AMÉLIA
Já estava escuro quando voltei da ação social, me sentindo exausta, mas satisfeita.
Passei o dia ajudando a distribuir alimentos e brinquedos para as crianças da comunidade. No entanto, uma sensação de inquietação ainda pairava sobre mim, a presença de Arthur ainda fresca na minha mente.
É melhor eu tirar ele da cabeça. Afinal, eu não voltaria a vê-lo nunca.
Ao chegar em casa, fui recebida pelo olhar severo da minha mãe, Jussara, e pelo semblante carrancudo do meu padrasto, Agenor.
— Onde você estava até essa hora, Amélia? — perguntou, as mãos na cintura, o rosto marcado por linhas de preocupação e frustração.
— Eu estava na ação social com o pessoal da igreja, mãe. — respondi, tentando manter a calma. — Eu falei com a senhora ontem.
— Você devia passar mais tempo em casa e sair apenas conosco. — Agenor acrescentou, a voz grave e autoritária. — O mundo está perigoso demais, ainda mais para uma jovem como você, Amélia.
Eu sentia nojo em escutar a voz de Agenor.
Será que minha mãe não percebia os comentários dele? Os olhares que ele me lançava?
— Eu já tenho 21 anos. Posso tomar as minhas próprias decisões. — repliquei, sentindo a tensão crescer dentro de mim.
— Você é sustentada por nós e deve nos respeitar. — Minha mãe respondeu com firmeza. — Enquanto viver debaixo do nosso teto, seguirá nossas regras. E fale direito com Agenor, ele é seu pai.
— Esse homem nunca será o meu pai, mãe. O meu morreu, caso não se lembre!
Senti as lágrimas começarem a se formar. Eu sabia que não adiantaria discutir. Minha mãe e Agenor eram inflexíveis em suas crenças e tinham uma visão muito rígida do que consideravam apropriado para mim. Qualquer tentativa de diálogo terminava em brigas ou longos sermões sobre obediência e respeito.
Sem dizer mais nada, subi para o meu quarto. Sentei na beirada da cama e deixei as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.
Por que minha vida não poderia ser diferente?
Ouvi uma leve batida na porta e levantei os olhos, limpando rapidamente as lágrimas.
Era Agenor.
Ele abriu a porta devagar, com uma expressão de preocupação que parecia quase genuína.
Falso!
— Posso entrar, Amélia? — ele perguntou, a voz mais suave do que de costume.
— Não, quero ficar sozinha. — respondi, tentando manter a voz firme.
Ele entrou de qualquer maneira, fechando a porta atrás de si.
— Estamos apenas preocupados com você. Não queremos que se machuque ou que se envolva em problemas. — ele disse, se aproximando.
Eu queria acreditar em suas palavras, mas havia algo na sua presença que me deixava desconfortável.
Desde que ele entrou em nossas vidas, sempre senti um desconforto em sua presença, uma sensação de que ele estava sempre me observando.
Ele se sentou ao meu lado na cama e colocou a mão no meu ombro, em um gesto que deveria parecer paternal, mas vindo dele, eu sabia que não era.
— Amélia, você sabe que eu e a sua mãe só queremos o melhor para você. — ele continuou, aproximando-se ainda mais.
Eu me afastei instintivamente, mas ele segurou meu braço.
— Agenor, por favor, eu realmente preciso de um tempo sozinha. — eu disse, minha voz tremendo. — Solta o meu braço!
Ele ignorou meu pedido e, de repente, tentou me beijar. Senti um calafrio percorrer minha espinha e me afastei bruscamente, empurrando-o.
— O que você está fazendo? — gritei, a voz cheia de pânico.
— Amélia, por favor, me escuta. Só queremos o seu bem, meu amor. — ele disse, tentando me segurar novamente. — Eu só quero cuidar de você. — disse enquanto tentava beijar a minha boca.
— Vou contar para minha mãe! — eu ameacei, tentando me libertar do seu aperto.
Agenor me soltou imediatamente, o rosto transformado em uma máscara de preocupação fingida.
— Não faça isso, Amélia. Você não quer criar problemas para ninguém. — ele disse, recuando.
— Sai do meu quarto! — mandei com a voz embargada.
Eu o encarei, o coração batendo acelerado, enquanto ele saía do quarto, fechando a porta atrás de si.
Sentei-me de volta na cama, sentindo uma mistura de medo e raiva.
Não podia acreditar no que acabara de acontecer.
Eu preciso sair daqui.
Deitei na cama, abraçando meu travesseiro enquanto lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto.
O comportamento de Agenor sempre foi inadequado, mas ele nunca havia cruzado uma linha tão claramente antes. Eu sabia que precisava contar à minha mãe, mas uma parte de mim temia que ela não acreditasse em mim. Ela era cega de amor por Agenor e confiava nele.
