Capitulo 6: Primeiro dia

Laura estava ansiosa pelo primeiro dia em que trabalharia tão perto de Ester. Ter a jovem ali, sob sua supervisão direta, seria uma excelente distração em meio às intermináveis papeladas. Mas, mais do que isso, era uma vitória. Um prazer sutil e perigoso de poder tê-la por perto. Ainda assim, manteve-se firme, autoritária, caminhando pelo prédio com seus saltos ecoando pelos corredores, anunciando sua aproximação.

Ester, por sua vez, mal pregou os olhos durante a noite. A dúvida corroía sua mente. Ainda dava tempo de desistir? Ou deveria enfrentar Laura de frente, conquistar o respeito dela e provar que não seria facilmente dobrada? Com o pensamento oscilando entre medo e desafio, levantou-se cedo, afogando-se em café para manter-se alerta. Aproveitou o tempo extra para limpar sua mesa no antigo setor e levar suas coisas para a nova estação de trabalho, estrategicamente posicionada bem em frente à sala de Laura.

Ao chegar, encontrou um pequeno post-it amarelo colado ao telefone. As palavras escritas com uma caligrafia elegante fizeram seu estômago se contrair:

"Estou ansiosa para trabalhar com você."

No final da frase, um coração desenhado sem muito capricho. Pequeno, quase displicente, mas carregado de intenções.

Ester sentiu o estômago revirar. Sua mão hesitou antes de arrancar o bilhete. O papel fino parecia quente em seus dedos, como se carregasse a intenção de Laura. Sem pensar duas vezes, amassou e jogou no lixo, respirando fundo. Precisava se concentrar no trabalho.

Foi quando ouviu.

Os passos.

Ritmo firme, controlado, ecoando no piso como uma batida lenta e calculada.

Seu coração acelerou sem permissão, e ela soube antes mesmo de levantar os olhos.

Laura estava ali.

Quando ergueu os olhos, encontrou a gerente já parada diante dela, observando-a com um sorriso pequeno, quase imperceptível. Ester sentiu o olhar dela passear por seu corpo, como uma avaliação silenciosa, que a fez endireitar a postura automaticamente.

- Espero que tenha dormido bem - disse Laura, sua voz baixa, rouca o suficiente para soar íntima.

Ester umedeceu os lábios, prendendo os dedos no tampo da mesa.

- Dormi o suficiente- respondeu, mantendo o tom neutro.

Laura ergueu uma sobrancelha, claramente se divertindo com o esforço de Ester para manter a compostura.

- Ótimo. Quero você alerta hoje.

O jeito como enfatizou “quero você” fez com que um arrepio percorresse a espinha de Ester. Ela desviou o olhar, fingindo organizar alguns papéis.

- Sempre estou alerta - murmurou.

Laura inclinou a cabeça, o sorriso aumentando levemente.

- Veremos.

Então, virou-se, entrando em sua sala com a naturalidade de quem sabia exatamente o efeito que causava.

Com Ester podendo em fim soltar o ar que nem percebeu que estava segurando.

A garota tentava, a todo custo, manter a mente no trabalho. Tentava ignorar a presença de Laura, o som dos saltos elegantes cruzando o escritório, o perfume marcante que parecia envolver tudo ao seu redor.

Mas era impossível.

Desde o momento em que entrou naquele setor, sentia-se sob constante observação. Laura não precisava dizer nada. Seu olhar falava por si. Avaliador. Certeiro. Consciente do poder que tinha.

O telefone tocou, arrancando-a dos pensamentos.

- Ester, venha até minha sala. Agora.

A ligação foi curta. Precisa.

Engolindo em seco, pegou seu bloco de anotações e foi.

Bateu na porta de vidro, ouvindo a voz de Laura autorizá-la a entrar. Assim que passou pela entrada, notou como a sala parecia maior do que imaginava. Janelas amplas, móveis minimalistas e uma poltrona imponente onde Laura estava sentada, as pernas cruzadas, a postura impecável.

- Feche a porta.

Ester hesitou um segundo antes de obedecer.

- Sente-se - Laura indicou a cadeira à sua frente, mas Ester permaneceu de pé.

- Prefiro ficar assim.

Um sorriso quase imperceptível brincou nos lábios de Laura.

- Claro que prefere. Mas quero que sente.

A ordem veio sem pressa, sem tom autoritário, mas carregada de certeza. Um jogo sutil, e Ester percebeu que já estava perdendo. Mordeu o lábio e se sentou.

- Está se adaptando bem? - Laura perguntou, os olhos analisando cada detalhe de sua expressão.

- Sim - Ester respondeu, tentando soar segura.

Laura inclinou-se ligeiramente, apoiando os cotovelos na mesa.

- Escolhi você porque confio no seu trabalho. Mas também porque sei que pode lidar com... pressão.

O jeito como ela disse aquilo fez o estômago de Ester revirar.

- Sei lidar com muitas coisas - retrucou, mantendo o olhar fixo.

Laura sorriu. Lento. Provocativo.

Por um instante, o silêncio entre elas pareceu pesado demais, carregado demais. Ester apertou a ponta da caneta entre os dedos, como se precisasse de algo físico para se ater à realidade.

Laura deslizou um papel pela mesa.

- Preciso que organize isso para mim. E quero que me entregue pessoalmente.

Ester pegou o documento e se levantou rápido, querendo sair dali antes que sua pele entregasse o calor que começava a subir.

Mas, antes que alcançasse a porta, ouviu Laura chamar seu nome.

- Sim?

Laura observou-a por um segundo a mais do que o necessário.

- Nada. Pode ir.

Ester saiu sem olhar para trás.

Mas sentiu.

Sentiu o olhar de Laura cravado em suas costas, como uma promessa silenciosa.

