AMÉLIA
Desde o dia em que vi Pesadelo na ação social, sabia que minha vida não seria mais a mesma. Ele parecia surgir em todos os lugares que eu frequentava na comunidade. Liliana estava cada vez mais preocupada e insistia que eu tomasse cuidado, mas havia algo dentro de mim que não conseguia ignorar a presença de Arthur. Ele estava lá quando ajudávamos a reconstruir a escola comunitária, observando de longe. Ele aparecia quando distribuíamos alimentos nas ruas mais carentes, sempre à distância, mas nunca longe demais. Liliana e eu conversávamos frequentemente sobre ele. Ela estava cada vez mais preocupada com minha segurança. Porém, por mais que fosse estranho, eu não tinha tanto medo quanto eu deveria ter de Arthur. — Amélia, você precisa tomar cuidado com esse homem. — ela dizia repetidamente. — Eu sei, Liliana. Mas não posso evitar o fato de que ele está sempre por perto. Ele não fez nada até agora, apenas observa. — Isso é o que me preocupa, amiga... Eu sabia que Liliana tinha razão. Não era a mesma sensação que eu sentia quando pegava o nojento do Agenor me observando. Com Arthur era diferente. Ele não era como eu imaginava. Foi numa tarde ensolarada, enquanto eu ajudava na distribuição de alimentos na praça central, que ele se aproximou de mim pela primeira vez. Eu estava organizando sacolas de mantimentos quando senti alguém atrás de mim. — Posso falar contigo? — sua voz era mais grossa do que eu pensava. Me virei devagar. — Precisa de alguma coisa? — agradeci por não gaguejar quando disse aquilo. Ele sorriu de lado, um sorriso que não alcançava os olhos. — Só queria conversar. Tava observando você de longe e... você é muito bonita, sabia, Amélia? Tentei manter minha postura. — Agradeço pelo elogio, Arthur, mas eu não entendo o porquê disso. Ele levantou uma sobrancelha, surpreso por eu usar seu nome verdadeiro. — Parece que você já me conhece. — constatou. — Isso é injusto, porque eu não sei nada de você. Antes que eu pudesse responder, ele segurou meu braço, não de maneira violenta, mas firme o suficiente para me fazer perceber que não tinha escolha, e me levou para um canto mais afastado, longe dos olhares curiosos. — Vamos ser sinceros, eu sei que você tem medo de mim, Amélia. Mas quero que saiba que não tenho a intenção de te machucar. — Para com isso! — mandei, tentando me soltar. Fiquei assustada. O que ele estava falando? — Por que eu? — perguntei, tentando entender suas motivações. — Porque eu quero. — confessou. — Você me intriga e eu quero saber o porquê disso, garota! — Você sabe que as nossas vidas são muito diferentes, certo? — perguntei, tentando apelar para a razão enquanto buscava manter uma distância segura entre nós. Eu lembrava dos conselhos da Liliana e tentava me convencer de que seria melhor não ter qualquer tipo de contato com ele. Arthur assentiu lentamente, seu olhar intenso ainda fixo no meu rosto. — Sei disso. Mas isso não significa que a gente não possa. Não tô pedindo nada sério, só quero passar um tempo com você — sua voz era suave, tentadora, como se ele estivesse oferecendo algo mais do que simples companhia. Meu instinto me dizia para recusar, para afastá-lo, mas havia algo na sua insistência que me fazia hesitar. — Eu não sou assim! — respondi imediatamente, um leve tom de ofensa na minha voz ao considerar aquela proposta. Não satisfeita, continuei, buscando deixar clara minha resposta: — Eu só quero que me deixe fazer o bem a essas pessoas. Que me deixe fazer isso em paz. Ele assentiu novamente, os olhos nunca deixando os meus. — Acho que você precisa de um tempo. Mas eu não vou desistir de você, Amélia — avisou Arthur, me deixando arrepiada. — Eu quero você, e eu vou ter você. Meu coração disparou. Será que ele seria capaz de me machucar? Antes que eu pudesse responder, ouvi passos apressados atrás de mim. Liliana apareceu, o rosto tomado pela preocupação. — Amélia, tá tudo bem, amiga? — A voz dela soou alarmada, e seus olhos passaram de mim para Arthur com desconfiança. Tentei me soltar do aperto dele, e, para minha surpresa, ele me soltou sem resistir. Dei dois passos para trás, meu corpo ainda tremendo. — Si-sim. Tá tudo bem. — Gaguejei, sentindo o olhar afiado de Arthur sobre mim. Ele não disse nada, apenas me observou por alguns segundos antes de se afastar lentamente, como se soubesse que aquele não era o fim da conversa. — O que ele queria? — perguntou Liliana assim que ele saiu de vista. Passei a língua pelos