O dia seguinte começou com um céu cinzento e carregado, refletindo o clima dentro da cabeça de Ester. O e-mail de Letícia ainda estava fresco na sua mente, assim como a sensação desconfortável de saber que Laura, de alguma forma, estava por trás daquela “promoção”. O aumento de salário e os benefícios eram tentadores, mas a proximidade forçada com Laura fazia seu estômago revirar. Ou talvez fosse outra coisa que a deixava inquieta, aquela tensão elétrica que pairava entre as duas, como se cada encontro fosse uma partida de xadrez onde nenhuma queria admitir o verdadeiro jogo.
Ester ainda estava imersa nesses pensamentos quando o telefone vibrou novamente. Era Bruno, insistente como sempre. "Me encontra para um café? Precisamos mesmo conversar." A mensagem parecia inocente, mas Ester sabia que havia mais ali do que trabalho. Ela respirou fundo, pegou a sua mala e decidiu que não podia adiar aquilo. Talvez entender o que Bruno queria ajudasse a clarear a confusão que se formava na sua mente. No andar de baixo, Bruno esperava na pequena cafeteria do prédio, mexendo no café com impaciência. Quando viu Ester entrar, ergueu a cabeça e deu aquele sorriso confiante que ela já conhecia bem. - Finalmente - disse ele, levantando-se para cumprimentá-la. - Estava começando a creditar que não ai vir. Ester sentou-se à sua frente, mantendo o rosto neutro. - Estou aqui. Sobre o que queria falar? Bruno inclinou-se para frente, abaixando a voz. - Sobre Laura. O nome dela pairou no ar como uma nuvem carregada. Ester arqueou uma sobrancelha, tentando esconder a surpresa. - O que tem a Laura? Bruno soltou um suspiro, cruzando os braços. - Vi que foi considerada para a vaga de secretária no setor de qualidade. Isso é coisa dela, não é? O tom dele era meio acusatório, meio curioso. Ester manteve a calma, embora o coração batesse mais rápido. - E se for? É uma oportunidade profissional, Bruno. Bruno soltou uma risada seca. - Vamos lá, Ester. Sabe tão bem quanto eu que a Laura não faz nada sem um motivo. Ela não está só a pensar no seu futuro profissional. - Ele fez uma pausa, inclinando-se ainda mais. - O que está acontecendo entre vocês? A pergunta pegou Ester de surpresa, mas ela não deixou transparecer. - Não está acontecendo nada - respondeu, firme. Mas o olhar de Bruno dizia que ele não acreditava. - Se precisar de ajuda para lidar com ela, fala comigo - disse ele, num tom mais suave. - Não confio nela, Ester. Nunca confiei. Ester ficou em silêncio por um momento, pensando no que Bruno acabou de dizer. Havia algo na preocupação dele que parecia genuíno, mas ela também sabia do interesse que ele tinha nela. E não podia ignorar que, no fundo, Bruno também queria algo dela. - Vou pensar sobre isso - disse ela finalmente, levantando-se. - Obrigada pelo café. Bruno observou-a sair, sentindo que a conversa não lhe deu nenhuma informação. Horas depois, Ester estava de volta à sua mesa, tentando focar no trabalho, quando o telefone tocou. Era um número interno. Ela atendeu, já esperando o que viria. - Ester, Laura gostaria de te ver na sala dela - disse a voz de Letícia, do RH, do outro lado da linha. O coração de Ester acelerou, mas sua voz permaneceu firme. - Estou a caminho. Os corredores pareciam mais longos enquanto ela caminhava em direção ao escritório de Laura. Cada passo ecoava no chão polido, aumentando a expectativa que a fazia sentir-se estranhamente inquieta. Quando chegou à porta, respirou fundo antes de bater. - Entra - veio a resposta firme do outro lado. Ester abriu a porta e encontrou Laura sentada atrás da mesa, os dedos deslizando suavemente sobre a superfície fria do vidro. O sorriso nos lábios dela era sereno, quase desarmante, mas os olhos… os olhos diziam