O escritório estava quase vazio, o som dos poucos teclados ainda ativos ecoava suavemente pelo ambiente, criando um pano de fundo discreto para o que estava por vir. As luzes reduzidas criavam sombras alongadas nas paredes, dando ao local um ar mais íntimo e carregado de tensão. Ester arrumava seus papéis com movimentos automáticos, mas sua mente estava longe dali. O peso dos relatórios inacabados parecia menor diante do turbilhão de sentimentos confusos que a assombravam desde o início do dia. Algo no ar estava diferente, e ela sentia isso na pele.
Quando abriu a porta da sala de reuniões, encontrou Bruno encostado na mesa, com os braços cruzados e um sorriso que irradiava o seu charme natural. Ele era assim, sempre à vontade, como se o mundo girasse no seu ritmo. Os olhos dele, escuros e penetrantes, encontraram os de Ester, e por um breve momento, o tempo pareceu desacelerar.
- Achei que não viesse - disse ele, inclinando a cabeça para o lado, o olhar fixo nela com uma intensidade que fez o estômago de Ester revirar.
- Por que não viria? - respondeu ela, tentando soar mais tranquila do que se sentia. A voz saiu firme, mas o coração batia rápido demais para disfarçar o nervosismo.
Bruno deu de ombros, o sorriso ampliando-se de forma quase provocativa. Deu um passo à frente, reduzindo a distância entre eles.
- Talvez tenha achado estranho eu te chamar assim, fora do expediente. Mas, honestamente, não conseguia esperar mais para falar com você.
As palavras ficaram suspensas no ar. Ester sentiu um frio percorrer sua espinha, misturado com uma curiosidade que ela não conseguia controlar.
- E… sobre o que quer falar? - perguntou, tentando manter o tom profissional, embora soubesse que havia algo mais naquela conversa.
Bruno abriu a boca para responder, mas o momento foi abruptamente interrompido quando a porta da sala se abriu com força.
- Ah, desculpem a interrupção - disse uma voz firme, carregada de uma ironia sutil que Ester reconheceu imediatamente.
Laura estava ali, encostada no batente da porta. O olhar dela era afiado, como se pudesse atravessar qualquer máscara que Ester tentasse manter. O sorriso nos lábios de Laura misturava confiança e algo mais difícil de definir, uma provocação silenciosa. Seus olhos estavam fixos em Ester, e havia algo naquela presença que fazia o ar na sala parecer mais denso.
- Laura? - perguntou Ester, surpresa, mas tentando esconder o impacto que a presença dela causava.
- Preciso falar contigo, Ester. É importante - disse Laura, ignorando completamente a presença de Bruno, como se ele fosse irrelevante naquele momento.
Bruno, claramente irritado com a interrupção, olhou de uma para a outra antes de soltar um suspiro carregado de frustração.
- Parece que essa conversa vai ter que esperar - disse ele, com um sorriso forçado. Seus olhos demoraram um segundo a mais em Ester antes de sair da sala, passando por Laura sem que ela se movesse um centímetro para lhe dar espaço.
Assim que a porta se fechou, a tensão na sala aumentou, quase palpável. O silêncio se estendeu por um momento, apenas interrompido pelo som dos saltos de Laura contra o piso enquanto ela caminhava lentamente até o centro da sala. Cada passo parecia medir a paciência de Ester.
- O que foi tão importante que não podia esperar? - perguntou Ester, cruzando os braços numa tentativa de parecer firme, embora seu coração batesse forte demais para ignorar.
Laura não respondeu de imediato. Em vez disso, estudou Ester, o olhar avaliador e provocante. O silêncio entre elas era carregado, denso, como se cada respiração fosse uma batalha não declarada. Finalmente, Laura deu um pequeno sorriso, inclinado mais para o desdém do que para a simpatia.
- Estava curiosa para ver como você reagiria à notícia - disse, com a voz suave, mas carregada de um tom quase divertido. - Sou oficialmente a nova gerente do setor de qualidade.
Ester piscou algumas vezes, processando a informação. A notícia a pegou de surpresa, mas ela tentou manter a compostura.
