Yan Hernandez

- Ok, Francis. Eu não preciso sair com vocês. Na verdade, “eu não vou” sair com vocês. Mas eu aceito o seu relacionamento com ela.

- Não é um relacionamento, Vi.

- Não... Claro que não. – ironizei. – Só me deixou sozinha para sair com ela, quando disse que iríamos estrear o seu carro novo.

- Você não disse que estava na hora de eu mudar e encontrar alguém?

- E você acabou de dizer que não estava se relacionando com ela. Mas ok, Francis. Estamos de bem e eu não quero falar dela.

Ele entrou e deitou na minha cama, colocando as mãos para trás da cabeça, como costumava fazer.

Sentei na frente do computador e abri a página da faculdade:

- Vem aqui olhar uma coisa, Francis.

Ele levantou e veio até mim, colocando a cabeça um pouco acima do meu ombro. Senti o cheiro de menta vindo da boca dele e o olhei seriamente:

- Vai sair depois?

- Por quê?

- Está mascando chiclete de menta.

- Não mesmo. – ele abriu a boca.

- Mas mascou...

- Sim, mas já joguei fora. – ele continuou lendo o que estava escrito na tela.

- Sempre que você masca chiclete de menta, pensa em beijar na boca e...

- Você passou, Vi. – ele me abraçou por trás, com força.

Depois abaixou-se ao meu lado, na cadeira:

- Me diga que vai fazer a matrícula.

- Francis, eu não sei. Seria comprar uma briga muito grande com a minha mãe.

- Não está mais que na hora de comprar esta briga, Vi?

- Você sabe que eu não consigo...

Ele me fez encará-lo, segurando meu queixo:

- Vi, me prometa que vai fazer a matrícula. Você precisa seguir em frente. Não pode deixá-la mandar em você a vida inteira.

- Eu vou tentar falar com ela.

- Quando você soube?

- Hoje à tardinha... Quando estava correndo... Recebi uma mensagem.

- Estou muito feliz por você. E até posso lhe dar carona.

- Dividir o carro com Dothy? – eu ri, ironicamente. – Prefiro ir a pé.

Girei a cadeira e ele se desequilibrou e caiu.

- Desculpe, Francis.

Ele levantou:

- Tudo bem. Eu vou indo... Tenho um compromisso.

- Ok... E não quero saber do seu compromisso.

- Tudo bem. Boa noite. E lembre-se: seja forte e fale com ela.

- Vou tentar fazer isso ainda hoje. Ou corre o risco de eu perder o período de matrícula.

Ele acenou e saiu, me deixando ali, sozinha com minha dúvida sobre enfrentar ou não Michelle Miller, minha mãe.

Respirei fundo e desci as escadas, confiante. Ela estava com meu pai na cozinha. Ela cozinhando e ele fazendo contas numa calculadora. Sentei ao lado dele e lhe dei um beijo:

- Problemas financeiros?

- Vai ser um mês difícil. – ele disse.

- Sempre são difíceis. Porque você é um inútil que não serve nem para dar uma boa vida à sua esposa e seus filhos. – ela falou, sem nos olhar. – Não foi esta vida que sonhei para mim...

Eu olhei para ele, que abaixou os olhos, envergonhado. Alisei a mão dele e falei:

- Eu me sinto uma inútil não trabalhando. Eu posso ajudar, de alguma forma. O que acham?

- Nem pensar. – ela respondeu antes que meu pai falasse. – Gastei horrores com você para parar atrás de um balcão vendendo flores.

- E que mal há nisto? Prefere que eu fique em casa sem fazer nada, esperando alguém me chamar para trabalhar de modelo aos vinte e um anos, passada da idade para a profissão?

- Não me importa. Eu cuidei de você a minha vida inteira. Eu apostei tudo em você, Virgínia. E gastei até o que não tínhamos para você ficar perfeita.

- Eu não sou perfeita, mãe. Não existem pessoas perfeitas... A beleza é só um padrão imposto pela sociedade... Ou por você.

- Você está olhando muita televisão... Ou passando muito tempo na internet. Vamos começar a contenção de despesas cortando a porra da internet que não traz nada de útil a ninguém nesta casa. – ela falou, furiosa.

- Ei, chega de brigas. É um raro momento que nos encontramos todos para conversar. – Liam disse, sentando à mesa conosco.

- Agora sua irmã quer me enfrentar... – ela disse.