outra coisa. - Ester, que bom que veio. - Laura apontou para a cadeira à sua frente. - Sente se por favor. Ester obedeceu, mantendo a postura rígida. - É sobre a vaga? - perguntou, direta. Laura não respondeu de imediato. Levantou-se lentamente da cadeira, contornando a mesa com movimentos suaves. Quando parou ao lado de Ester, inclinou-se ligeiramente, apoiando a mão no encosto da cadeira, deixando seu perfume sofisticado envolver o ar entre elas. - Sim. Achei que seria uma oportunidade perfeita para você - disse Laura, a voz baixa, arrastada, como se cada palavra fosse dita com um propósito. - Mais responsabilidades, um salário melhor… e claro, trabalharíamos juntas mais de perto. O ar na sala ficou mais pesado, carregado de algo que Ester não conseguia nomear, mas sentia percorrer sua pele como eletricidade. - Por que... eu? - perguntou, sua voz saindo mais suave do que pretendia. Laura inclinou-se um pouco mais, os lábios perigosamente próximos da orelha de Ester. - Porque é competente… e interessante. A última palavra deslizou da boca de Laura como uma carícia, e Ester sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Por reflexo, passou a língua entre os lábios, consciente demais da forma como os olhos de Laura acompanharam o gesto. Com um sorriso satisfeito, Laura deslizou para o sofá à esquerda da sala e bateu suavemente no espaço ao seu lado. - Senta aqui comigo - disse ela, um convite que parecia mais uma provocação. Ester hesitou por um segundo, mas acabou cedendo, sentando-se ao lado de Laura. As pernas cruzadas, as mãos discretamente pousadas sobre o colo, tentando manter o controle sobre o próprio corpo, sobre a forma como sua respiração parecia errada ali dentro. Laura, por outro lado, estava completamente confortável. Inclinou-se para frente, os dedos traçando distraidamente a borda da saia de Ester, um toque tão leve que poderia ter sido acidental… se não fosse pelo olhar dela, intenso e calculado. - Pensa com calma - murmurou Laura, os olhos descendo até os lábios de Ester por um breve segundo antes de voltarem aos dela. - Sei que vai tomar a decisão certa. A proximidade era sufocante. Ester podia sentir o calor do corpo de Laura ao lado do seu, a maneira como ela parecia dominar o espaço sem precisar dizer mais nada. Seu coração batia tão forte que podia ouvi-lo. Num impulso, levantou-se abruptamente, como se tivesse sido puxada de volta à realidade. - Vou pensar, sim - disse, a voz mais rouca do que queria. Laura apenas sorriu, os olhos brilhando com algo perigoso. Ester saiu da sala rapidamente, como se estivesse fugindo de algo que não sabia nomear. Mas ao fechar a porta atrás de si, soube que não era apenas da oferta de trabalho que estava tentando escapar. Era da forma como o corpo dela reagia sempre que Laura estava perto. E, no fundo, sabia que essa era uma batalha que ela não conseguiria vencer por muito tempo. Do outro lado do escritório, Julia observava discretamente. Tinha visto Ester entrar na sala de Laura e, minutos antes, viu ela também com Bruno na cafeteria. Havia algo ali, algo que ia além do que qualquer um estava disposto a admitir. "Isto ainda vai dar que falar," pensou ela, enquanto voltava para a sua mesa, com o sorriso curioso no rosto.O som constante dos teclados e o zumbido baixo das conversas nos corredores criavam uma trilha sonora quase reconfortante para Ester naquela manhã. Mas, por dentro, ela sentia-se como se estivesse num terreno instável, cada passo calculado para não escorregar. A oferta de Laura ainda ecoava em sua mente, misturada com a conversa ambígua que tivera com Bruno no dia anterior. Nada parecia ser o que realmente era, e isso a deixava mais desconfortável do que gostaria de admitir.Enquanto revia alguns documentos, uma nova notificação apareceu na sua tela: “Letícia do RH gostaria de agendar uma reunião rápida contigo. Sala 4, 10h.”Ester franziu a testa. Não esperava um novo encontro com Letícia, mas algo na formalidade do convite parecia indicar que não era apenas sobre processos burocráticos. Decidiu que precisava de respostas e talvez Letícia pudesse oferecê-las.Letícia estava à espera na pequena sala de reuniões no fim do corredor. A mulher, conhecida pelo seu profissionalismo impecáve