- Parabéns, acho… - respondeu, mas sua voz saiu mais baixa do que gostaria, traindo a confusão que sentia.
Laura deu um passo à frente, aproximando-se o suficiente para que Ester pudesse sentir a energia que emanava dela. Era uma mistura de poder e algo mais… algo que fazia a pele de Ester arrepiar. O perfume de Laura, marcante e inebriante, parecia preencher o espaço entre elas.
- Não precisa se preocupar, Ester. Sei que isso não te afeta diretamente… ainda - disse Laura, com um sorriso que sugeria saber mais do que estava dizendo.
- Ainda? - repetiu Ester, franzindo a testa, sentindo o peso das palavras ecoando em sua mente.
- Ah, amor, você sabe como as coisas podem mudar rapidamente por aqui. — Laura inclinou-se levemente para frente, os olhos fixos nos de Ester. A palavra “amor” saiu com um tom macio, quase íntimo, como se fosse direcionada para alguém muito mais próximo do que uma simples colega de trabalho.
Ester tentou desviar o olhar, mas havia algo hipnótico na maneira como Laura a observava. Era como se cada movimento, cada microexpressão estivesse sendo analisada, desnudada, deixando Ester exposta de uma forma que ela não sabia explicar.
- Laura, o que exatamente você quer? - perguntou finalmente, tentando soar firme, mas o leve tremor em sua voz entregava o nervosismo crescente.
Laura deu mais um passo, reduzindo ainda mais a distância entre elas. Agora, Ester podia sentir o calor do corpo dela, uma proximidade que era desconfortável e, ao mesmo tempo, estranhamente excitante. Laura ergueu a mão lentamente, como se fosse tocar o rosto de Ester, mas parou a poucos centímetros, o olhar fixo no dela.
- Você é interessante, Ester - murmurou Laura, a voz baixa, carregada de um tom que Ester não conseguiu decifrar. Era uma mistura de desafio e promessa, algo que fez o coração de Ester acelerar ainda mais.
A tensão na sala era sufocante. Ester não sabia se deveria recuar ou enfrentar o olhar de Laura. Quando Laura finalmente se afastou, um sorriso satisfeito surgiu nos seus lábios, como se tivesse conseguido exatamente o que queria.
- Acho que já ocupei o suficiente do seu tempo. Até mais, Ester. - E, com isso, saiu da sala, deixando a porta se fechar suavemente atrás dela.
Ester ficou parada por um momento, o coração ainda disparado, os pensamentos confusos. Tentou retomar o foco nos papéis à sua frente, mas as palavras de Laura ecoavam em sua mente, junto com o olhar penetrante que parecia tê-la despido de todas as suas defesas.
Mais tarde, já no caminho de casa, Ester não conseguia afastar Laura dos seus pensamentos. Havia algo na maneira como ela a olhou, como se tivesse visto algo que nem Ester sabia que estava lá. O toque que nunca aconteceu ainda queimava na sua pele.
Enquanto isso, Laura estava em sua nova sala, organizando os papéis deixados por Antônio. Parou por um momento, lembrando-se da expressão de Ester, da forma como ela desviava o olhar e mordia levemente o lábio quando estava desconfortável.
"Interessante, de fato", pensou Laura, sorrindo para si mesma, satisfeita com o efeito que havia causado.
Do outro lado do escritório, Julia observava discretamente. Ela havia visto Bruno entrar na pequena sala de reuniões, depois Ester, e então Laura. Viu Bruno sair com um semblante irritado, e Laura entrar com a confiança de quem dominava o ambiente. Mas o que mais chamou sua atenção foi o tempo que Laura ficou sozinha com Ester. Algo estava acontecendo entre eles, algo mais profundo do que simples relações de trabalho. E Julia, sempre atenta aos detalhes, estava cada vez mais curiosa sobre o que realmente ligava aqueles três e o que aconteceria quando as tensões finalmente explodissem.