Como poderia convencer minha mãe de que o homem que ela amava e confiava estava se aproveitando de mim?
Enquanto essas questões me atormentavam, ouvi passos pesados subindo as escadas. Prendi a respiração, esperando que Agenor não tivesse voltado. Mas era minha mãe. Ela bateu na porta suavemente antes de entrar.
— Amélia, precisamos conversar. — disse ela, sentando-se na beirada da cama.
Eu me sentei, limpando as lágrimas com as costas da mão.
— O que foi, mãe? — perguntei, tentando parecer calma.
AMÉLIA— O Agenor me disse que você tá muito estressada e que anda muito nervosa, filha. — minha mãe começou, me observando. — Ele acha que talvez seja melhor você passar um tempo em casa, longe dessas ações sociais.Claro que Agenor diria algo assim. Ele estava tentando me afastar de tudo que me fazia feliz, me isolando de tudo e de todos.— Eu só quero ajudar as pessoas. Isso me faz feliz. — tentei explicar, limpando o resto das lágrimas.Minha mãe suspirou.— Eu entendo, Amélia. Mas você precisa entender que estamos preocupados com a sua segurança. — ela insistiu, colocando a mão sobre a minha. O gesto deveria ser reconfortante, mas me senti ainda mais sufocada. — E com seu futuro. Você precisa pensar em se preparar para um bom casamento, ter uma família. Não pode se distrair com essas coisas.Como se tudo que importasse fosse casar e seguir o caminho que esperavam de mim.— Mas, mãe, as ações são importantes para mim. — repliquei, frustrada.— Eu sei, mas você precisa confiar em n
AMÉLIADesde o dia em que vi Pesadelo na ação social, sabia que minha vida não seria mais a mesma. Ele parecia surgir em todos os lugares que eu frequentava na comunidade. Liliana estava cada vez mais preocupada e insistia que eu tomasse cuidado, mas havia algo dentro de mim que não conseguia ignorar a presença de Arthur.Ele estava lá quando ajudávamos a reconstruir a escola comunitária, observando de longe. Ele aparecia quando distribuíamos alimentos nas ruas mais carentes, sempre à distância, mas nunca longe demais.Liliana e eu conversávamos frequentemente sobre ele. Ela estava cada vez mais preocupada com minha segurança.Porém, por mais que fosse estranho, eu não tinha tanto medo quanto eu deveria ter de Arthur.— Amélia, você precisa tomar cuidado com esse homem. — ela dizia repetidamente.— Eu sei, Liliana. Mas não posso evitar o fato de que ele está sempre por perto. Ele não fez nada até agora, apenas observa.— Isso é o que me preocupa, amiga...Eu sabia que Liliana tinha r
AMÉLIAQuando cheguei em casa após mais um dia de trabalho na comunidade, encontrei Agenor sentado na sala, o olhar frio fixo em mim. Sabia que ele estava esperando uma oportunidade para me intimidar, e hoje não seria diferente.— Está tarde, Amélia. Onde você estava? — ele perguntou, sua voz carregada de sarcasmo.— Estava na ação social, ajudando quem precisa — respondi, tentando manter a calma.Ele levantou-se devagar e caminhou até mim, seus olhos brilhando com uma malícia que me deixava enjoada.— Ação social... — ele repetiu, cada palavra carregada de desdém. — Sempre a mesma historinha... Só a Jussara para acreditar nesse seu papinho.— Não estou me mentindo, Agenor. Estou ajudando as pessoas. Algo que você nunca entenderia — rebati, sem conseguir esconder minha irritação.Ele riu, um som seco e cruel, e deu mais um passo na minha direção, me encurralando contra a parede.— Você acha que é melhor que todo mundo, não é? A boa samaritana, a menina perfeita. Mas eu sei quem você r
AMÉLIAEu estava deitada na cama, soluçando baixinho enquanto tentava entender tudo o que havia acontecido. Cada lágrima que escapava dos meus olhos era como um peso a mais sobre meus ombros já cansados. A dor da discussão com a minha mãe ainda ressoava na minha mente.Eu não conseguia acreditar que ela não acreditava em mim, que ela estava disposta a me expulsar de casa em vez de ouvir o que eu tinha a dizer. Eu me sentia traída, magoada e incrivelmente sozinha.Eu não tinha ninguém em quem me apoiar. Todos os que eu conhecia faziam parte da igreja que minha mãe, Agenor e eu frequentávamos. Aos olhos de todos, erámos a família ideal, sem defeitos, sem problemas... Era tudo mentira.Pedir ajuda a algum deles não ia adiantar.A discussão com minha mãe foi um golpe profundo. Sua recusa em acreditar em mim, sua escolha em apoiar Agenor ao invés de me proteger, me deixava em um estado de desespero.Eu sempre pensei que minha mãe estaria ao meu lado, não importava o que acontecesse, mas su
