Na manhã seguinte, o escritório ganhou ação gradualmente com o som dos passos apressados, telefones tocando e conversas abafadas pelos corredores. Laura, entretanto, já estava em sua nova sala antes mesmo do horário de expediente começar. O sol mal iluminava a cidade lá fora, mas dentro dela, as engrenagens já giravam com precisão.
Com a xícara de café ainda quente ao lado, enquanto organizava sua lista de tarefas, conferindo cada detalhe com a meticulosidade que a definia. Foi então que um novo e-mail apareceu na sua caixa de entrada. Era de Letícia, do RH, informando a necessidade urgente de contratar uma nova secretária para o setor.
Laura sorriu para a tela, um sorriso que misturava oportunidade e estratégia. Sem hesitar, a única pessoa que passou por sua mente foi Ester. Não era uma mudança tão drástica da função atual dela, mas a ideia de tê-la mais próxima, sob sua supervisão direta, era tentadora demais para ignorar. Além disso, o cargo de secretária do gerente trazia benefícios e um salário significativamente melhor, algo que poderia ser um argumento convincente para Ester. A ideia de ter Ester sob sua supervisão direta era irresistível. Não apenas pelo controle que teria sobre ela, mas pela tensão que pairava no ar toda vez que estavam próximas.
Ela começou a digitar a resposta para Letícia, explicando que já tinha uma candidata em mente, alguém que conhecia bem a rotina da empresa e que merecia essa promoção. Escolhendo cuidadosamente cada palavra, sabendo que a formalidade era apenas uma parte do jogo. No fundo, Laura tinha um trunfo: sabia que, se Ester hesitasse, Bruno poderia ser a chave para convencê-la. O setor de qualidade ficava proximo do de Bruno, e Laura conhecia bem o "jeitinho" dele com as colegas. Se necessário, poderia muito bem usar isso ao seu favor.
Depois de enviar o e-mail, Laura recostou-se na cadeira, satisfeita, continuando a organizar seus afazeres do dia.
Enquanto isso, em outro andar do prédio, Bruno preparava-se para uma reunião de marketing, focada na revisão da última campanha de divulgação do novo lançamento da empresa. Mas, por mais que tentasse, sua mente voltava para a noite anterior. A reunião frustrada com Ester ainda ecoava na sua cabeça. Ele se perguntava o que exatamente estava acontecendo entre elas. Não era apenas o fato de Laura ter interrompido o encontro deles, havia algo mais, uma tensão no ar que ele não conseguia ignorar.
Ele vinha tentando criar um momento íntimo com Ester há meses. Ele era carismático, desinibido, e sabia usar isso para se aproximar de quem quisesse. Seu histórico com colegas de outros setores era bem vasto, mas sempre discreto o suficiente para não causar problemas. O que o intrigava em Ester não era apenas a beleza discreta dela, mas o jeito reservado, a forma como parecia sempre escapar das suas investidas, mesmo quando ele sentia que o interesse era mútuo. O problema era que Ester não caía nas suas armadilhas como as outras. Ela mantinha um controle que o desafiava.
Interrompendo seus pensamentos, o som de uma nova notificação de e-mail chamou sua atenção. Era o anúncio formal da promoção de Laura como nova gerente do setor de qualidade. Bruno não conseguiu evitar um olhar de desdém enquanto lia o comunicado. Laura nunca esteve no seu radar, nem profissionalmente nem pessoalmente. Ela era competente, claro, mas havia algo nela que o irritava, talvez o fato de que ela também sabia jogar o jogo corporativo, e jogar bem.
Decidido a entender melhor o que estava acontecendo, Bruno desceu até o andar onde Julia trabalhava. Sabia que ela era observadora e, mais importante, sempre tinha uma visão clara do que se passava nos bastidores da empresa. Encontrou ela na copa, preparando um café.
- Julia, tem um minuto? - perguntou, com o tom casual, mas o olhar atento.
Julia virou-se, arqueando uma sobrancelha, já percebendo que a conversa não era só sobre trabalho.
- Claro, Bruno. O que foi? - respondeu ela, entregando-lhe um sorriso curioso.
- Queria saber o que achou da promoção da Laura. - Bruno inclinou-se levemente, como se as palavras precisassem ser mantidas em segredo, embora soubesse que Julia adorava uma boa fofoca corporativa.
Julia soltou uma risada baixa, mexendo a colher na chicara de café.
- Ah, isso? Foi… algo que iria acontecer logo. - Ela fez uma pausa, olhando diretamente para Bruno. - Mas o que realmente me chamou a atenção foi o tempo que ela ficou sozinha com a Ester ontem à noite.
Bruno cruzou os braços, o olhar estreitando-se.
- Você não deixa escapar nada, né? - repetiu, já imaginando as cenas na sua cabeça.
Julia assentiu, com um brilho divertido nos olhos.
- Esse trabalho precisa ter alguma diversão também. A expressão da Ester quando saiu… ela fica diferente quando esta com você, mas com a Laura.
Bruno soltou um suspiro, a mente fervilhando com novas teorias.