Laura estava ansiosa pelo primeiro dia em que trabalharia tão perto de Ester. Ter a jovem ali, sob sua supervisão direta, seria uma excelente distração em meio às intermináveis papeladas. Mas, mais do que isso, era uma vitória. Um prazer sutil e perigoso de poder tê-la por perto. Ainda assim, manteve-se firme, autoritária, caminhando pelo prédio com seus saltos ecoando pelos corredores, anunciando sua aproximação.Ester, por sua vez, mal pregou os olhos durante a noite. A dúvida corroía sua mente. Ainda dava tempo de desistir? Ou deveria enfrentar Laura de frente, conquistar o respeito dela e provar que não seria facilmente dobrada? Com o pensamento oscilando entre medo e desafio, levantou-se cedo, afogando-se em café para manter-se alerta. Aproveitou o tempo extra para limpar sua mesa no antigo setor e levar suas coisas para a nova estação de trabalho, estrategicamente posicionada bem em frente à sala de Laura.Ao chegar, encontrou um pequeno post-it amarelo colado ao telefone. As pa
Júlia descobriu que Ester havia aceitado a “promoção” por acaso.Ela precisava de alguém para cobrir uma demanda urgente e, por hábito, foi direto até a mesa da garota no setor administrativo. Mas o espaço estava vazio. Nenhum sinal dos objetos pessoais de Ester, nenhuma xícara de café esquecida ao lado do monitor, nenhuma bolsa jogada sobre a cadeira.Só então se lembrou dos rumores que tinham começado a circular pela empresa na última semana.Ester tinha mudado de setor.Não qualquer setor.O setor de qualidade.O setor que agora era da Laura.Júlia cruzou os braços e sorriu de canto, uma satisfação irônica crescendo dentro dela.“Interessante.”Depois de garantir que outra pessoa assumisse sua demanda, seguiu para o setor de qualidade e, de longe, observou Ester trabalhando. A nova mesa estava organizada, cada coisa em seu lugar. A postura de Ester era firme, tentando se encaixar naquele ambiente como se pertencesse a ele.Júlia não precisava chegar perto para sentir a tensão no ar
Ricardo já estava acostumado a ser invisível.Trabalhando com TI, ninguém se importava o suficiente com sua presença, até que algo parava de funcionar. Era sempre assim. E, sinceramente, ele preferia dessa forma.A matriz da empresa era diferente da unidade onde trabalhava antes.Os corredores eram movimentados, as conversas pareciam carregadas de algo mais do que simples rotinas de trabalho. Como se sempre houvesse uma disputa silenciosa acontecendo.E ele estava ali apenas para garantir que os sistemas funcionassem.No primeiro dia, passou boa parte do tempo no departamento de TI, conhecendo os processos internos, verificando chamados pendentes. Nada fora do comum.No segundo dia, começaram os pedidos.- Ricardo, meu e-mail bloqueou.- Ricardo, o sistema caiu, não consigo acessar os relatórios.- Ricardo, esqueci minha senha de novo.Era sempre a mesma coisa.Com paciência, ele foi resolvendo um problema de cada vez. Alguns eram fáceis, outros exigiam um pouco mais de investigação,
