Brinde silencioso

David Lambertini

Há algo de inquietante no silêncio entre uma batida de música e outra em uma boate lotada. Olhares furtivos, passos que ecoam um pouco mais próximos do que deveriam. Anos lidando com negócios perigosos ensinaram-me a identificar quando estou sendo seguido.

Seus olhos encontram os meus, e um sorriso enigmático surge em seus lábios. O brilho contido em seu olhar não é de diversão. É de propósito. E, por mais que ele não queira se esconder, sei exatamente o que está fazendo aqui.

Dou um passo à frente, mantendo minha expressão fria e impassível. Quando a luz intermitente da boate ilumina o seu rosto por completo, a confirmação me atinge como um soco. Reconheço o homem à minha frente. Ele é um dos soldados da máfia, uma peça no tabuleiro de um jogo que nunca para. Sua presença aqui só pode significar uma coisa, estou sendo monitorado. Até mesmo na nossa boate, com todo o esquema de segurança que implementei.

— Você? — pergunto, a minha voz baixa, mas firme.

— O que você está fazendo aqui? — minha voz sai seca, carregada de irritação.

Ele não se abala. Sua postura permanece firme, os braços cruzados em frente ao peito, e aquele sorriso sarcástico ainda brinca em seus lábios.

— Fazendo a minha função, a sua segurança, sou muito bem pago para isso. — responde ele, a voz carregada de desdém.

— Sua função? — repito, com uma risada seca. 

— E isso inclui me seguir até a pista de dança?

— Não enche a cara, Lambertini! — O tom dele é afiado, mas mascarado por uma falsa tranquilidade que apenas intensifica a minha irritação.

Cruzo os braços, sustentando o olhar dele. 

— Estou com o meu motorista. Me erra! E, além disso, a noite está só começando.

O canto de sua boca se ergue levemente, quase em deboche.

— Vocês sempre são monitorados, Lambertini. Esqueceu? — Ele dá de ombros.

— E, pelo jeito, você hoje pretende dar mais trabalho do que as suas irmãs gêmeas de apenas quinze anos.

Sinto a mandíbula se contrair. Ele está me provocando, testando os meus limites. Mas me recuso a dar o prazer de uma resposta. Apenas me viro e volto para a pista, para onde a garota me espera.

Ela me observa com um sorriso despreocupado, como se nada pudesse quebrar o ritmo da noite. Seguro a sua mão, inclinando a cabeça e deposito um beijo no seu pescoço e a conduzo em direção a uma área mais reservada.

— Vem comigo. — Minha voz é firme, mas envolvente, carregada de um tom que deixa claro que ela não precisa pensar duas vezes.

Atravessamos a multidão em silêncio, ignorando os olhares curiosos ao nosso redor. Entramos em uma sala privada, isolada por paredes de vidro que refletem as luzes da boate como um caleidoscópio. Quando fecho a porta, o som lá fora se transforma em um murmúrio distante.

— Aqui ninguém nos vê. Pode ficar à vontade.

Ela sorri, um sorriso provocante, enquanto começa a dançar novamente, mas agora apenas para mim. Seus movimentos acompanham o ritmo da música, cada gesto um convite. Enquanto ela se despe lentamente, sinto o calor subir, mas mantenho o controle. Sempre mantenho.

Quando ela finalmente se aproxima, a tensão entre nós é palpável. Seguro a sua cintura, puxando-a para o meu colo. O calor da sua pele contra a minha é uma distração deliciosa, algo que nem sempre costumo permitir.  

O momento é vibrante e intenso. Nos conectamos ali mesmo, sem palavras, apenas guiados pela energia da noite, mas como sempre, uso proteção.  Por um breve instante, esqueço o mundo lá fora, as responsabilidades, as alianças, as sombras que nunca me abandonam.

Mais tarde, já recompostos, brindamos em silêncio. O gesto parece simples, mas há algo no ar, um subtexto que não consigo ignorar. Arrumo minha camisa, verifico o relógio no pulso e chamo o meu motorista.

Descemos juntos, a garota ainda ao meu lado, enquanto os dois carros aguardam na entrada, prontos para a escolta. Sempre fui cauteloso, mas esta noite algo parece fora do lugar. Quando nos despedimos, ela me beija. É um beijo quente, cheio de promessas não ditas, mas seus olhos... Há algo neles que me inquieta.

No carro, o silêncio é meu único companheiro. A sensação de estar sendo observado persiste, como uma sombra que não desaparece mesmo sob luz forte. Talvez seja o soldado que encontrei mais cedo. Talvez seja algo mais.

Quando finalmente chego em casa, o ambiente silencioso me acolhe como um velho amigo. Tiro os sapatos no hall e caminho até a cozinha, servindo-me de um copo de suco gelado. Cada gole é uma tentativa de apagar a sensação que me acompanha desde a boate.

Subo as escadas devagar, sentindo o peso do dia, ou talvez o peso do que ainda está por vir. 

No quarto, o silêncio é ainda mais denso, quase tangível. tomo um banho rápido e me jogo na cama, mas os meus olhos permanecem abertos, fixos no teto. Há algo errado, algo que ainda não consigo nomear, mas que sinto se aproximando, inevitável como a maré.

E eu sei que, quando finalmente chegar, mudará tudo.

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