- Esta dizendo que tem algo entre as duas? - perguntou, mais para si mesmo do que para Julia.
Julia deu de ombros, mas o sorriso malicioso não desapareceu.
- Não sei, mas parece que sim. E olha, Laura não é de dar ponto sem nó. Se ela quer algo, vai atrás. E, pelo que vi ontem, ela quer algo da Ester ou a Ester.
Bruno ficou em silêncio por um momento, processando a informação. A ideia de que Laura poderia estar se aproximando de Ester por motivos além do profissional não o agradava. Havia algo de possessivo no modo como pensava em Ester, mesmo que nunca tivesse admitido isso em voz alta.
- Obrigado, Julia. - disse ele, finalmente, dando-lhe um sorriso antes de sair.
Enquanto caminhava de volta para sua sala, Bruno sentia que o odio crescer. Laura não era só uma colega ambiciosa; ela estava se tornando uma adversária. E ele não tem adversarios.
Na mesma tarde, Ester recebeu uma notificação no seu e-mail. Era de Letícia, do RH, informando que havia uma vaga de secretária do gerente no setor de qualidade e que ela estava sendo considerada para a promoção. Ester leu o e-mail duas vezes, o coração acelerando. A promoção era uma oportunidade, benefícios melhores, salário mais alto, mas o que realmente a perturbava era o motivo por trás dessa oferta.
Ela sabia, instintivamente, que Laura estava por trás disso.
Ester fechou o e-mail e olhou pela janela, tentando clarear os pensamentos. Sabia que aquela não seria uma decisão fácil. Aceitar o novo cargo significava estar ainda mais próxima de Laura. E, por mais que a ideia a intrigasse, também a assustava.
O dia seguinte começou com um céu cinzento e carregado, refletindo o clima dentro da cabeça de Ester. O e-mail de Letícia ainda estava fresco na sua mente, assim como a sensação desconfortável de saber que Laura, de alguma forma, estava por trás daquela “promoção”. O aumento de salário e os benefícios eram tentadores, mas a proximidade forçada com Laura fazia seu estômago revirar. Ou talvez fosse outra coisa que a deixava inquieta, aquela tensão elétrica que pairava entre as duas, como se cada encontro fosse uma partida de xadrez onde nenhuma queria admitir o verdadeiro jogo. Ester ainda estava imersa nesses pensamentos quando o telefone vibrou novamente. Era Bruno, insistente como sempre. "Me encontra para um café? Precisamos mesmo conversar." A mensagem parecia inocente, mas Ester sabia que havia mais ali do que trabalho. Ela respirou fundo, pegou a sua mala e decidiu que não podia adiar aquilo. Talvez entender o que Bruno queria ajudasse a clarear a confusão que se formava na sua
O som constante dos teclados e o zumbido baixo das conversas nos corredores criavam uma trilha sonora quase reconfortante para Ester naquela manhã. Mas, por dentro, ela sentia-se como se estivesse num terreno instável, cada passo calculado para não escorregar. A oferta de Laura ainda ecoava em sua mente, misturada com a conversa ambígua que tivera com Bruno no dia anterior. Nada parecia ser o que realmente era, e isso a deixava mais desconfortável do que gostaria de admitir.Enquanto revia alguns documentos, uma nova notificação apareceu na sua tela: “Letícia do RH gostaria de agendar uma reunião rápida contigo. Sala 4, 10h.”Ester franziu a testa. Não esperava um novo encontro com Letícia, mas algo na formalidade do convite parecia indicar que não era apenas sobre processos burocráticos. Decidiu que precisava de respostas e talvez Letícia pudesse oferecê-las.Letícia estava à espera na pequena sala de reuniões no fim do corredor. A mulher, conhecida pelo seu profissionalismo impecáve
Laura estava ansiosa pelo primeiro dia em que trabalharia tão perto de Ester. Ter a jovem ali, sob sua supervisão direta, seria uma excelente distração em meio às intermináveis papeladas. Mas, mais do que isso, era uma vitória. Um prazer sutil e perigoso de poder tê-la por perto. Ainda assim, manteve-se firme, autoritária, caminhando pelo prédio com seus saltos ecoando pelos corredores, anunciando sua aproximação.Ester, por sua vez, mal pregou os olhos durante a noite. A dúvida corroía sua mente. Ainda dava tempo de desistir? Ou deveria enfrentar Laura de frente, conquistar o respeito dela e provar que não seria facilmente dobrada? Com o pensamento oscilando entre medo e desafio, levantou-se cedo, afogando-se em café para manter-se alerta. Aproveitou o tempo extra para limpar sua mesa no antigo setor e levar suas coisas para a nova estação de trabalho, estrategicamente posicionada bem em frente à sala de Laura.Ao chegar, encontrou um pequeno post-it amarelo colado ao telefone. As pa
