma piada feita por Clara, algo sobre os códigos penais serem "o manual de instruções dos futuros advogados".

Quando a aula termina, saímos juntos da sala, comentando o caso debatido. O corredor está cheio de alunos, mas meus passos vacilam assim que o vejo. Jaime. O meu padrasto.

Ele está encostado em uma parede, de terno impecável, como sempre. Seu sorriso falso e olhar predatório me atingem como uma lâmina. Sinto o suor brotar novamente, mas Darlan percebe antes que eu diga qualquer coisa. Ele diminui o ritmo, e sua postura muda. É sutil, mas perceptível. Como se estivesse se preparando para alguma batalha silenciosa.

Jaime se aproxima, ignorando completamente o fluxo de alunos ao nosso redor.

— Boa tarde, Luna. — Sua voz é suave, quase doce, mas para mim soa como o estalo de uma corrente.

Antes que eu possa responder, ele olha para Darlan.

— E você deve ser...?

Darlan estende a mão, o rosto inexpressivo.

— Darlan Lambertini.

Os dois se encaram por um instante que parece eterno. A tensão é palpável, mas Jaime disfarça bem.

— Lambertini. — Ele sorri, mas seus olhos permanecem frios. — Interessante.

— Jaime Orti — responde Darlan, apertando a mão dele com firmeza.

— Sempre é bom conhecer os amigos da minha Luna.

Há algo nos olhares trocados que me faz perceber que eles já se conhecem. A forma como se estudam, como dois predadores em um confronto silencioso, é desconcertante.

— Vamos, Luna — Jaime diz, voltando sua atenção para mim. Seu tom é uma ordem disfarçada de convite.

— Claro, — murmuro, tentando esconder o tremor na voz.

Antes de me afastar, olho para Darlan. Seu olhar é firme, intenso, como se quisesse dizer algo que não pode ser dito. Ele não precisa falar. Sei que percebeu algo.

Caminhamos pelo corredor, e sinto cada passo pesar como uma sentença. Jaime está mais calado do que de costume, o que só aumenta minha ansiedade.

Então, antes de dobrarmos o corredor para sair do prédio, vejo David parado, recostado na parede, conversando casualmente com um grupo de amigos. Assim que ele nos vê, algo muda em sua expressão. Ele foca diretamente em Jaime, como se o analisasse, e por um breve momento, sinto que estou em segurança novamente.

Mas a sensação dura pouco.

Enquanto saímos da faculdade, sinto as mãos suarem, mas não é pelo calor do dia. Dentro de casa, o mundo é um campo minado, e cada passo que dou pode explodir embaixo de mim. O que Jaime quer hoje? O que ele vai fazer ou dizer? Eu sei que não posso contar para ninguém.

Ou talvez possa.

Darlan ficou me observando com uma intensidade que me deixou inquieta, e pela primeira vez, me pergunto se ele poderia ser mais do que um ombro amigo. Se ele poderia ser o escudo que preciso. Mas confiar nesse segredo é como abrir as portas para um abismo sem fim. E se cair nele for o preço da minha liberdade?

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