Na manhã seguinte, o escritório ganhou ação gradualmente com o som dos passos apressados, telefones tocando e conversas abafadas pelos corredores. Laura, entretanto, já estava em sua nova sala antes mesmo do horário de expediente começar. O sol mal iluminava a cidade lá fora, mas dentro dela, as engrenagens já giravam com precisão.Com a xícara de café ainda quente ao lado, enquanto organizava sua lista de tarefas, conferindo cada detalhe com a meticulosidade que a definia. Foi então que um novo e-mail apareceu na sua caixa de entrada. Era de Letícia, do RH, informando a necessidade urgente de contratar uma nova secretária para o setor.Laura sorriu para a tela, um sorriso que misturava oportunidade e estratégia. Sem hesitar, a única pessoa que passou por sua mente foi Ester. Não era uma mudança tão drástica da função atual dela, mas a ideia de tê-la mais próxima, sob sua supervisão direta, era tentadora demais para ignorar. Além disso, o cargo de secretária do gerente trazia benefíci
O dia seguinte começou com um céu cinzento e carregado, refletindo o clima dentro da cabeça de Ester. O e-mail de Letícia ainda estava fresco na sua mente, assim como a sensação desconfortável de saber que Laura, de alguma forma, estava por trás daquela “promoção”. O aumento de salário e os benefícios eram tentadores, mas a proximidade forçada com Laura fazia seu estômago revirar. Ou talvez fosse outra coisa que a deixava inquieta, aquela tensão elétrica que pairava entre as duas, como se cada encontro fosse uma partida de xadrez onde nenhuma queria admitir o verdadeiro jogo. Ester ainda estava imersa nesses pensamentos quando o telefone vibrou novamente. Era Bruno, insistente como sempre. "Me encontra para um café? Precisamos mesmo conversar." A mensagem parecia inocente, mas Ester sabia que havia mais ali do que trabalho. Ela respirou fundo, pegou a sua mala e decidiu que não podia adiar aquilo. Talvez entender o que Bruno queria ajudasse a clarear a confusão que se formava na sua
O som constante dos teclados e o zumbido baixo das conversas nos corredores criavam uma trilha sonora quase reconfortante para Ester naquela manhã. Mas, por dentro, ela sentia-se como se estivesse num terreno instável, cada passo calculado para não escorregar. A oferta de Laura ainda ecoava em sua mente, misturada com a conversa ambígua que tivera com Bruno no dia anterior. Nada parecia ser o que realmente era, e isso a deixava mais desconfortável do que gostaria de admitir.Enquanto revia alguns documentos, uma nova notificação apareceu na sua tela: “Letícia do RH gostaria de agendar uma reunião rápida contigo. Sala 4, 10h.”Ester franziu a testa. Não esperava um novo encontro com Letícia, mas algo na formalidade do convite parecia indicar que não era apenas sobre processos burocráticos. Decidiu que precisava de respostas e talvez Letícia pudesse oferecê-las.Letícia estava à espera na pequena sala de reuniões no fim do corredor. A mulher, conhecida pelo seu profissionalismo impecáve
Laura estava ansiosa pelo primeiro dia em que trabalharia tão perto de Ester. Ter a jovem ali, sob sua supervisão direta, seria uma excelente distração em meio às intermináveis papeladas. Mas, mais do que isso, era uma vitória. Um prazer sutil e perigoso de poder tê-la por perto. Ainda assim, manteve-se firme, autoritária, caminhando pelo prédio com seus saltos ecoando pelos corredores, anunciando sua aproximação.Ester, por sua vez, mal pregou os olhos durante a noite. A dúvida corroía sua mente. Ainda dava tempo de desistir? Ou deveria enfrentar Laura de frente, conquistar o respeito dela e provar que não seria facilmente dobrada? Com o pensamento oscilando entre medo e desafio, levantou-se cedo, afogando-se em café para manter-se alerta. Aproveitou o tempo extra para limpar sua mesa no antigo setor e levar suas coisas para a nova estação de trabalho, estrategicamente posicionada bem em frente à sala de Laura.Ao chegar, encontrou um pequeno post-it amarelo colado ao telefone. As pa
