A escola, para mim, sempre foi o próprio inferno. Mas este ano não é nem pelos motivos de sempre. É pior. Minha tia continua sendo a diretora — sim, a própria Cruella em carne, osso e maquiagem cara — e minha prima? Rainha do baile por três anos consecutivos. Três. E adivinha? Vai ganhar de novo esse ano, com certeza. A única coisa que muda são os jogadores de futebol que ela escolhe por temporada para chamar de “meu amor”.
Meu objetivo, como nos outros anos, é simples: sobreviver mais um dia e juntar grana pra faculdade. Nada de universidades de elite, claro. Meu sonho mesmo é qualquer canto bem longe da minha tia e do teatro que ela chama de família.
Parada em frente ao espelho, vejo a garota de sempre: cabelos longos e rebeldes, olhos claros, pele bronzeada — cortesia dos dias entregando panfletos sob o sol — e, claro, aquele uniforme horroroso que parece ter saído de um dorama genérico. Sainha, camisa social e a maldita gravatinha. O modelo foi escolha da minha tia, inspirada no surto adolescente da minha prima ao assistir Rebelde. Sim, tudo isso só porque ela se imaginou brilhando com aquele look nos corredores da escola.
Pego minha mochila, balanço a cabeça tentando espantar os pensamentos tóxicos e me despeço do senhor e da senhora Jones, os caseiros que me acolheram melhor do que qualquer parente de sangue. Corro até minha caminhonete velha, já prevendo a próxima tentativa de atentado da minha prima — ela tem uma fixação por jogar ovos podres em mim. E não para por aí. Já levei balão com urina (muito maduro, né?), suco, farinha... Enfim, qualquer coisa voadora que sirva pra humilhar alguém. Bem-vindo ao ensino médio de elite.
Entro no carro segundos antes da Barbie Satânica abrir a porta da mansão. Faço meu sinal de vitória. Ela responde com o dedo do meio. Um a um.
Sigo para a escola, ou como gosto de chamar: minha câmara de tortura. Passo pelos portões e vou caçar uma vaga no estacionamento. Quando acho uma, uma Ferrari rosa me corta na última hora. E, é claro, quem desce do carro é a própria prima diabólica com suas duas fiéis escudeiras. Sorrisinho vitorioso. Não posso atirar, infelizmente.
Encontro outro canto pra parar o carro. Saio batendo a porta — o barulho ecoa, porque o pobre coitado já viu dias melhores — e sigo em direção ao prédio principal. Nada mudou. Líderes de torcida desfilando suas saias microscópicas, jogadores de futebol analisando bundas como se fosse Olimpíada, grupinhos de sempre rindo pelos corredores... E eu, invisível como sempre. Só os que têm cérebro funcional me enxergam.
Carla é um desses seres raros. Filha de gente rica, mas com neurônios ativos. Me acena de longe e acelero até nosso armário compartilhado.
— E aí, como foram suas férias? — pergunta com aquele sorrisinho malicioso. — Não responde! Deixa eu adivinhar: Havaí, homem da sua vida, céu estrelado e muito amorzinho.
— Na boa, você precisa parar de ler esses romances melosos. Vai derreter seu cérebro.
— Ah, por favor! O mundo é podre, então eu preciso dos meus livros pra manter a sanidade.
— Ok, só não chora depois quando seu “príncipe” te largar por uma cheerleader de I*******m.
Rimos e seguimos em direção ao auditório.
— Agora é sua vez. Como foram as férias?
— Nem me lembra. Aventura total. Paris, cidade dos românticos e poetas. Meus pais estavam atolados em reuniões, então aproveitei pra comprar livros e ler em praças e cafés.
— Você tá me dizendo que foi pra PARIS e passou os dias LENDO?
— Minha vida é voltada pra leitura. Simplesmente aceite. — Faz uma pose dramática e rimos de novo.
No auditório, procuramos lugar até que John nos chama feito uma sirene de incêndio. Nosso amigo gay clássico. Aquele que dá conselhos amorosos e causa nos intervalos. Sentamos com ele e o falatório toma conta do ambiente até que o som estridente do microfone corta tudo.
Minha tia. Lá está ela, no centro da quadra, com seu olhar de superioridade nivelado a Deus.
— Meus queridos e amados alunos, é com muito prazer que dou as boas-vindas a mais um ano letivo...
Blá blá blá, vomito mentalmente. Cada palavra é uma facada no estômago. E o pior? Fui eu que escrevi esse discurso. Peguei da internet, adaptei e entreguei pra ela semanas atrás. Ela mal sabe usar o Word.
