Capítulo 4: Linhas Cruzadas

O dia seguinte começou com um céu cinzento e carregado, refletindo o clima dentro da cabeça de Ester. O e-mail de Letícia ainda estava fresco na sua mente, assim como a sensação desconfortável de saber que Laura, de alguma forma, estava por trás daquela “promoção”. O aumento de salário e os benefícios eram tentadores, mas a proximidade forçada com Laura fazia seu estômago revirar. Ou talvez fosse outra coisa que a deixava inquieta, aquela tensão elétrica que pairava entre as duas, como se cada encontro fosse uma partida de xadrez onde nenhuma queria admitir o verdadeiro jogo.

Ester ainda estava imersa nesses pensamentos quando o telefone vibrou novamente. Era Bruno, insistente como sempre. "Me encontra para um café? Precisamos mesmo conversar." A mensagem parecia inocente, mas Ester sabia que havia mais ali do que trabalho.

Ela respirou fundo, pegou a sua mala e decidiu que não podia adiar aquilo. Talvez entender o que Bruno queria ajudasse a clarear a confusão que se formava na sua mente.

No andar de baixo, Bruno esperava na pequena cafeteria do prédio, mexendo no café com impaciência. Quando viu Ester entrar, ergueu a cabeça e deu aquele sorriso confiante que ela já conhecia bem.

- Finalmente - disse ele, levantando-se para cumprimentá-la. - Estava começando a creditar que não ai vir.

Ester sentou-se à sua frente, mantendo o rosto neutro.

- Estou aqui. Sobre o que queria falar?

Bruno inclinou-se para frente, abaixando a voz.

- Sobre Laura.

O nome dela pairou no ar como uma nuvem carregada. Ester arqueou uma sobrancelha, tentando esconder a surpresa.

- O que tem a Laura?

Bruno soltou um suspiro, cruzando os braços.

- Vi que foi considerada para a vaga de secretária no setor de qualidade. Isso é coisa dela, não é? O tom dele era meio acusatório, meio curioso.

Ester manteve a calma, embora o coração batesse mais rápido.

- E se for? É uma oportunidade profissional, Bruno.

Bruno soltou uma risada seca.

- Vamos lá, Ester. Sabe tão bem quanto eu que a Laura não faz nada sem um motivo. Ela não está só a pensar no seu futuro profissional. - Ele fez uma pausa, inclinando-se ainda mais. - O que está acontecendo entre vocês?

A pergunta pegou Ester de surpresa, mas ela não deixou transparecer.

- Não está acontecendo nada - respondeu, firme. Mas o olhar de Bruno dizia que ele não acreditava.

- Se precisar de ajuda para lidar com ela, fala comigo - disse ele, num tom mais suave. - Não confio nela, Ester. Nunca confiei.

Ester ficou em silêncio por um momento, pensando no que Bruno acabou de dizer. Havia algo na preocupação dele que parecia genuíno, mas ela também sabia do interesse que ele tinha nela. E não podia ignorar que, no fundo, Bruno também queria algo dela.

- Vou pensar sobre isso - disse ela finalmente, levantando-se. - Obrigada pelo café.

Bruno observou-a sair, sentindo que a conversa não lhe deu nenhuma informação.

Horas depois, Ester estava de volta à sua mesa, tentando focar no trabalho, quando o telefone tocou. Era um número interno. Ela atendeu, já esperando o que viria.

- Ester, Laura gostaria de te ver na sala dela - disse a voz de Letícia, do RH, do outro lado da linha.

O coração de Ester acelerou, mas sua voz permaneceu firme.

- Estou a caminho.

Os corredores pareciam mais longos enquanto ela caminhava em direção ao escritório de Laura. Cada passo ecoava no chão polido, aumentando a expectativa que a fazia sentir-se estranhamente inquieta. Quando chegou à porta, respirou fundo antes de bater.

- Entra - veio a resposta firme do outro lado.

Ester abriu a porta e encontrou Laura sentada atrás da mesa, os dedos deslizando suavemente sobre a superfície fria do vidro. O sorriso nos lábios dela era sereno, quase desarmante, mas os olhos… os olhos diziam outra coisa.

- Ester, que bom que veio. - Laura apontou para a cadeira à sua frente. - Sente se por favor.

Ester obedeceu, mantendo a postura rígida.

- É sobre a vaga? - perguntou, direta.

Laura não respondeu de imediato. Levantou-se lentamente da cadeira, contornando a mesa com movimentos suaves. Quando parou ao lado de Ester, inclinou-se ligeiramente, apoiando a mão no encosto da cadeira, deixando seu perfume sofisticado envolver o ar entre elas.

- Sim. Achei que seria uma oportunidade perfeita para você - disse Laura, a voz baixa, arrastada, como se cada palavra fosse dita com um propósito. - Mais responsabilidades, um salário melhor… e claro, trabalharíamos juntas mais de perto.

O ar na sala ficou mais pesado, carregado de algo que Ester não conseguia nomear, mas sentia percorrer sua pele como eletricidade.

- Por que... eu? - perguntou, sua voz saindo mais suave do que pretendia.

Laura inclinou-se um pouco mais, os lábios perigosamente próximos da orelha de Ester.

- Porque é competente… e interessante.

A última palavra deslizou da boca de Laura como uma carícia, e Ester sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Por reflexo, passou a língua entre os lábios, consciente demais da forma como os olhos de Laura acompanharam o gesto.

Com um sorriso satisfeito, Laura deslizou para o sofá à esquerda da sala e bateu suavemente no espaço ao seu lado.

- Senta aqui comigo - disse ela, um convite que parecia mais uma provocação.

Ester hesitou por um segundo, mas acabou cedendo, sentando-se ao lado de Laura. As pernas cruzadas, as mãos discretamente pousadas sobre o colo, tentando manter o controle sobre o próprio corpo, sobre a forma como sua respiração parecia errada ali dentro.

Laura, por outro lado, estava completamente confortável. Inclinou-se para frente, os dedos traçando distraidamente a borda da saia de Ester, um toque tão leve que poderia ter sido acidental… se não fosse pelo olhar dela, intenso e calculado.

- Pensa com calma - murmurou Laura, os olhos descendo até os lábios de Ester por um breve segundo antes de voltarem aos dela. - Sei que vai tomar a decisão certa.

A proximidade era sufocante. Ester podia sentir o calor do corpo de Laura ao lado do seu, a maneira como ela parecia dominar o espaço sem precisar dizer mais nada. Seu coração batia tão forte que podia ouvi-lo.

Num impulso, levantou-se abruptamente, como se tivesse sido puxada de volta à realidade.

- Vou pensar, sim - disse, a voz mais rouca do que queria.

Laura apenas sorriu, os olhos brilhando com algo perigoso.

Ester saiu da sala rapidamente, como se estivesse fugindo de algo que não sabia nomear. Mas ao fechar a porta atrás de si, soube que não era apenas da oferta de trabalho que estava tentando escapar. Era da forma como o corpo dela reagia sempre que Laura estava perto.

E, no fundo, sabia que essa era uma batalha que ela não conseguiria vencer por muito tempo.

Do outro lado do escritório, Julia observava discretamente. Tinha visto Ester entrar na sala de Laura e, minutos antes, viu ela também com Bruno na cafeteria. Havia algo ali, algo que ia além do que qualquer um estava disposto a admitir.

"Isto ainda vai dar que falar," pensou ela, enquanto voltava para a sua mesa, com o sorriso curioso no rosto.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App