- Mãe, deixa ela fazer a faculdade. Ela passou, que mal há nela pensar no futuro?

Michelle largou tudo e me encarou:

- Como assim?

Respirei fundo. Liam havia falado sem querer e não havia o que fazer agora.

- Sim, eu passei. Para Biologia.

- Por que fez isso, porra?

- Porque eu quero. Acha que é correto ter como objetivo de vida esperar um homem rico e casar? Isso não existe. Eu posso ajudar meu pai... Eu quero ajudar.

- Vai ajudar dando mais um boleto para ele pagar? – ela riu. – Ou acha que a faculdade é gratuita, meu bem? Francis que deve ter colocado estas porras na sua cabeça, porque é só isso que ele faz: se meter na sua vida. Pergunte se ele vai pagar para você?

Abaixei minha cabeça, confusa. Eu não havia pensado nisto. Só pensei na parte de estudar... Não em pagar.

- Você não pode destruir os sonhos dela deste jeito, mãe. – Liam reclamou.

- O boleto da faculdade dela eu pagaria com prazer. – disse meu pai. – Bem mais feliz do que pagar um silicone que você fez colocarem nela aos dezesseis anos. Qual vai ser o próximo procedimento?

- Lipo escultura.  – ela disse firmemente.

- Mãe, eu não tenho uma grama de gordura. – reclamei, incrédula.

- Engordou e o vestido não serviu em você. Isso foi horrível.

- Pai, você pagaria para mim a faculdade?

- Sim. – ele disse.

Levantei e falei:

- Eu vou cursar Biologia. E você não vai me impedir, mãe. É a minha vida... E eu preciso vivê-la. Assim como você vive a sua. Não somos uma só... Não pode colocar todas as suas expectativas frustradas sobre mim.

- Expectativas frustradas? Você está sendo egoísta e mal-agradecida... Depois de tudo que eu fiz por você. Abri mão da minha vida, da minha carreira...

- Que carreira? – meu pai perguntou. – Carreira de caçar maridos ricos?

- Se fosse assim não teria casado com você...

- Então foi por amor? – Liam começou a rir.

- Acha que alguém seria capaz de amar este inútil? – ela disse.

- Vou fazer minha matrícula...

Michelle colocou a mão sobre o peito, começando a respirar com dificuldade.

- Mãe... O que houve? – fui até ela, enquanto a via ficar pálida.

- Não estou bem... Me sinto com falta de ar.

A segurei de um lado enquanto Liam a apoiou do outro.

- Pai, você não vai ajudar? – perguntei em tom de crítica.

Ele arrumou os óculos sobre o nariz e voltou a olhar para a calculadora, fazendo contas, sem se importar com ela.

Levamos nossa mãe até o sofá, colocando-a sentada. Abanei ela com um livro, tentando lhe dar mais ar.

- Quer que eu pegue algum medicamento? – Liam perguntou.

- Não... Estou ficando melhor. – ela disse.

- Mãe, você já foi ao médico? Já teve isso antes? – perguntei preocupada.

- Eu... Tenho feito alguns exames.

- Então não é a primeira vez que se sente mal?

- Não. – ela confessou.

- Eu vou com você na próxima consulta. – falou meu pai enquanto subia as escadas.

- Não precisa. Sei fazer isso sozinha. Um homem como você não me ajudaria em nada.

Ele balançou a cabeça e subiu, sem se preocupar.

- Pai, você não vai jantar? – Liam gritou.

- Perdi a fome. – ele disse, sem aparecer, batendo a porta do quarto.

Era esta a nossa vida: brigas, confusões, desarmonia e desamor. E minha mãe ainda queria que eu casasse um dia, sendo que tudo que eu conhecia sobre casamento na minha casa era traumático.

No fim, ninguém jantou. Deitei na minha cama, mas estava sem sono. Havia sido uma noite cheia. Nem cheguei a curtir a ideia de fazer faculdade. E já havia desistido.

Era um sonho. Mas eu não queria que meu sonho fosse causar uma doença na minha mãe. Se eu sabia que não era certo eu abrir mão da minha vida por ela? Claro que eu sabia. Mas também não podia fingir que ela não deixou de fazer coisas por mim.

Coloquei um quimono estampado por cima do meu pijama e desci. A noite estava clara e agradável. A lua cheia abrilhantava a praça, como se fosse um lustre pendente caindo do céu. Nestas horas eu gostava de Primavera. Depois das dez horas da noite, ninguém ficava na rua. Só os mais jovens. Ainda assim eram poucos.

