Ester estava novamente em frente ao espelho do pequeno lavabo do escritório, recitando novamente as palavras que diria a Bruno. A imagem refletida mostrava mais do que uma mulher organizada em seu blazer bem alinhado e maquilhagem impecável, ela estava visivelmente nervosa, mordendo levemente o canto do lábio inferior. Por mais que tentasse ensaiar todos os cenários possíveis, o rosto de Bruno sempre aparecia na sua mente com aquele sorriso descomprometido que a desarmava. Toda vez que ela tentava abordar um assunto mais sério, ele mudava de tema. Mas hoje, Ester estava decidida. Ela precisava desta conversa.
Com um suspiro profundo, alisou a barra do blazer, endireitou a postura e voltou à sua mesa. O dia prometia ser longo, e ela sabia que a ansiedade faria companhia a cada segundo.
No fundo do escritório, Julia aproximava-se com aquele andar confiante e olhar predatório, como se sempre estivesse a calcular a próxima jogada. Julia era uma mulher que sabia usar sua beleza a seu favor, e isso a colocava frequentemente no centro das atenções. Assim que chegou à mesa de Ester, colocou os papéis com um sorriso falso nos lábios.
- Preciso de ajuda com esses relatórios. Você consegue terminar isso pra mim? - disse Julia, com um tom que soava mais como uma ordem do que um pedido.
Ester hesitou por um momento, mas, na verdade, aceitou mais pelo alívio de se distrair do que por bondade.
- Claro, Julia - respondeu enquanto pegava os documentos. "Quanto mais trabalho, menos tempo para pensar nele", pensou.
Julia arqueou as sobrancelhas, surpresa com a prontidão de Ester. Normalmente, era necessário um pouco mais de persuasão. Mesmo assim, ela decidiu aproveitar a deixa. Sentou-se na mesa ao lado e começou a digitar no teclado, embora os olhos frequentemente se levantassem em busca de alguma reação.
- Então, já ouviu a última novidade? - perguntou, inclinando-se um pouco para frente como se estivesse prestes a contar o maior segredo do mundo. - Demitiram mais uma secretária do seu Antônio. Pelo mesmo motivo de sempre.
Ester suspirou, os olhos fixos nas planilhas à sua frente, mas o tom de desprezo em seu rosto era inconfundível. "O mesmo motivo de sempre", claro, era o comportamento predatório de Antônio, o gerente do setor de qualidade. Todos sabiam que ele usava sua posição para assediar as secretárias mais jovens, e sua má reputação era tema recorrente nos corredores.
Julia percebeu que Ester não estava mordendo a isca e continuou, insistente:
- Ouvi dizer que estão considerando demitir ele de vez agora. Você tem noção do que isso significa?
Ester apenas balançou a cabeça, tentando conter a irritação. Não tinha paciência para os boatos de Julia, especialmente em um dia em que sua mente já estava ocupada demais.
- Julia, se você quer que eu faça o seu trabalho, pelo menos me deixa fazer ele em paz - respondeu, sem levantar os olhos do ecrã.
Julia revirou os olhos e, com um gesto desdenhoso, levantou-se em busca de alguém mais disposto a ouvi-la. O som de seus saltos ecoou enquanto ela se afastava.
O escritório voltou ao habitual: o som incessante dos teclados, o aroma de café que parecia nunca desaparecer e as vozes abafadas que vinham do refeitório. No setor de qualidade, o clima era um pouco mais tenso. Todos sabiam que o afastamento de Antônio abria espaço para uma nova gerência, e era óbvio que Laura, a funcionária mais ambiciosa do setor, não perderia a chance.
Laura era o oposto de Ester. Tinha um olhar afiado e um ar de autoconfiança que era quase intimidador. O cabelo curto, num corte pixie, reforçava a sua imagem de mulher decidida e prática. Desde que Antônio começara a acumular problemas, Laura estava estrategicamente se posicionando. Fora ela quem incentivara a última secretária a formalizar uma denúncia de assédio, algo que todos temiam fazer.
"Seja objetiva e direta. Eles não têm como ignorar se você for clara", lembrava-se de ter dito à secretária, que hesitou antes de enviar o e-mail que selaria o destino de Antônio.
Agora, Laura estava um passo mais próxima de conquistar o cargo. Sabia que seu desempenho era impecável e que Letícia, do RH, certamente já a considerava a principal candidata.
Letícia, por sua vez, analisava a lista de candidatos em sua sala. Era meticulosa, quase obsessiva, quando se tratava de seguir os critérios da gerência. Ester, embora estivesse na lista, não era do setor de qualidade, o que a colocava em desvantagem. Letícia ajustou os óculos, pegou o relatório de Laura e suspirou. "Ela realmente é uma candidata forte", pensou.
Enquanto isso, Ester terminava o terceiro relatório que Julia lhe empurrara, mas sua mente voltava ao assunto que mais a atormentava: Bruno. Será que ele sentia algo por ela? Ou estava apenas a brincar com os seus sentimentos?
Naquele momento, Bruno apareceu no escritório, com seu habitual sorriso fácil e a camisa ligeiramente dobrada nos cotovelos, um detalhe que sempre chamava a atenção de Ester. Ele parecia casual, mas a maneira como cumprimentava os colegas com aquele tom amigável e despreocupado mostrava que ele sabia exatamente o efeito que causava. Bruno não era do tipo que se deixava envolver facilmente, mas com Ester, algo parecia diferente, pelo menos era isso que ela se perguntava constantemente.
