AMÉLIA
Quando cheguei em casa após mais um dia de trabalho na comunidade, encontrei Agenor sentado na sala, o olhar frio fixo em mim. Sabia que ele estava esperando uma oportunidade para me intimidar, e hoje não seria diferente. — Está tarde, Amélia. Onde você estava? — ele perguntou, sua voz carregada de sarcasmo. — Estava na ação social, ajudando quem precisa — respondi, tentando manter a calma. Ele levantou-se devagar e caminhou até mim, seus olhos brilhando com uma malícia que me deixava enjoada. — Ação social... — ele repetiu, cada palavra carregada de desdém. — Sempre a mesma historinha... Só a Jussara para acreditar nesse seu papinho. — Não estou me mentindo, Agenor. Estou ajudando as pessoas. Algo que você nunca entenderia — rebati, sem conseguir esconder minha irritação. Ele riu, um som seco e cruel, e deu mais um passo na minha direção, me encurralando contra a parede. — Você acha que é melhor que todo mundo, não é? A boa samaritana, a menina perfeita. Mas eu sei quem você realmente é, Amélia. E sei que você está mentindo sobre mim para sua mãe. — Eu nunca menti sobre você! — explodi, sentindo a raiva ferver dentro de mim. — Você é o problema aqui, Agenor. Você sempre foi! Ele agarrou meu braço, apertando com força suficiente para me machucar. — Cuidado com as palavras, menina. Não sabe com quem está lidando — sussurrou, o sorriso cruel nunca deixando seu rosto. Puxei meu braço de volta, o medo e a raiva misturados em meu peito. — Você não me assusta, Agenor. E não vou deixar você continuar me intimidando. Vou falar com minha mãe e vamos embora daqui. Ele soltou uma gargalhada, um som que reverberou pelas paredes da casa. — Você acha que ela vai acreditar em você? Acha que ela vai abandonar tudo por você e as suas mentiras? Você não é nada, Amélia. Nada! Fugi para o meu quarto, trancando a porta atrás de mim. As palavras de Agenor ecoavam na minha mente, mas eu sabia que não podia deixar o medo me paralisar. Precisava confrontar minha mãe e contar a verdade, mesmo que ela não acreditasse em mim. Naquela noite, reuni toda a coragem que tinha e fui até minha mãe, que estava na cozinha preparando o jantar. — Mãe, preciso falar com você — comecei, minha voz trêmula Ela olhou para mim com uma mistura de surpresa e irritação. — O que foi agora, Amélia? Estou ocupada. — Eu não posso mais ficar aqui com o Agenor. Ele me faz sentir desconfortável, e eu não aguento mais. Precisamos ir embora, mãe. Podemos começar a vida em outro lugar — despejei de uma vez, tentando controlar as lágrimas. Ela parou o que estava fazendo e me encarou, então bufou, irritada. — Você está exagerando. Agenor é um homem bom, que cuida de nós. Sempre foi assim desde que entrou nas nossas vidas. — Balancei a cabeça, não acreditando naquilo. — Eu sinto medo dele, mãe, e não consigo mais ignorar isso. Ela me olhou, incrédula. — Você está inventando essas coisas porque nunca gostou do Agenor? Sempre foi assim desde que nos casamos! — Senti um nó se formar em minha garganta — O que você está dizendo, Amélia? Isso é ridículo! Você está inventando essas coisas porque nunca gostou do Agenor. Sempre fez de tudo para criar problemas entre nós. — Não é verdade, mãe! — protestei, sentindo a frustração e a dor em cada palavra. — Ele não é quem você pensa que é. Ele... ele não me trata bem. Antes que pudesse continuar, ela levantou a mão, interrompendo-me com um gesto severo. Ela me encarou por um momento, os olhos buscando os meus em silêncio. Então, um sorriso cético se formou em seus lábios. — Chega, Amélia! Eu não quero ouvir mais nada! Você está mentindo e tentando envenenar meu casamento. Se continuar com essas histórias, terá que ir embora desta casa. Não vou tolerar mais essas mentiras. Agenor, que até então estava sentado na sala, apareceu na porta da cozinha. Seu sorriso debochado me deixou nauseada. — Parece que temos uma pequena rebelde aqui, não é? — ele disse, sua voz gotejando sarcasmo. — Sempre quis que você me visse como um pai, mas sempre veio com quatro pedras na mão, infelizmente. Minha mãe olhou para ele e depois para mim, seu rosto endurecendo ainda mais. — Você ouviu, Amélia. Se não pode viver em paz nesta casa, então talvez seja melhor você procurar outro lugar para viver. Olhei para minha mãe, implorando silenciosamente por algum sinal de compreensão, mas não encontrei. — Muito bem, mãe — sussurrei, minhas mãos tremendo. — Se é isso que você quer, então eu vou embora. Eu não sabia para onde iria, mas