Júlia descobriu que Ester havia aceitado a “promoção” por acaso.Ela precisava de alguém para cobrir uma demanda urgente e, por hábito, foi direto até a mesa da garota no setor administrativo. Mas o espaço estava vazio. Nenhum sinal dos objetos pessoais de Ester, nenhuma xícara de café esquecida ao lado do monitor, nenhuma bolsa jogada sobre a cadeira.Só então se lembrou dos rumores que tinham começado a circular pela empresa na última semana.Ester tinha mudado de setor.Não qualquer setor.O setor de qualidade.O setor que agora era da Laura.Júlia cruzou os braços e sorriu de canto, uma satisfação irônica crescendo dentro dela.“Interessante.”Depois de garantir que outra pessoa assumisse sua demanda, seguiu para o setor de qualidade e, de longe, observou Ester trabalhando. A nova mesa estava organizada, cada coisa em seu lugar. A postura de Ester era firme, tentando se encaixar naquele ambiente como se pertencesse a ele.Júlia não precisava chegar perto para sentir a tensão no ar
Ricardo já estava acostumado a ser invisível.Trabalhando com TI, ninguém se importava o suficiente com sua presença, até que algo parava de funcionar. Era sempre assim. E, sinceramente, ele preferia dessa forma.A matriz da empresa era diferente da unidade onde trabalhava antes.Os corredores eram movimentados, as conversas pareciam carregadas de algo mais do que simples rotinas de trabalho. Como se sempre houvesse uma disputa silenciosa acontecendo.E ele estava ali apenas para garantir que os sistemas funcionassem.No primeiro dia, passou boa parte do tempo no departamento de TI, conhecendo os processos internos, verificando chamados pendentes. Nada fora do comum.No segundo dia, começaram os pedidos.- Ricardo, meu e-mail bloqueou.- Ricardo, o sistema caiu, não consigo acessar os relatórios.- Ricardo, esqueci minha senha de novo.Era sempre a mesma coisa.Com paciência, ele foi resolvendo um problema de cada vez. Alguns eram fáceis, outros exigiam um pouco mais de investigação,
Bruno ainda estava pensativo sobre a reunião, sobre a pequena derrota que sofreu. Sentia o gosto amargo de ter sido colocado no lugar, de ter perdido o controle da situação.Mas, antes de tomar qualquer decisão precipitada, uma daquelas que ele sabia que se arrependeria depois, pegou o celular e, digitou uma mensagem para Ester."Oi. Eu não queria ser tão protetor com você, mas algo dentro de mim passa à frente da minha razão, e eu não sei como negar ou reprimir isso..."Respirou fundo antes de enviar.O que estava tentando dizer, afinal?Ele sabia que estava exagerando. Sabia que a forma como reagiu à nova posição de Ester não tinha sido justa. Mas, mais do que isso, sabia que havia algo nele que não conseguia aceitar a ideia de vê-la tão próxima de Laura.No setor de qualidade, Ester estava concentrada em mais uma pilha de papéis quando sentiu o celular vibrar sobre a mesa. Pegou-o sem muita pressa, mas ao ver o nome de Bruno na tela, hesitou por um segundo antes de desbloquear a te
Júlia perambulava pelo prédio como se não tivesse obrigações, como se o trabalho fosse apenas um detalhe irrelevante em seu dia.A verdade? Boa parte das pessoas se perguntava como ela ainda mantinha o emprego.Mas Júlia sabia exatamente o que estava fazendo.Ela sempre soube.E agora, enquanto cruzava o corredor do RH com passos silenciosos, seu olhar estava fixo num único objetivo.Ao contrário de outros setores, onde fazia questão de ser notada, ali ela movia-se com discrição. Passou pela mesa de Letícia, vazia, como previa. Provavelmente estava em alguma reunião, o que lhe dava tempo suficiente para o que queria.Parou diante da porta do supervisor do RH e bateu três vezes.Batidas pausadas. Conhecidas.Uma voz rouca respondeu do outro lado.- Entre.Júlia abriu a porta e deslizou para dentro, fechando-a atrás de si com um clique suave.- Oi, amor - disse, um sorriso jogado nos lábios. - Estava com saudades.O homem atrás da mesa ergueu os olhos do computador, e um sorriso lento s
Ester voltou para o escritório no carro de Bruno, mas saiu antes que ele pudesse estacionar no prédio. Precisava de um momento para si, para recompor a expressão antes de atravessar aqueles corredores e encarar o que quer que estivesse à sua espera.Ainda sentia o gosto do beijo dele nos lábios.E o peso da decisão nos ombros.Já estava quase se acostumando com essa sensação, o arrependimento silencioso que vinha depois de cada escolha impulsiva. Mas saber que teria que encarar Laura pelo resto da tarde fazia tudo parecer ainda pior.Ao chegar à sua mesa, tentou se concentrar, mas o telefone tocou antes mesmo que pudesse abrir um único documento.O visor mostrava o ramal de Laura.Ester fechou os olhos por um segundo antes de atender.- Sim?Ela tentou soar neutra, mas sabia que seu tom entregava algo. Algo errado.E Laura, percebeu.- Na minha sala. Agora.A ordem veio rápida, firme, sem espaço para discussão.A ligação foi encerrada antes que Ester pudesse responder.Ela suspirou, p