AMÉLIA— Você está sozinha, mãe? — perguntei, notando a ausência de Agenor.Minha mãe balançou a cabeça, concordando, mas seu olhar estava cheio de hesitação.— Sim, estou. — ela disse, e então, depois de um momento de silêncio, acrescentou: — Agenor e eu começamos a brigar muito depois que você foi embora. Assim que eu pedi o divórcio, ele foi preso.Fiquei surpresa.— Por quê?Minha mãe suspirou.— Estupro de vulnerável. Foi pego em flagrante molestando duas crianças da igreja.Senti um nó se formar na minha garganta. Embora soubesse que algo assim poderia acontecer, ouvir as palavras de minha mãe tornou tudo ainda mais real. — Eu sabia que algo assim iria acontecer uma hora ou outra. — sussurrei, mais para mim mesma do que para ela.— Você está indo visitar ele? — perguntei, embora já soubesse a resposta.Minha mãe negou veementemente. Mais um vez ficou surpresa.— Não. Já estávamos separados há um tempo quando isso aconteceu e logo depois, o divórcio saiu.Houve um momento de sil
AMÉLIAMinha mãe abaixou a cabeça, eu podia ver a culpa e a vergonha no seu rosto. Eu podia ver que as palavras do Arthur a machucavam, e mesmo assim ela não contestou. Em vez disso, levantou a cabeça novamente e olhou diretamente para ele.— Deixe, filha. É a verdade. — disse ela, sua voz fraca, mas firme. — Eu falhei com Amélia de maneiras que nunca poderei perdoar a mim mesma. Eu deveria ter visto o que estava acontecendo, deveria ter protegido a minha filha. Mas fui cega e fraca. — fez uma pausa, engolindo em seco antes de continuar. — Mas quero que saiba que eu vou fazer de tudo para recuperar a confiança dela... E fazer com que você também acredite em mim, Arthur.Arthur ainda parecia relutante, mas o olhar da minha mãe o fez parar por um momento.— Vou provar a vocês que sou capaz de mudar, de ser uma mãe melhor, uma pessoa melhor. — ela disse, olhando para mim com uma expressão de súplica. — Eu sei que não mereço perdão, mas vou lutar para reconquistar sua confiança, Amélia.A
JUSSARAO sol brilhava intensamente sobre o quintal da casa de Arthur e Amélia, onde um churrasco animado estava em pleno andamento. A churrasqueira estava acesa, e o cheiro de carne grelhando se misturava com as risadas.Eu observava todos, tentando me sentir parte daquele momento, mas a verdade era que me sentia deslocada. Minha filha estava à vontade, conversando com os amigos e rindo com Arthur.Eles pareciam tão felizes.Olhei ao redor e vi dois homens e uma mulher. Amélia tinha dito que aquela era Liliana, mas os outros dois eu não lembrava o nome.Era como se todos ali tivessem um lugar, menos eu. A única que conversava comigo era minha filha.— Mãe, você tá bem? — Amélia perguntou, percebendo meu desconforto.— Tô sim, filha. — respondi, forçando um sorriso. — Só um pouco cansada. Acho que daqui a pouquinho vou embora.Eu olhava ao redor, vendo os outros se divertirem, e me sentia ainda mais diferente, fora do lugar.— Acho que o carvão tá acabando. Vou buscar mais lá dentro.