sabia que não podia mais viver sob o mesmo teto que Agenor. E, embora a rejeição da minha mãe fosse um golpe duro, a promessa de liberdade me deu uma força inesperada. Enquanto colocava minhas roupas na mala, uma determinação nova se formava dentro de mim. Eu iria encontrar um lugar para mim, onde pudesse viver sem medo. E, de alguma forma, eu iria sobreviver a isso. — Amélia, pare de fazer drama. Você não vai a lugar nenhum. — disse Agenor, com um tom áspero. Olhei para minha mãe. — Você precisa parar com isso, Amélia. Não vou permitir que destrua nossa família com suas mentiras e fantasias. Engoli em seco. — Mãe, eu não estou inventando nada. Só estou tentando dizer o que sinto, ele... — Chega, Amélia! — interrompeu Agenor, avançando em direção às minhas roupas no armário.— Você vai guardar suas coisas agora mesmo e acabou com essa bobagem. Sentindo-me sem saída, olhei para minha mãe em busca de apoio, mas encontrei apenas um olhar duro. Com lágrimas nos olhos, comecei a recolher minhas roupas.AMÉLIAEu estava deitada na cama, soluçando baixinho enquanto tentava entender tudo o que havia acontecido. Cada lágrima que escapava dos meus olhos era como um peso a mais sobre meus ombros já cansados. A dor da discussão com a minha mãe ainda ressoava na minha mente.Eu não conseguia acreditar que ela não acreditava em mim, que ela estava disposta a me expulsar de casa em vez de ouvir o que eu tinha a dizer. Eu me sentia traída, magoada e incrivelmente sozinha.Eu não tinha ninguém em quem me apoiar. Todos os que eu conhecia faziam parte da igreja que minha mãe, Agenor e eu frequentávamos. Aos olhos de todos, erámos a família ideal, sem defeitos, sem problemas... Era tudo mentira.Pedir ajuda a algum deles não ia adiantar.A discussão com minha mãe foi um golpe profundo. Sua recusa em acreditar em mim, sua escolha em apoiar Agenor ao invés de me proteger, me deixava em um estado de desespero.Eu sempre pensei que minha mãe estaria ao meu lado, não importava o que acontecesse, mas su
AMÉLIAEu cheguei à comunidade com um nó apertado na garganta, os olhos ainda inchados de tanto chorar. O peso da discussão com minha mãe e Agenor ainda estava fresco em minha mente, uma ferida aberta que doía profundamente. Ao virar a esquina, esbarrei em Pesadelo, acompanhado por um homem que eu já tinha visto algumas vezes na comunidade, sempre ao lado dele. Uma mulher que eu nunca tinha visto antes também estava lá. Pesadelo deixou ela de lado rapidamente quando seus olhos encontraram os meus, percebendo imediatamente a aflição em meu rosto.Eu podia sentir meu coração batendo mais rápido ao vê-lo tão perto de outra mulher, e uma onda de ciúmes e desconforto me invadiu.Quem era ela?Ela era uma mulher esbelta e alta, com cabelos longos e pretos que caíam em ondas até o meio de suas costas. Os seus olhos escuros eram intensos, adornados por cílios longos e curvos, consequência do alojamento que ela tinha. A mulher também tinha lábios cheios e vermelhos, que pareciam sempre pront
[AUTORA]Pesadelo sentiu a mão de Larissa segurando o seu braço, tentando impedir ele de seguir Amélia. Ele se soltou com um movimento brusco, seu semblante endurecido pela frustração e pelo turbilhão de emoções que Amélia despertava nele.— Solta, Larissa. — Sua voz saiu áspera. Ele respirou fundo, tentando controlar a raiva.— Quem é aquela sem sal, Pesadelo?— Não te interessa! — falou alto. — Nunca mais ache que pode ter qualquer tipo de liberdade comigo, caralho! Que porra é essa de "amor", tá ficando maluca? Se enxerga!Larissa recuou, surpresa com a explosão de Pesadelo.— Você tá assim por causa dela? A gente é fixo, eu sou a tua...Pesadelo endureceu seu olhar.— Você não é caralho nenhum, entendeu? E vê se aprende a cuidar mais da tua vida, ou posso fazer você rodar, sua vagabunda. — ameaçou.— Calma aí, cara. — Maicon tentou acalmar ele.Larissa tinha estragado tudo!— Vou dar uma passada na casa da Liliana, Maicon. — avisou Arthur e Maicon apenas assentiu. Ele sabia que aq