Laura observou Ester sair de sua sala sem pressa, o som dos passos dela sumindo pelo corredor. Quando a porta se fechou, um sorriso quase imperceptível surgiu no canto de seus lábios.

Sabia exatamente o que estava fazendo.

Escolher Ester para aquela posição poderia ter parecido uma decisão racional para qualquer um de fora, mas Laura não era tola. Poderia ter selecionado alguém com mais experiência como secretária, alguém que não a desestabilizasse tanto.

Mas onde estaria a graça nisso?

Ela se inclinou na cadeira, passando os dedos lentamente pela mesa de madeira. Não havia nada nos papéis que realmente exigissem sua supervisão pessoal. Mas queria vê-la voltar.

Queria observar de perto a forma como Ester tentava desesperadamente manter a compostura, como seus olhos evitavam contato prolongado, como a respiração dela vacilava por frações de segundo sempre que Laura se aproximava demais.

Havia uma tensão ali. Uma linha tênue entre resistência e entrega.

Girou levemente a cadeira, deixando o olhar vagar pela vista panorâmica da cidade através das janelas. Sabia que deveria estar focada na pilha de relatórios sobre a mesa, nas reuniões programadas para aquela semana, nos desafios do novo cargo. Mas sua mente insistia em voltar para Ester.

Para o jeito que ela umedeceu os lábios antes de responder.

Para o breve atraso em sua respiração quando fechou a porta.

Laura gostava de ter o controle das coisas. E Ester... bem, Ester ainda não percebeu que fazia parte da distração de Laura.

Laura descruzou as pernas lentamente, seus dedos tamborilando suavemente sobre o tampo da mesa enquanto aguardava. O relógio marcava cada segundo com precisão, e ela sabia que Ester voltaria a qualquer momento.

O que ela não sabia, ou fingia não saber, era o motivo exato daquela impaciência dentro de si.

O som firme dos saltos no corredor anunciou a chegada de Ester antes mesmo da batida na porta. Laura endireitou a postura, deixando um sorriso discreto curvar seus lábios.

- Entre.

A porta se abriu, e Ester apareceu segurando os documentos organizados em uma pasta impecável. A jovem manteve o olhar firme, como se tentasse provar que nada ali a afetava. Mas Laura notou.

Notou a rigidez na postura.

Notou a forma como os dedos seguravam a pasta com força demais.

Notou como a respiração de Ester hesitou ao pisar dentro da sala, como se a atmosfera ali dentro fosse diferente.

Laura adorava isso.

- Aqui estão os documentos - Ester disse, sua voz controlada.

Laura não respondeu de imediato. Em vez disso, levantou-se devagar, dando a volta na mesa. Parou ao lado de Ester, mas não pegou a pasta.

- Quero que me explique o que organizou - disse em um tom propositalmente baixo.

Ester não recuou, mas Laura viu a hesitação em seus olhos antes de desviar o olhar para os papéis.

- Separei os relatórios das não conformidades por criticidade, e destaquei as reincidentes. Também adicionei os planos de ação pendentes e os prazos para cada setor responder.

A voz de Ester soava profissional. Segura.

Mas Laura queria testar.

- Ótimo trabalho - murmurou, finalmente pegando a pasta das mãos dela. Seus dedos roçaram os de Ester, e o contato foi mínimo, quase acidental.

Mas não foi.

Ela sentiu. E soube que Ester sentiu também.

O silêncio que se seguiu pareceu denso.

Laura abriu a pasta, folheando as páginas devagar, permitindo que o espaço entre elas se reduzisse sem pressa. Não precisava olhar diretamente para saber que Ester estava tensa.

- Gosto de pessoas organizadas - comentou, sem pressa. - Que sabem exatamente o que fazer.

Ester manteve-se imóvel.

- Eu procuro sempre fazer o melhor.

Laura ergueu os olhos, encontrando os de Ester. O azul intenso carregava algo que poderia ser desafio. Ou defesa.

Ambos a intrigavam.

- Eu sei - Laura disse, e então fechou a pasta, pousando-a sobre a mesa.

Os olhos de Ester brilharam por um instante, mas ela desviou o olhar rapidamente.

Laura sorriu, satisfeita.

- Tenho outra reunião agora. Mas depois quero que traga um café para mim. Na minha mesa.

Foi um comando. Simples. Mas carregado de algo que ia além do tom profissional.

Ester assentiu, virando-se para sair.

Laura a observou caminhar até a porta, apreciando o jeito preciso de seus passos. Mas, pouco antes de Ester girar a maçaneta, ela falou novamente:

- Ah, e Ester…

A jovem parou.

- Sim?

Laura segurou o próprio sorriso antes de responder:

- Eu prefiro sem açúcar.

O silêncio de Ester durou um segundo a mais do que deveria.

Então, ela saiu.

Laura soltou um suspiro longo, passando a língua pelo lábio inferior enquanto se recostava na mesa.

Aquilo ainda ia ser muito divertido.

Ester soltou um suspiro pesado assim que saiu da sala de Laura. Seus ombros estavam tensos, como se tivesse segurado a respiração o tempo inteiro lá dentro.

Precisava de um momento para si.

Caminhou até a copa, onde o som baixo das conversas de outros funcionários se misturava ao ruído da máquina de café. Pegou uma caneca e encheu com a bebida quente, inalando o aroma forte antes de dar o primeiro gole. O calor espalhou-se por seu peito, mas não foi suficiente para dissipar a sensação que Laura deixava em sua pele.

O jeito que ela falava.

O jeito que ela olhava.

O jeito que se aproximava apenas o suficiente para testar limites.Ester respirou fundo, tentando afastar a lembrança. Encostou-se na bancada e fechou os olhos por um instante, aproveitando a breve solidão.

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App