AMÉLIA
— O Agenor me disse que você tá muito estressada e que anda muito nervosa, filha. — minha mãe começou, me observando. — Ele acha que talvez seja melhor você passar um tempo em casa, longe dessas ações sociais. Claro que Agenor diria algo assim. Ele estava tentando me afastar de tudo que me fazia feliz, me isolando de tudo e de todos. — Eu só quero ajudar as pessoas. Isso me faz feliz. — tentei explicar, limpando o resto das lágrimas. Minha mãe suspirou. — Eu entendo, Amélia. Mas você precisa entender que estamos preocupados com a sua segurança. — ela insistiu, colocando a mão sobre a minha. O gesto deveria ser reconfortante, mas me senti ainda mais sufocada. — E com seu futuro. Você precisa pensar em se preparar para um bom casamento, ter uma família. Não pode se distrair com essas coisas. Como se tudo que importasse fosse casar e seguir o caminho que esperavam de mim. — Mas, mãe, as ações são importantes para mim. — repliquei, frustrada. — Eu sei, mas você precisa confiar em nós. Nós sabemos o que é melhor para você. — ela concluiu, levantando-se e ajeitando o coque no cabelo. — Eu ouvi os seus gritos lá de baixo. Não fale mais assim com o Agenor. Seu olhar se tornou sério, um aviso claro. Agenor. Sempre ele. Eu não aguentei e desviei o olhar, incapaz de esconder o desprezo que sentia. — Está me ouvindo, Amélia? Assenti lentamente. Não valia a pena discutir. Minha mãe soltou um suspiro e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si. Assim que fiquei sozinha, me joguei na cama, encarando o teto. Sentia-me sufocada pelas expectativas deles. Pelas regras. Pelo controle. Por tudo. Eu precisava encontrar um jeito de fazer minha mãe entender sem destruir nossa relação. Mas como? Nos dias seguintes, tentei me ocupar o máximo possível. Fiz questão de passar mais tempo na igreja, envolvida com as ações sociais, ajudando no que fosse necessário. Mas não importava o quanto eu tentasse fugir… Agenor sempre parecia estar por perto. Ele encontrava maneiras de se aproximar de mim, sempre com uma desculpa para oferecer ajuda ou para mostrar preocupação. Cada vez que ele se aproximava, meu estômago revirava. Tentei evitá-lo o máximo possível, mas morando na mesma casa, era difícil escapar completamente. E ele sabia disso. Em um domingo à tarde, aproveitei que minha mãe estava na igreja e fui para a cozinha preparar algo para o almoço. Era um momento raro de paz. Ou pelo menos deveria ser. Estava distraída, cortando legumes, quando senti uma presença atrás de mim. Meu corpo enrijeceu. Eu sabia quem era antes mesmo de ele falar. — Precisa de ajuda? — Agenor perguntou, sua voz soando surpreendentemente amigável. Tentei manter a calma. — Não. — respondi, sem me virar. Mas ele ignorou minha resposta e começou a pegar pratos e talheres, colocando-os na mesa. — Amélia, você sabe que estamos apenas preocupados com você. — ele começou, aproximando-se lentamente. — Você é uma jovem tão bonita e temos medo de que algo de ruim possa acontecer. Eu apertei a faca nas mãos. — Não preciso da sua preocupação. — disse, com raiva. — Eu sei me cuidar. Ele soltou um riso baixo, como se achasse minha resposta engraçada. — Sei que sim, mas você é muito ingênua. — ele continuou, e eu senti que ele estava mais próximo agora. — E há pessoas que podem se aproveitar disso. Muito perto. — Como você? — as palavras escaparam antes que eu pudesse me conter. Ele parou por um momento. Então, um sorriso frio se formou em seus lábios. — Não fale assim comigo, Amélia. — ele disse, a voz baixando para um tom ameaçador. — Sou seu padrasto e mereço respeito. Meu estômago revirou com aquelas palavras. — Respeito é algo que se ganha, Agenor. — repliquei, virando-me para encará-lo. — Você tem sido inconveniente e desrespeitoso comigo. Eu quero que fique longe de mim, entendeu? O sorriso dele se alargou, mas não havia humor ali. — Você é muito jovem para entender o mundo, minha querida. — ele disse, aproximando-se ainda mais. Meu corpo congelou. — Se afaste! — minha voz saiu mais fraca do que eu queria. Mas ele não parou. Antes que eu pudesse reagir, ele colocou a mão na minha cintura, puxando-me para mais perto. O toque me fez gelar por dentro. Meu coração disparou, e eu tentei empurrá-lo, mas ele era muito forte. — Pare com isso! — gritei, a voz cheia de pânico. — Eu juro que chamo a polícia para você, seu abusador! Ele me soltou de repente, como se tivesse levado