AMÉLIA— O que você quer, Arthur? — Meu coração batia descompassado enquanto sussurrava as palavras, tentando manter minha voz firme, mas falhando miseravelmente.— Precisamos conversar. — Ele disse, seus olhos implorando por uma chance de se explicar. — Larissa não significa nada para mim. Nós não temos nada.Eu ergui a mão, interrompendo-o antes que ele pudesse continuar. Senti meu coração bater mais rápido, mas mantive minha expressão firme.— Arthur, você não precisa me explicar nada. — Minhas palavras saíram mais frias do que eu pretendia, mas eram necessárias. — Nós não temos nenhum tipo de relação, e nem vamos ter. Somos muito diferentes. — Cortei suas palavras com firmeza, sentindo um nó na garganta ao encará-lo nos olhos.A expressão dele mudou, endurecendo enquanto ele se aproximava mais.— Você não entende, Amélia. — A voz de Arthur saiu rouca, quase desesperada, enquanto dava um passo à frente, os olhos brilhando com uma intensidade que me assustou. — Você precisa me dar u
AMÉLIAO sol ainda nem tinha dado as caras quando acordei naquela manhã fria, mas mesmo assim senti que o dia seria um dia abençoado. Sempre gostei dessas manhãs tranquilas, quando o mundo ainda está despertando e tudo parece mais calmo.Vesti minha camiseta de voluntária, combinei com a saia jeans longa e joguei a mochila cheia de suprimentos nas costas. Meu destino era a comunidade onde a igreja realizaria mais uma ação social. O caminho era esburacado, cheio de subidas e ladeiras, mas eu estava feliz. Minha mente estava focada na missão do dia: ajudar, servir, fazer a diferença, nem que fosse só um pouco.Ajudar as pessoas era mais do que uma missão, era uma forma de demonstrar amor. Minha mãe sempre dizia que um coração generoso nunca volta vazio, e eu acreditava nisso com cada parte de mim.Meus olhos passeavam pelos barracos humildes, e eu imaginava famílias inteiras lutando todos os dias, sonhando com um futuro melhor. Se eu pudesse, faria muito mais por eles.Ao chegar à praça
AMÉLIAEra difícil imaginar alguém com aquele semblante implacável atendendo por um nome tão... comum.— Arthur... — murmurei para mim mesma, testando o nome em meus lábios.Liliana me observava com uma mistura de preocupação e curiosidade.— Você tá falando o nome dele por quê? — ela perguntou, franzindo a testa.— Só achei curioso. — dei de ombros, mas minha mente continuava presa naquilo.— Amélia, você tá brincando com fogo. — Ela alertou nem um pouco contente com aquilo. — Não é um cara com quem você deva ter "curiosidades".Assenti, tentando ignorar a presença inquietante de Arthur. Mas minha mente não parava de questionar.O que teria levado um homem chamado Arthur a se tornar o Pesadelo?— Você já conversou com ele? — perguntei, minha curiosidade não deixando espaço para o bom senso.Liliana me olhou como se eu estivesse louca.— Claro que não, Amélia. Não se deve conversar com ele. Ele é perigoso. Melhor manter distância.— Mas... você sabe alguma coisa sobre ele?Liliana sus
AMÉLIAJá estava escuro quando voltei da ação social, me sentindo exausta, mas satisfeita.Passei o dia ajudando a distribuir alimentos e brinquedos para as crianças da comunidade. No entanto, uma sensação de inquietação ainda pairava sobre mim, a presença de Arthur ainda fresca na minha mente.É melhor eu tirar ele da cabeça. Afinal, eu não voltaria a vê-lo nunca.Ao chegar em casa, fui recebida pelo olhar severo da minha mãe, Jussara, e pelo semblante carrancudo do meu padrasto, Agenor.— Onde você estava até essa hora, Amélia? — perguntou, as mãos na cintura, o rosto marcado por linhas de preocupação e frustração.— Eu estava na ação social com o pessoal da igreja, mãe. — respondi, tentando manter a calma. — Eu falei com a senhora ontem.— Você devia passar mais tempo em casa e sair apenas conosco. — Agenor acrescentou, a voz grave e autoritária. — O mundo está perigoso demais, ainda mais para uma jovem como você, Amélia.Eu sentia nojo em escutar a voz de Agenor.Será que minha mã
AMÉLIA— O Agenor me disse que você tá muito estressada e que anda muito nervosa, filha. — minha mãe começou, me observando. — Ele acha que talvez seja melhor você passar um tempo em casa, longe dessas ações sociais.Claro que Agenor diria algo assim. Ele estava tentando me afastar de tudo que me fazia feliz, me isolando de tudo e de todos.— Eu só quero ajudar as pessoas. Isso me faz feliz. — tentei explicar, limpando o resto das lágrimas.Minha mãe suspirou.— Eu entendo, Amélia. Mas você precisa entender que estamos preocupados com a sua segurança. — ela insistiu, colocando a mão sobre a minha. O gesto deveria ser reconfortante, mas me senti ainda mais sufocada. — E com seu futuro. Você precisa pensar em se preparar para um bom casamento, ter uma família. Não pode se distrair com essas coisas.Como se tudo que importasse fosse casar e seguir o caminho que esperavam de mim.— Mas, mãe, as ações são importantes para mim. — repliquei, frustrada.— Eu sei, mas você precisa confiar em n