lábios, ainda sentindo a secura na boca. — Ele só queria conversar — respondi, tentando soar natural, mas a tremedeira na minha voz me entregou. Liliana estreitou os olhos. — Só isso? — Ela não acreditou nem por um segundo. — O que tá acontecendo entre você e ele? Engoli em seco. — Eu… Eu não sei. — Como assim não sabe? — perguntou, curiosa. — Ele estava estranho, e você está tremendo. Se ele te ameaçou, eu juro que… — Não foi uma ameaça — cortei rapidamente, ainda que não tivesse certeza. Liliana ficou em silêncio por um momento, analisando meu rosto. — Você tem certeza? Eu sabia que ela estava certa em se preocupar. — É complicado, amiga — sussurrei. — Eu não sei o que pensar, Liliana. Ela suspirou e segurou minha mão. — Se cuida, tá? Eu assenti, mas enquanto saíamos dali, o desconforto só aumentava. Parte de mim sabia que deveria fugir, mas outra parte… Ah, a outra parte queria saber até onde Arthur estava disposto a ir para me ter.AMÉLIAQuando cheguei em casa após mais um dia de trabalho na comunidade, encontrei Agenor sentado na sala, o olhar frio fixo em mim. Sabia que ele estava esperando uma oportunidade para me intimidar, e hoje não seria diferente.— Está tarde, Amélia. Onde você estava? — ele perguntou, sua voz carregada de sarcasmo.— Estava na ação social, ajudando quem precisa — respondi, tentando manter a calma.Ele levantou-se devagar e caminhou até mim, seus olhos brilhando com uma malícia que me deixava enjoada.— Ação social... — ele repetiu, cada palavra carregada de desdém. — Sempre a mesma historinha... Só a Jussara para acreditar nesse seu papinho.— Não estou me mentindo, Agenor. Estou ajudando as pessoas. Algo que você nunca entenderia — rebati, sem conseguir esconder minha irritação.Ele riu, um som seco e cruel, e deu mais um passo na minha direção, me encurralando contra a parede.— Você acha que é melhor que todo mundo, não é? A boa samaritana, a menina perfeita. Mas eu sei quem você r
AMÉLIAEu estava deitada na cama, soluçando baixinho enquanto tentava entender tudo o que havia acontecido. Cada lágrima que escapava dos meus olhos era como um peso a mais sobre meus ombros já cansados. A dor da discussão com a minha mãe ainda ressoava na minha mente.Eu não conseguia acreditar que ela não acreditava em mim, que ela estava disposta a me expulsar de casa em vez de ouvir o que eu tinha a dizer. Eu me sentia traída, magoada e incrivelmente sozinha.Eu não tinha ninguém em quem me apoiar. Todos os que eu conhecia faziam parte da igreja que minha mãe, Agenor e eu frequentávamos. Aos olhos de todos, erámos a família ideal, sem defeitos, sem problemas... Era tudo mentira.Pedir ajuda a algum deles não ia adiantar.A discussão com minha mãe foi um golpe profundo. Sua recusa em acreditar em mim, sua escolha em apoiar Agenor ao invés de me proteger, me deixava em um estado de desespero.Eu sempre pensei que minha mãe estaria ao meu lado, não importava o que acontecesse, mas su
AMÉLIAEu cheguei à comunidade com um nó apertado na garganta, os olhos ainda inchados de tanto chorar. O peso da discussão com minha mãe e Agenor ainda estava fresco em minha mente, uma ferida aberta que doía profundamente. Ao virar a esquina, esbarrei em Pesadelo, acompanhado por um homem que eu já tinha visto algumas vezes na comunidade, sempre ao lado dele. Uma mulher que eu nunca tinha visto antes também estava lá. Pesadelo deixou ela de lado rapidamente quando seus olhos encontraram os meus, percebendo imediatamente a aflição em meu rosto.Eu podia sentir meu coração batendo mais rápido ao vê-lo tão perto de outra mulher, e uma onda de ciúmes e desconforto me invadiu.Quem era ela?Ela era uma mulher esbelta e alta, com cabelos longos e pretos que caíam em ondas até o meio de suas costas. Os seus olhos escuros eram intensos, adornados por cílios longos e curvos, consequência do alojamento que ela tinha. A mulher também tinha lábios cheios e vermelhos, que pareciam sempre pront
[AUTORA]Pesadelo sentiu a mão de Larissa segurando o seu braço, tentando impedir ele de seguir Amélia. Ele se soltou com um movimento brusco, seu semblante endurecido pela frustração e pelo turbilhão de emoções que Amélia despertava nele.— Solta, Larissa. — Sua voz saiu áspera. Ele respirou fundo, tentando controlar a raiva.— Quem é aquela sem sal, Pesadelo?— Não te interessa! — falou alto. — Nunca mais ache que pode ter qualquer tipo de liberdade comigo, caralho! Que porra é essa de "amor", tá ficando maluca? Se enxerga!Larissa recuou, surpresa com a explosão de Pesadelo.— Você tá assim por causa dela? A gente é fixo, eu sou a tua...Pesadelo endureceu seu olhar.— Você não é caralho nenhum, entendeu? E vê se aprende a cuidar mais da tua vida, ou posso fazer você rodar, sua vagabunda. — ameaçou.— Calma aí, cara. — Maicon tentou acalmar ele.Larissa tinha estragado tudo!— Vou dar uma passada na casa da Liliana, Maicon. — avisou Arthur e Maicon apenas assentiu. Ele sabia que aq