JUSSARAOlhei para o relógio, buscando uma desculpa para ir embora. Não queria atrapalhar a diversão de ninguém, muito menos da minha filha.Era exatamente 16h20.Resolvi que já era hora de ir embora.Levantei os olhos e vi PH conversando com Arthur e Maicon, cujo nome eu não lembrava, mas que Amélia tinha me dito há pouco. PH sempre dava um jeito de me olhar durante a conversa, e eu não gostava de como isso me fazia sentir. Algo dentro de mim, adormecido há anos, parecia despertar. Uma sensação de calor no estômago, um nervosismo que eu não conseguia controlar.Nossos olhares se encontraram por um momento, e senti uma corrente elétrica passar por mim. O rosto dele estava sério, mas eu sabia que era tudo fingimento. Ele sabia o efeito que tinha sobre mim e parecia se divertir com isso.Seus olhos passearam lentamente pelo meu corpo, fazendo eu me sentir exposta e vulnerável. Meu coração acelerou, e eu tive que desviar o olhar, tentando recuperar a compostura. PH arqueou uma sobrancelh
AMÉLIAEstávamos deitados no sofá da sala, aproveitando a noite tranquila. Eu estava aninhada no peito de Arthur, sentindo o calor e o conforto de estar nos braços dele. A TV estava ligada, mas eu mal prestava atenção ao filme que passava. Era apenas um ruído de fundo, algo para preencher o silêncio enquanto minha mente vagava pelas lembranças de tudo o que tínhamos passado para chegar até aqui.Eu sentia a respiração calma de Arthur contra o meu cabelo, o ritmo constante do seu peito subindo e descendo sob minha cabeça. Era um som reconfortante, que me trazia uma sensação de segurança. Eu me lembrava de como ele sempre esteve lá para mim, mesmo quando eu me sentia perdida e assustada.Minhas lembranças me levaram de volta ao dia em que nos vimos pela primeira vez. Eu era apenas uma garota assustada, ajudando em uma ação social na comunidade.Nunca imaginei que aquele encontro mudaria minha vida para sempre.Arthur, o dono do morro, parecia tão distante, tão inacessível... tão perigos
AMÉLIANos meses que se seguiram, nossa vida mudou de formas que nunca imaginamos. O amor do Arthur e a dedicação dele se intensificaram ainda mais. Ele fazia questão de estar presente em todas as consultas médicas, cuidando de mim com uma ternura que poucos conheciam. Nossa casa, que antes parecia tão grande e vazia, agora estava cheia de risos, preparativos e expectativas.Nosso pequeno milagre estava bem próximo.Mas enquanto nossa felicidade crescia, percebi mudanças ao nosso redor que não consegui ignorar. Havia algo no ar.Minha mãe estava diferente. Ela parecia mais leve, mais viva, quase como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros.No entanto, eu não podia ignorar os momentos estranhos que flagrava entre ela e PH. Não era só minha imaginação, havia algo ali, eu sentia isso.Os olhares prolongados que trocavam, cheios de significados não ditos, os sorrisos disfarçados que escapavam quando pensavam que ninguém estava olhando.Houve uma vez, em particular, que não consegui
AMÉLIAO sol ainda nem tinha dado as caras quando acordei naquela manhã fria, mas mesmo assim senti que o dia seria um dia abençoado. Sempre gostei dessas manhãs tranquilas, quando o mundo ainda está despertando e tudo parece mais calmo.Vesti minha camiseta de voluntária, combinei com a saia jeans longa e joguei a mochila cheia de suprimentos nas costas. Meu destino era a comunidade onde a igreja realizaria mais uma ação social. O caminho era esburacado, cheio de subidas e ladeiras, mas eu estava feliz. Minha mente estava focada na missão do dia: ajudar, servir, fazer a diferença, nem que fosse só um pouco.Ajudar as pessoas era mais do que uma missão, era uma forma de demonstrar amor. Minha mãe sempre dizia que um coração generoso nunca volta vazio, e eu acreditava nisso com cada parte de mim.Meus olhos passeavam pelos barracos humildes, e eu imaginava famílias inteiras lutando todos os dias, sonhando com um futuro melhor. Se eu pudesse, faria muito mais por eles.Ao chegar à praça
AMÉLIA Era difícil imaginar alguém com aquele semblante implacável atendendo por um nome tão... comum. — Arthur... — murmurei para mim mesma, testando o nome em meus lábios. Liliana me observava com uma mistura de preocupação e curiosidade. — Você tá falando o nome dele por quê? — ela perguntou, franzindo a testa. — Só achei curioso. — dei de ombros, mas minha mente continuava presa naquilo. — Amélia, você tá brincando com fogo. — Ela alertou nem um pouco contente com aquilo. — Não é um cara com quem você deva ter "curiosidades". Assenti, tentando ignorar a presença inquietante de Arthur. Mas minha mente não parava de questionar. O que teria levado um homem chamado Arthur a se tornar o Pesadelo? — Você já conversou com ele? — perguntei, minha curiosidade não deixando espaço para o bom senso. Liliana me olhou como se eu estivesse louca. — Claro que não, Amélia. Não se deve conversar com ele. Ele é perigoso. Melhor manter distância. — Mas... você sabe alguma coisa sobre ele?