Bruno ainda estava pensativo sobre a reunião, sobre a pequena derrota que sofreu. Sentia o gosto amargo de ter sido colocado no lugar, de ter perdido o controle da situação.Mas, antes de tomar qualquer decisão precipitada, uma daquelas que ele sabia que se arrependeria depois, pegou o celular e, digitou uma mensagem para Ester."Oi. Eu não queria ser tão protetor com você, mas algo dentro de mim passa à frente da minha razão, e eu não sei como negar ou reprimir isso..."Respirou fundo antes de enviar.O que estava tentando dizer, afinal?Ele sabia que estava exagerando. Sabia que a forma como reagiu à nova posição de Ester não tinha sido justa. Mas, mais do que isso, sabia que havia algo nele que não conseguia aceitar a ideia de vê-la tão próxima de Laura.No setor de qualidade, Ester estava concentrada em mais uma pilha de papéis quando sentiu o celular vibrar sobre a mesa. Pegou-o sem muita pressa, mas ao ver o nome de Bruno na tela, hesitou por um segundo antes de desbloquear a te
Júlia perambulava pelo prédio como se não tivesse obrigações, como se o trabalho fosse apenas um detalhe irrelevante em seu dia.A verdade? Boa parte das pessoas se perguntava como ela ainda mantinha o emprego.Mas Júlia sabia exatamente o que estava fazendo.Ela sempre soube.E agora, enquanto cruzava o corredor do RH com passos silenciosos, seu olhar estava fixo num único objetivo.Ao contrário de outros setores, onde fazia questão de ser notada, ali ela movia-se com discrição. Passou pela mesa de Letícia, vazia, como previa. Provavelmente estava em alguma reunião, o que lhe dava tempo suficiente para o que queria.Parou diante da porta do supervisor do RH e bateu três vezes.Batidas pausadas. Conhecidas.Uma voz rouca respondeu do outro lado.- Entre.Júlia abriu a porta e deslizou para dentro, fechando-a atrás de si com um clique suave.- Oi, amor - disse, um sorriso jogado nos lábios. - Estava com saudades.O homem atrás da mesa ergueu os olhos do computador, e um sorriso lento s
Ester voltou para o escritório no carro de Bruno, mas saiu antes que ele pudesse estacionar no prédio. Precisava de um momento para si, para recompor a expressão antes de atravessar aqueles corredores e encarar o que quer que estivesse à sua espera.Ainda sentia o gosto do beijo dele nos lábios.E o peso da decisão nos ombros.Já estava quase se acostumando com essa sensação, o arrependimento silencioso que vinha depois de cada escolha impulsiva. Mas saber que teria que encarar Laura pelo resto da tarde fazia tudo parecer ainda pior.Ao chegar à sua mesa, tentou se concentrar, mas o telefone tocou antes mesmo que pudesse abrir um único documento.O visor mostrava o ramal de Laura.Ester fechou os olhos por um segundo antes de atender.- Sim?Ela tentou soar neutra, mas sabia que seu tom entregava algo. Algo errado.E Laura, percebeu.- Na minha sala. Agora.A ordem veio rápida, firme, sem espaço para discussão.A ligação foi encerrada antes que Ester pudesse responder.Ela suspirou, p
Ester caminhou de volta à sua mesa sem realmente enxergar o que estava ao seu redor. Seu coração ainda batia rápido demais, o corpo carregava a tensão do que havia acontecido na sala de Laura.As palavras dela ainda ecoavam em sua mente."O que aconteceu hoje?"Ester apertou os lábios, sentindo o peso daquele olhar que parecia atravessá-la sem esforço. O pior de tudo era saber que Laura não tinha feito uma acusação direta. Não precisava. Apenas insinuava, pressionava, deixava no ar a dúvida que fazia tudo se embaralhar dentro dela.Sentou-se e respirou fundo, tentando se concentrar nos documentos à sua frente. Mas suas mãos estavam trêmulas.Ela se sentia exposta.- Precisa de um minuto?A voz veio de um ponto próximo, e Ester ergueu os olhos rapidamente, surpresa.Ricardo estava ali, encostado de leve na lateral da mesa, com uma expressão neutra, mas com os olhos atentos demais para alguém que apenas passava por ali.- O quê?Ele inclinou ligeiramente a cabeça, como se estudasse sua