um choque. Por um momento, vi algo brilhar em seus olhos. Raiva. Frustração. Mas, acima de tudo… Frieza. — Cuidado com o que você diz, Amélia. — ele avisou, recuando lentamente. — Não quer causar problemas para sua mãe, quer? Eu o encarei, o coração batendo acelerado. Minha pele ainda formigava onde ele havia me tocado, e não de um jeito bom. Era como se a sujeira dele tivesse ficado impregnada em mim. — Pois então nunca mais toque em mim, ou eu juro que mando você para a cadeia! Minhas palavras saíram afiadas, carregadas de ódio e medo. Ele apenas sorriu, um sorriso torto, calculista. — Veremos. — foi tudo que disse antes de sair da cozinha. Assim que ele se foi, minhas pernas fraquejaram. Apoiei as mãos na pia, tentando recuperar o fôlego. Mas a verdade era que eu nunca me senti tão pequena e impotente antes. Eu precisava sair daquela situação. Mas como?AMÉLIADesde o dia em que vi Pesadelo na ação social, sabia que minha vida não seria mais a mesma. Ele parecia surgir em todos os lugares que eu frequentava na comunidade. Liliana estava cada vez mais preocupada e insistia que eu tomasse cuidado, mas havia algo dentro de mim que não conseguia ignorar a presença de Arthur.Ele estava lá quando ajudávamos a reconstruir a escola comunitária, observando de longe. Ele aparecia quando distribuíamos alimentos nas ruas mais carentes, sempre à distância, mas nunca longe demais.Liliana e eu conversávamos frequentemente sobre ele. Ela estava cada vez mais preocupada com minha segurança.Porém, por mais que fosse estranho, eu não tinha tanto medo quanto eu deveria ter de Arthur.— Amélia, você precisa tomar cuidado com esse homem. — ela dizia repetidamente.— Eu sei, Liliana. Mas não posso evitar o fato de que ele está sempre por perto. Ele não fez nada até agora, apenas observa.— Isso é o que me preocupa, amiga...Eu sabia que Liliana tinha r
AMÉLIAQuando cheguei em casa após mais um dia de trabalho na comunidade, encontrei Agenor sentado na sala, o olhar frio fixo em mim. Sabia que ele estava esperando uma oportunidade para me intimidar, e hoje não seria diferente.— Está tarde, Amélia. Onde você estava? — ele perguntou, sua voz carregada de sarcasmo.— Estava na ação social, ajudando quem precisa — respondi, tentando manter a calma.Ele levantou-se devagar e caminhou até mim, seus olhos brilhando com uma malícia que me deixava enjoada.— Ação social... — ele repetiu, cada palavra carregada de desdém. — Sempre a mesma historinha... Só a Jussara para acreditar nesse seu papinho.— Não estou me mentindo, Agenor. Estou ajudando as pessoas. Algo que você nunca entenderia — rebati, sem conseguir esconder minha irritação.Ele riu, um som seco e cruel, e deu mais um passo na minha direção, me encurralando contra a parede.— Você acha que é melhor que todo mundo, não é? A boa samaritana, a menina perfeita. Mas eu sei quem você r
AMÉLIAEu estava deitada na cama, soluçando baixinho enquanto tentava entender tudo o que havia acontecido. Cada lágrima que escapava dos meus olhos era como um peso a mais sobre meus ombros já cansados. A dor da discussão com a minha mãe ainda ressoava na minha mente.Eu não conseguia acreditar que ela não acreditava em mim, que ela estava disposta a me expulsar de casa em vez de ouvir o que eu tinha a dizer. Eu me sentia traída, magoada e incrivelmente sozinha.Eu não tinha ninguém em quem me apoiar. Todos os que eu conhecia faziam parte da igreja que minha mãe, Agenor e eu frequentávamos. Aos olhos de todos, erámos a família ideal, sem defeitos, sem problemas... Era tudo mentira.Pedir ajuda a algum deles não ia adiantar.A discussão com minha mãe foi um golpe profundo. Sua recusa em acreditar em mim, sua escolha em apoiar Agenor ao invés de me proteger, me deixava em um estado de desespero.Eu sempre pensei que minha mãe estaria ao meu lado, não importava o que acontecesse, mas su
AMÉLIAEu cheguei à comunidade com um nó apertado na garganta, os olhos ainda inchados de tanto chorar. O peso da discussão com minha mãe e Agenor ainda estava fresco em minha mente, uma ferida aberta que doía profundamente. Ao virar a esquina, esbarrei em Pesadelo, acompanhado por um homem que eu já tinha visto algumas vezes na comunidade, sempre ao lado dele. Uma mulher que eu nunca tinha visto antes também estava lá. Pesadelo deixou ela de lado rapidamente quando seus olhos encontraram os meus, percebendo imediatamente a aflição em meu rosto.Eu podia sentir meu coração batendo mais rápido ao vê-lo tão perto de outra mulher, e uma onda de ciúmes e desconforto me invadiu.Quem era ela?Ela era uma mulher esbelta e alta, com cabelos longos e pretos que caíam em ondas até o meio de suas costas. Os seus olhos escuros eram intensos, adornados por cílios longos e curvos, consequência do alojamento que ela tinha. A mulher também tinha lábios cheios e vermelhos, que pareciam sempre pront