— Que este seja um ano produtivo, cheio de motivação... blá blá blá… felicidade no fim, sucesso, blá...
Reviro os olhos. Literalmente.
— E este ano temos um novo aluno para completar o nosso time de excelência... — continua ela. — Com muito prazer, dou as boas-vindas a Benjamin William.
Silêncio. O tempo desacelera como numa cena de filme ruim.
E lá está ele. Calça jeans escura, blusa polo preta e jaqueta de couro. Sorriso de quem nunca teve que lidar com boleto. Príncipe do baile. E provável futuro namorado da vadia da minha prima.
Meus olhos vacilam. E me odeio por encarar uma segunda vez.
— E esse ano, teremos mais um novo aluno para completar o nosso time de estrelas que é o Colégio Bernoulli. É com muito prazer que dou as boas-vindas a Benjamin William.E lá estava ele. Jaqueta de couro, calça justa e um sorriso que faria até a Madre Teresa repensar seus votos. Uma onda percorreu meu corpo. O auditório virou uma arena, gritos por todos os lados. As meninas quase desmaiando. Era como assistir à eleição relâmpago do novo rei do baile. Minha tia, a broaca oficial, ainda falou mais umas bobagens antes de nos liberar. Saí em direção ao meu armário. Como num passe de mágica, os celulares apitaram em sincronia com o início das aulas. Nossa escola tem um aplicativo próprio — dá pra fazer de tudo por ali, de reclamações sobre professores a pedidos de transferência. Um clique e voilà. Carla e John se aproximaram.— Garota, tu viu aquele espetáculo de homem? — John disse, se abanando com a própria mão.— Para com isso, John, você sabe que ele não é do nosso nível — Carla abriu o
BenjaminEu cresci numa família de diplomatas, em outras palavras nasci em berço de ouro e com a garantia de que iria herdar terras, empresas, lojas e muito mais. Mas não fui criado para ser um molenga, meu pai me apresentou de perto a dureza da vida, a fome, a pobre e principalmente a ignorância.Hoje vou adentrar na mesma escola em que meu pai estudou, o mesmo local aonde encontrou e se apaixonou por minha mãe. Mas ele me deixou avisado que ela mudou bastante ao longo dos anos, principalmente na gestão da nova diretora, ela é ganancioso e eu teria que saber como lidar com tudo a minha volta, pois meu título de herdeiro valia mais do que eu como pessoa. O nome William e mais importante do que eu mesmo, Benjamin.Com a ajuda da minha ama, em poucos minutos estou arrumado e tomado café.
Faz cinco dias desde que vi Benjamin. Ele virou a celebridade do momento, o príncipe encantado que desmaiou diante da escola inteira e, mesmo assim, conseguiu sair por cima. Já eu... continuo sendo ninguém.Minha tia, com sua criatividade habitual, decidiu me punir furando os pneus da minha caminhonete — junto com sua filhinha predileta. Sabem que estou juntando cada centavo para a faculdade, e me atingiram onde mais dói. Resultado: tive que trabalhar o dobro para repor o prejuízo.Hoje é dia de encarar mais um turno na lanchonete da empresa do pai do Théo. Não é o pior dos lugares... até os amigos dele aparecerem. A partir daí, começa o inferno: lanches no chão, bebidas derramadas em mim, e a palhaçada clássica de colocarem o pé para eu tropeçar enquanto sirvo os outros clientes.Não quero começar o dia já me irritando, então me levanto e me arrumo. O uniforme de garçonete não me cai tão mal, e por um segundo me pego pensando nisso — Droga, estou começando a pensar como aqueles idiota
— Maria, chame o Daniel para mim. — Peço, me sentando na cama.— Ei, o médico disse repouso absoluto. — Ela corre até mim, ajusta os travesseiros nas minhas costas com aquele jeito cuidadoso de sempre.— Ah, Maria… já não sou mais uma criança. Posso me cuidar.— Pode até não ser mais criança, mas quando o assunto é teimosia… você volta a ser um bebê de colo. — Ela revira os olhos. — Fica quietinho aí. Já volto com o Daniel.Assim que ela cruza a porta, pego meu laptop. Vou direto para a área de pesquisa. Tento encontrar qualquer informação sobre Amber… nada. Frustrado, fecho o laptop com um suspiro e me ajeito na cama novamente. Batem à porta.— Pode entrar.— Mandou me chamar, Ben? — Daniel entra e fecha a porta atrás de si.— Sim. Preciso de algumas informações. E você é o homem certo para isso.— O que tem de tão importante? — Ele leva a mão ao queixo, pensativo. — Está interessado em alguém, Ben?— Claro que não! O que vocês nessa casa pensam de mim?! — Jogo uma almofada nele.— Op
Meus olhos ardem, minha cabeça lateja. Não me lembro da última vez em que minha cama pareceu tão macia. Me levanto devagar, cambaleando até o que acredito ser o banheiro. Estendo as mãos procurando a pia, mas... nada. Esfrego os olhos com força.Droga. Esse não é o meu banheiro. Na verdade, isso nem parece um banheiro.Roupas masculinas estão jogadas por todos os cantos. Em que tipo de lugar eu vim parar?— Amber? Você está aqui?A voz feminina me paralisa. Dou passos leves até a porta e espreito pelo vão. Uma mulher que nunca vi antes me olha como se me conhecesse.— Aí está você — ela sorri, vindo em minha direção. Penso em fugir, mas é tarde. Fui sequestrada?— Estava procurando o banheiro? — pergunta ela gentilmente. Assinto em silêncio, e ela segura minha mão, guiando-me até uma porta mais afastada.Entro rápido e fecho a porta. Encosto nela, respirando fundo. Onde estou? Isso é mesmo um sequestro? Não... nada aqui parece ameaçador. O lugar é sofisticado, cheio de detalhes caros.