Eu não era mais adolescente, mas me enquadrava no público que ficava até tarde na praça. Embora a noite estivesse perfeita, não tinha quase ninguém ali. Fui até o pergolado, completamente vazio e sentei com as pernas para cima, apoiando a testa nos meus joelhos e deixando as lágrimas caírem. Que porra de vida que eu tinha. Na próxima encarnação, queria nascer Michelle Miller, a que mandava e desmandava e no fim, todos, mesmo achando que ela não estava certa, ainda assim tinham pena dela e a obedeciam. E eu me incluía nos que tinham dó.

Mas eu achava que meu pai não estava mais neste grupo. Não sei quanto tempo o casamento deles duraria. Talvez a vida inteira, já que suportaram aquilo por tantos anos. Ou meu pai estava farto e deixaria ela de vez? O que minha mãe tinha de atraente, além da beleza estonteante? Não sei... Sinceramente, não sei.

E se futuramente eu me tornasse alguém sem conteúdo, como ela? Focada só no status social e em adquirir algo que estava além do meu alcance?

Ou alguns sons vindos de perto do labirinto, mas não dei importância. Minha dor era maior que minha curiosidade, mesmo quando ouvi gemidos.

Sexo no labirinto. Eis uma coisa que eu não havia feito. Talvez devesse colocar na minha lista de coisas importantes. Porque era isso uma das coisas importante que eu faria, além de ser rainha da primavera por seis anos. Meus sonhos para o futuro teriam que ser neste nível e não em fazer faculdade, arranjar um bom emprego, me sustentar e ser bem de vida por meus méritos. Eu nasci para ser uma boneca, bonita, perfeita e manipulável. Sem cérebro. Ou melhor, com cérebro, com muitos pensamentos, mas sem capacidade de tomada de decisões.

- Vi? – ouvi a voz de Francis.

Olhei na direção do labirinto verde e vi Francis e Dorothy. Ah, eram eles transando na praça. Eu ri de mim mesma. Não bastasse a família patética que eu tinha, agora meu melhor amigo estava namorando a mulher que eu mais odiava na vida. Ele dizia que não era namoro, mas nunca vi ele ficar tantas vezes repetidamente com a mesma mulher.

Quando vi, os dois estavam na minha frente. Sim, Dorothy veria que eu chorei por não sei quanto tempo. E que estava de pijama na praça.

- O que houve, Vi? – Francis se abaixou ao meu lado.

- Nada, Francis. Está tudo bem. – limpei as lágrimas, tentando fingir que não chorei.

Ele passou a mão nos meus olhos:

- Fale, por favor...

- Não. – fui veemente.

Ele achava que eu falaria sobre o que me incomodava na frente de Dothy? Estava ficando louco também?

- Não vê que ela está fazendo isso para chamar sua atenção, Francis?

Eu olhei para ela, ao mesmo tempo que Francis também a encarou. Fiquei sem palavras. Eu costumava brigar e não levar desaforo para casa, quando não se tratava da minha mãe. Mas naquele momento eu estava tão abalada que não me importei com as palavras dela.

Levantei e perguntei:

- Querem ficar aqui, é isso?

- Não... – Francis disse. – Estávamos perto do labirinto... Daí vi você e...

- Ficou com peninha. – ela ironizou. – Você ainda usa de golpes baixos para manipular Francis, como sua mãe faz com você? Ele não é mais criança. Ele cresceu. E escolheu viver a vida dele. E sem você, Virgínia.

Isso já era demais para eu aturar. Fui direto nela, tentando estapeá-la, mas Francis me conteve.

Ela riu ironicamente e balançou a cabeça:

- Vamos, Francis. Você me prometeu um bom sorvete... Adoro leite...

- E bolas? E lamber? – perguntei, sem pensar antes de falar, de tão furiosa que estava.

- Quem não? Francis me confessou que nunca fez sexo com você... E nem tem vontade. Tenho pena de você, por estar com ele há tanto tempo e não ter provado o que ele faz de melhor. Porque ele não quer...

Olhei para Francis, implorando para ele fazer algo antes que eu tivesse que virar as costas e ir embora, nunca mais olhando na cara dele.

- Dothy, vá embora por favor. – ele pediu.

- Como assim? – ela ficou surpresa com a atitude dele, arregalando os olhos.

- Eu disse para você ir embora. – ele repetiu.

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