AMÉLIAEu cheguei à comunidade com um nó apertado na garganta, os olhos ainda inchados de tanto chorar. O peso da discussão com minha mãe e Agenor ainda estava fresco em minha mente, uma ferida aberta que doía profundamente. Ao virar a esquina, esbarrei em Pesadelo, acompanhado por um homem que eu já tinha visto algumas vezes na comunidade, sempre ao lado dele. Uma mulher que eu nunca tinha visto antes também estava lá. Pesadelo deixou ela de lado rapidamente quando seus olhos encontraram os meus, percebendo imediatamente a aflição em meu rosto.Eu podia sentir meu coração batendo mais rápido ao vê-lo tão perto de outra mulher, e uma onda de ciúmes e desconforto me invadiu.Quem era ela?Ela era uma mulher esbelta e alta, com cabelos longos e pretos que caíam em ondas até o meio de suas costas. Os seus olhos escuros eram intensos, adornados por cílios longos e curvos, consequência do alojamento que ela tinha. A mulher também tinha lábios cheios e vermelhos, que pareciam sempre pront
[AUTORA]Pesadelo sentiu a mão de Larissa segurando o seu braço, tentando impedir ele de seguir Amélia. Ele se soltou com um movimento brusco, seu semblante endurecido pela frustração e pelo turbilhão de emoções que Amélia despertava nele.— Solta, Larissa. — Sua voz saiu áspera. Ele respirou fundo, tentando controlar a raiva.— Quem é aquela sem sal, Pesadelo?— Não te interessa! — falou alto. — Nunca mais ache que pode ter qualquer tipo de liberdade comigo, caralho! Que porra é essa de "amor", tá ficando maluca? Se enxerga!Larissa recuou, surpresa com a explosão de Pesadelo.— Você tá assim por causa dela? A gente é fixo, eu sou a tua...Pesadelo endureceu seu olhar.— Você não é caralho nenhum, entendeu? E vê se aprende a cuidar mais da tua vida, ou posso fazer você rodar, sua vagabunda. — ameaçou.— Calma aí, cara. — Maicon tentou acalmar ele.Larissa tinha estragado tudo!— Vou dar uma passada na casa da Liliana, Maicon. — avisou Arthur e Maicon apenas assentiu. Ele sabia que aq
AMÉLIA— O que você quer, Arthur? — Meu coração batia descompassado enquanto sussurrava as palavras, tentando manter minha voz firme, mas falhando miseravelmente.— Precisamos conversar. — Ele disse, seus olhos implorando por uma chance de se explicar. — Larissa não significa nada para mim. Nós não temos nada.Eu ergui a mão, interrompendo-o antes que ele pudesse continuar. Senti meu coração bater mais rápido, mas mantive minha expressão firme.— Arthur, você não precisa me explicar nada. — Minhas palavras saíram mais frias do que eu pretendia, mas eram necessárias. — Nós não temos nenhum tipo de relação, e nem vamos ter. Somos muito diferentes. — Cortei suas palavras com firmeza, sentindo um nó na garganta ao encará-lo nos olhos.A expressão dele mudou, endurecendo enquanto ele se aproximava mais.— Você não entende, Amélia. — A voz de Arthur saiu rouca, quase desesperada, enquanto dava um passo à frente, os olhos brilhando com uma intensidade que me assustou. — Você precisa me dar u
AMÉLIAO sol ainda nem tinha dado as caras quando acordei naquela manhã fria, mas mesmo assim senti que o dia seria um dia abençoado. Sempre gostei dessas manhãs tranquilas, quando o mundo ainda está despertando e tudo parece mais calmo.Vesti minha camiseta de voluntária, combinei com a saia jeans longa e joguei a mochila cheia de suprimentos nas costas. Meu destino era a comunidade onde a igreja realizaria mais uma ação social. O caminho era esburacado, cheio de subidas e ladeiras, mas eu estava feliz. Minha mente estava focada na missão do dia: ajudar, servir, fazer a diferença, nem que fosse só um pouco.Ajudar as pessoas era mais do que uma missão, era uma forma de demonstrar amor. Minha mãe sempre dizia que um coração generoso nunca volta vazio, e eu acreditava nisso com cada parte de mim.Meus olhos passeavam pelos barracos humildes, e eu imaginava famílias inteiras lutando todos os dias, sonhando com um futuro melhor. Se eu pudesse, faria muito mais por eles.Ao chegar à praça