[AUTORA]Pesadelo sentiu a mão de Larissa segurando o seu braço, tentando impedir ele de seguir Amélia. Ele se soltou com um movimento brusco, seu semblante endurecido pela frustração e pelo turbilhão de emoções que Amélia despertava nele.— Solta, Larissa. — Sua voz saiu áspera. Ele respirou fundo, tentando controlar a raiva.— Quem é aquela sem sal, Pesadelo?— Não te interessa! — falou alto. — Nunca mais ache que pode ter qualquer tipo de liberdade comigo, caralho! Que porra é essa de "amor", tá ficando maluca? Se enxerga!Larissa recuou, surpresa com a explosão de Pesadelo.— Você tá assim por causa dela? A gente é fixo, eu sou a tua...Pesadelo endureceu seu olhar.— Você não é caralho nenhum, entendeu? E vê se aprende a cuidar mais da tua vida, ou posso fazer você rodar, sua vagabunda. — ameaçou.— Calma aí, cara. — Maicon tentou acalmar ele.Larissa tinha estragado tudo!— Vou dar uma passada na casa da Liliana, Maicon. — avisou Arthur e Maicon apenas assentiu. Ele sabia que aq
AMÉLIA— O que você quer, Arthur? — Meu coração batia descompassado enquanto sussurrava as palavras, tentando manter minha voz firme, mas falhando miseravelmente.— Precisamos conversar. — Ele disse, seus olhos implorando por uma chance de se explicar. — Larissa não significa nada para mim. Nós não temos nada.Eu ergui a mão, interrompendo-o antes que ele pudesse continuar. Senti meu coração bater mais rápido, mas mantive minha expressão firme.— Arthur, você não precisa me explicar nada. — Minhas palavras saíram mais frias do que eu pretendia, mas eram necessárias. — Nós não temos nenhum tipo de relação, e nem vamos ter. Somos muito diferentes. — Cortei suas palavras com firmeza, sentindo um nó na garganta ao encará-lo nos olhos.A expressão dele mudou, endurecendo enquanto ele se aproximava mais.— Você não entende, Amélia. — A voz de Arthur saiu rouca, quase desesperada, enquanto dava um passo à frente, os olhos brilhando com uma intensidade que me assustou. — Você precisa me dar u
AMÉLIAO sol ainda nem tinha dado as caras quando acordei naquela manhã fria, mas mesmo assim senti que o dia seria um dia abençoado. Sempre gostei dessas manhãs tranquilas, quando o mundo ainda está despertando e tudo parece mais calmo.Vesti minha camiseta de voluntária, combinei com a saia jeans longa e joguei a mochila cheia de suprimentos nas costas. Meu destino era a comunidade onde a igreja realizaria mais uma ação social. O caminho era esburacado, cheio de subidas e ladeiras, mas eu estava feliz. Minha mente estava focada na missão do dia: ajudar, servir, fazer a diferença, nem que fosse só um pouco.Ajudar as pessoas era mais do que uma missão, era uma forma de demonstrar amor. Minha mãe sempre dizia que um coração generoso nunca volta vazio, e eu acreditava nisso com cada parte de mim.Meus olhos passeavam pelos barracos humildes, e eu imaginava famílias inteiras lutando todos os dias, sonhando com um futuro melhor. Se eu pudesse, faria muito mais por eles.Ao chegar à praça
AMÉLIAEra difícil imaginar alguém com aquele semblante implacável atendendo por um nome tão... comum.— Arthur... — murmurei para mim mesma, testando o nome em meus lábios.Liliana me observava com uma mistura de preocupação e curiosidade.— Você tá falando o nome dele por quê? — ela perguntou, franzindo a testa.— Só achei curioso. — dei de ombros, mas minha mente continuava presa naquilo.— Amélia, você tá brincando com fogo. — Ela alertou nem um pouco contente com aquilo. — Não é um cara com quem você deva ter "curiosidades".Assenti, tentando ignorar a presença inquietante de Arthur. Mas minha mente não parava de questionar.O que teria levado um homem chamado Arthur a se tornar o Pesadelo?— Você já conversou com ele? — perguntei, minha curiosidade não deixando espaço para o bom senso.Liliana me olhou como se eu estivesse louca.— Claro que não, Amélia. Não se deve conversar com ele. Ele é perigoso. Melhor manter distância.— Mas... você sabe alguma coisa sobre ele?Liliana sus