– Vamos entrar, queridos. A Maria já deve estar terminando o almoço. – Almoço? Já é esse horário? – pergunto, atordoada. – Está tudo bem, querida? Você está pálida.– Eu preciso ir embora. – A urgência explode dentro de mim. – Como fui demorar tanto pra lembrar? Eu preciso ir embora. Agora.– Mas você precisa comer, Amber. Mal tomou café... – Benjamin... se você pudesse ouvir meus pensamentos, por favor, pare de me manter aqui.– Você não entende. Eu não deveria estar aqui. Ela tem regras... e punições. Cada minuto aqui me complica ainda mais. A última coisa que lembro é de estar no trabalho. E eu devia estar lá hoje, no mesmo horário. Eu sei que vocês querem ser os heróis da minha história... mas a vida real não é um conto de fadas.– Querida, já entramos em contato com sua tia. Ela sabe onde você está. Não acho que ficar para almoçar será um problema. – A voz da mãe de Benjamin é doce, mas meu corpo treme. Minha garganta fecha. Vou chorar. – Vamos garantir que você chegue bem em
Acordei com uma dor de cabeça latejante e, instintivamente, amaldiçoei a Verônica. Me levantei sem vontade alguma. As marcas nas pernas ainda estavam visíveis, mas não me permiti lamentar. Tomei um banho rápido e vesti uma calça jeans no lugar da maldita saia do uniforme. Prendi o cabelo num rabo de cavalo e encarei o arquivo em cima da cama. Sabia que não podia deixá-lo ali. Sem muitas opções, enfiei dentro da mochila e agradeci mentalmente por usar bolsas diferentes para o trabalho e para a escola — do contrário, não teria como levar meu material.Todas as minhas coisas, incluindo meu celular e meu carro, estavam na lanchonete. Suspirei fundo, irritada. Culpa do Benjamin, claro.— Senhorita Jons, posso usar seu celular? O meu ficou na lanchonete — disse enquanto passava por ela, depositando um beijo em sua bochecha.— Mas é claro, minha menina. Você sabe que não precisa pedir — respondeu com carinho, tirando o celular do bolso. — E como estão suas pernas? Você devia ficar em casa.—
Eu não tive coragem de entrar na aula. A Carla estava encrencada por minha causa e isso me corroía por dentro. Meus tênis gastos faziam um barulho irritante contra o piso enquanto eu andava de um lado para o outro no corredor vazio. O zumbido nos meus ouvidos e a palpitação no peito não me deixavam pensar em mais nada. Tudo era culpa minha. Se eu tivesse enfrentado Verônica, se não fosse tão submissa, agora seria eu lá dentro e não a Carla.— Sabia que ia te encontrar aqui. Como estão as coisas? — John surgiu ao meu lado, com a expressão preocupada. Ele devia ter me mandado mensagem, mas esqueceu que estou sem celular. Típico dele. — Aquela megera mexeu com você de novo? — Ele olha para meu uniforme, ainda manchado de suco seco.Eu não respondo. Só me viro e continuo andando, tentando fugir até da conversa.— Ei, Amber. Para com isso — ele diz antes de me puxar para um abraço apertado, que me prende no lugar.— É culpa minha… Se a Carla não tivesse me defendido, não estaria lá dentro a