Júlia descobriu que Ester havia aceitado a “promoção” por acaso.Ela precisava de alguém para cobrir uma demanda urgente e, por hábito, foi direto até a mesa da garota no setor administrativo. Mas o espaço estava vazio. Nenhum sinal dos objetos pessoais de Ester, nenhuma xícara de café esquecida ao lado do monitor, nenhuma bolsa jogada sobre a cadeira.Só então se lembrou dos rumores que tinham começado a circular pela empresa na última semana.Ester tinha mudado de setor.Não qualquer setor.O setor de qualidade.O setor que agora era da Laura.Júlia cruzou os braços e sorriu de canto, uma satisfação irônica crescendo dentro dela.“Interessante.”Depois de garantir que outra pessoa assumisse sua demanda, seguiu para o setor de qualidade e, de longe, observou Ester trabalhando. A nova mesa estava organizada, cada coisa em seu lugar. A postura de Ester era firme, tentando se encaixar naquele ambiente como se pertencesse a ele.Júlia não precisava chegar perto para sentir a tensão no ar
Ricardo já estava acostumado a ser invisível.Trabalhando com TI, ninguém se importava o suficiente com sua presença, até que algo parava de funcionar. Era sempre assim. E, sinceramente, ele preferia dessa forma.A matriz da empresa era diferente da unidade onde trabalhava antes.Os corredores eram movimentados, as conversas pareciam carregadas de algo mais do que simples rotinas de trabalho. Como se sempre houvesse uma disputa silenciosa acontecendo.E ele estava ali apenas para garantir que os sistemas funcionassem.No primeiro dia, passou boa parte do tempo no departamento de TI, conhecendo os processos internos, verificando chamados pendentes. Nada fora do comum.No segundo dia, começaram os pedidos.- Ricardo, meu e-mail bloqueou.- Ricardo, o sistema caiu, não consigo acessar os relatórios.- Ricardo, esqueci minha senha de novo.Era sempre a mesma coisa.Com paciência, ele foi resolvendo um problema de cada vez. Alguns eram fáceis, outros exigiam um pouco mais de investigação,
Bruno ainda estava pensativo sobre a reunião, sobre a pequena derrota que sofreu. Sentia o gosto amargo de ter sido colocado no lugar, de ter perdido o controle da situação.Mas, antes de tomar qualquer decisão precipitada, uma daquelas que ele sabia que se arrependeria depois, pegou o celular e, digitou uma mensagem para Ester."Oi. Eu não queria ser tão protetor com você, mas algo dentro de mim passa à frente da minha razão, e eu não sei como negar ou reprimir isso..."Respirou fundo antes de enviar.O que estava tentando dizer, afinal?Ele sabia que estava exagerando. Sabia que a forma como reagiu à nova posição de Ester não tinha sido justa. Mas, mais do que isso, sabia que havia algo nele que não conseguia aceitar a ideia de vê-la tão próxima de Laura.No setor de qualidade, Ester estava concentrada em mais uma pilha de papéis quando sentiu o celular vibrar sobre a mesa. Pegou-o sem muita pressa, mas ao ver o nome de Bruno na tela, hesitou por um segundo antes de desbloquear a te
Júlia perambulava pelo prédio como se não tivesse obrigações, como se o trabalho fosse apenas um detalhe irrelevante em seu dia.A verdade? Boa parte das pessoas se perguntava como ela ainda mantinha o emprego.Mas Júlia sabia exatamente o que estava fazendo.Ela sempre soube.E agora, enquanto cruzava o corredor do RH com passos silenciosos, seu olhar estava fixo num único objetivo.Ao contrário de outros setores, onde fazia questão de ser notada, ali ela movia-se com discrição. Passou pela mesa de Letícia, vazia, como previa. Provavelmente estava em alguma reunião, o que lhe dava tempo suficiente para o que queria.Parou diante da porta do supervisor do RH e bateu três vezes.Batidas pausadas. Conhecidas.Uma voz rouca respondeu do outro lado.- Entre.Júlia abriu a porta e deslizou para dentro, fechando-a atrás de si com um clique suave.- Oi, amor - disse, um sorriso jogado nos lábios. - Estava com saudades.O homem atrás da mesa ergueu os olhos do computador, e um sorriso lento s