AMÉLIA— O que você quer, Arthur? — Meu coração batia descompassado enquanto sussurrava as palavras, tentando manter minha voz firme, mas falhando miseravelmente.— Precisamos conversar. — Ele disse, seus olhos implorando por uma chance de se explicar. — Larissa não significa nada para mim. Nós não temos nada.Eu ergui a mão, interrompendo-o antes que ele pudesse continuar. Senti meu coração bater mais rápido, mas mantive minha expressão firme.— Arthur, você não precisa me explicar nada. — Minhas palavras saíram mais frias do que eu pretendia, mas eram necessárias. — Nós não temos nenhum tipo de relação, e nem vamos ter. Somos muito diferentes. — Cortei suas palavras com firmeza, sentindo um nó na garganta ao encará-lo nos olhos.A expressão dele mudou, endurecendo enquanto ele se aproximava mais.— Você não entende, Amélia. — A voz de Arthur saiu rouca, quase desesperada, enquanto dava um passo à frente, os olhos brilhando com uma intensidade que me assustou. — Você precisa me dar u
AMÉLIAO sol ainda nem tinha dado as caras quando acordei naquela manhã fria, mas mesmo assim senti que o dia seria um dia abençoado. Sempre gostei dessas manhãs tranquilas, quando o mundo ainda está despertando e tudo parece mais calmo.Vesti minha camiseta de voluntária, combinei com a saia jeans longa e joguei a mochila cheia de suprimentos nas costas. Meu destino era a comunidade onde a igreja realizaria mais uma ação social. O caminho era esburacado, cheio de subidas e ladeiras, mas eu estava feliz. Minha mente estava focada na missão do dia: ajudar, servir, fazer a diferença, nem que fosse só um pouco.Ajudar as pessoas era mais do que uma missão, era uma forma de demonstrar amor. Minha mãe sempre dizia que um coração generoso nunca volta vazio, e eu acreditava nisso com cada parte de mim.Meus olhos passeavam pelos barracos humildes, e eu imaginava famílias inteiras lutando todos os dias, sonhando com um futuro melhor. Se eu pudesse, faria muito mais por eles.Ao chegar à praça
AMÉLIAEra difícil imaginar alguém com aquele semblante implacável atendendo por um nome tão... comum.— Arthur... — murmurei para mim mesma, testando o nome em meus lábios.Liliana me observava com uma mistura de preocupação e curiosidade.— Você tá falando o nome dele por quê? — ela perguntou, franzindo a testa.— Só achei curioso. — dei de ombros, mas minha mente continuava presa naquilo.— Amélia, você tá brincando com fogo. — Ela alertou nem um pouco contente com aquilo. — Não é um cara com quem você deva ter "curiosidades".Assenti, tentando ignorar a presença inquietante de Arthur. Mas minha mente não parava de questionar.O que teria levado um homem chamado Arthur a se tornar o Pesadelo?— Você já conversou com ele? — perguntei, minha curiosidade não deixando espaço para o bom senso.Liliana me olhou como se eu estivesse louca.— Claro que não, Amélia. Não se deve conversar com ele. Ele é perigoso. Melhor manter distância.— Mas... você sabe alguma coisa sobre ele?Liliana sus
AMÉLIAJá estava escuro quando voltei da ação social, me sentindo exausta, mas satisfeita.Passei o dia ajudando a distribuir alimentos e brinquedos para as crianças da comunidade. No entanto, uma sensação de inquietação ainda pairava sobre mim, a presença de Arthur ainda fresca na minha mente.É melhor eu tirar ele da cabeça. Afinal, eu não voltaria a vê-lo nunca.Ao chegar em casa, fui recebida pelo olhar severo da minha mãe, Jussara, e pelo semblante carrancudo do meu padrasto, Agenor.— Onde você estava até essa hora, Amélia? — perguntou, as mãos na cintura, o rosto marcado por linhas de preocupação e frustração.— Eu estava na ação social com o pessoal da igreja, mãe. — respondi, tentando manter a calma. — Eu falei com a senhora ontem.— Você devia passar mais tempo em casa e sair apenas conosco. — Agenor acrescentou, a voz grave e autoritária. — O mundo está perigoso demais, ainda mais para uma jovem como você, Amélia.Eu sentia nojo em escutar a voz de Agenor.Será que minha mã