Ester tentou ignorar a presença dele, mantendo os olhos fixos na tela do computador, mas a cada palavra que ele dizia aos outros, o som de sua voz parecia puxá-la para longe das planilhas. Quando ele finalmente se aproximou de sua mesa, segurando uma xícara de café, ela sentiu o coração acelerar.
- Ei, Ester. Está muito ocupada? - perguntou Bruno, com aquele sorriso que sempre a desarmava.
Ela piscou algumas vezes, tentando parecer indiferente.
- Sempre estou, não é? - respondeu, tentando manter o tom profissional.
- Verdade. Acho que é por isso que tudo aqui funciona tão bem - disse ele, apoiando-se na mesa ao lado. - Mas... parece um pouco distraída hoje.
O comentário a fez corar. Ester virou-se rapidamente para o monitor, digitando qualquer coisa para disfarçar.
- Só o fluxo normal de trabalho - murmurou, enquanto sentia o olhar dele em si.
Bruno abriu a boca para dizer algo, mas antes que pudesse continuar, Julia apareceu, interrompendo com a sua presença sempre calculada.
- Bruno, precisava falar contigo sobre o projeto de marketing. É urgente - disse Julia, com um tom doce que Ester reconhecia como forçado.
Ele suspirou, jogando um olhar de desculpa para Ester.
- Depois continuamos, então. Até logo, Ester.
E, assim, foi embora com Julia, que parecia satisfeita com a interrupção. Ester fechou os olhos por um momento, tentando acalmar o turbilhão de pensamentos. Era sempre assim. Quando ela finalmente sentia que poderia se abrir, algo ou alguém interferia.
No setor de qualidade, Laura andava com determinação, cada passo medido como se já fosse a nova gerente. Tinha a atenção de Letícia, e isso bastava para alimentar sua confiança. Ao cruzar com Bruno no corredor, ela parou, avaliando-o com o mesmo olhar calculista que reservava para qualquer possível aliado ou rival.
- Bruno, acho que você pode se interessar por uma novidade - disse Laura, o tom controlado e direto, como quem tem algo importante a dizer.
Ele arqueou a sobrancelha, curioso.
- Do que se trata?
Laura ajeitou a postura, cruzando os braços enquanto o observava.
- Sobre o cargo de gerente. Estão analisando os candidatos neste momento. Alguns já começaram a enviar relatórios detalhados e a reforçar suas conquistas. É curioso ver como as peças começam a se mover, não acha?
Bruno deu um leve sorriso, encostando-se na parede.
- Sempre soube que você era uma estrategista nata. Já está preparando o terreno, não é?
Laura soltou uma breve risada, seca e eficiente.
- Num ambiente como este, quem não está?
Bruno inclinou levemente a cabeça, avaliando-a com cuidado antes de responder:
- Verdade. Mas é sempre bom lembrar que o jogo não é tão previsível quanto parece.
Com isso, ele saiu, deixando Laura pensativa. Ela sabia que Bruno era alguém que não se deixava envolver facilmente em intrigas, mas sua influência informal no escritório era algo que ela sempre levava em conta. Laura ajustou a postura e continuou seu caminho, convencida de que, com ou sem apoio, o cargo estava ao seu alcance.
Enquanto isso, Letícia observava o comportamento de todos com a sua habitual atenção ao detalhe. Apesar de sua posição no RH, ela era vista como uma figura neutra, mas carregava o poder de decidir quem avançaria na empresa. Olhando os relatórios que chegavam à sua mesa, ela notou algo curioso: Ester estava entregando resultados consistentes, mas sem se promover, enquanto Laura fazia questão de enfatizar cada conquista.
Letícia suspirou, colocando os papéis de lado. Apesar das decisões técnicas, sabia que o próximo gerente não seria escolhido apenas pelos números. Havia muito mais em jogo: a política, os relacionamentos e as percepções que cada funcionário criava no ambiente de trabalho.
De volta à sua mesa, Ester sentiu seu telemóvel vibrar. Uma mensagem de Bruno apareceu na tela:
"Podemos conversar mais tarde? Me encontre na sala de reuniões pequena às 18h."
Seu coração deu um salto. Ele raramente a chamava assim, diretamente, e a escolha da hora, após o expediente, parecia ainda mais incomum. "Será que é agora?", pensou. Talvez, finalmente, fosse a oportunidade de dizer tudo o que sentia.
Ao mesmo tempo, do outro lado do escritório, Julia observava Ester de longe, percebendo sua reação à mensagem. Um sorriso malicioso apareceu em seus lábios. Não era segredo que Ester tinha algo por Bruno, mas Julia estava determinada a saber mais.
E assim, enquanto os ponteiros do relógio avançavam, o escritório parecia se transformar numa panela de pressão. Todos os movimentos, todas as palavras e olhares tinham peso. O destino de muitos estava sendo decidido, mas o de Ester, naquele momento, parecia preso a uma única conversa que poderia mudar tudo.
O escritório estava quase vazio, o som dos poucos teclados ainda ativos ecoava suavemente pelo ambiente, criando um pano de fundo discreto para o que estava por vir. As luzes reduzidas criavam sombras alongadas nas paredes, dando ao local um ar mais íntimo e carregado de tensão. Ester arrumava seus papéis com movimentos automáticos, mas sua mente estava longe dali. O peso dos relatórios inacabados parecia menor diante do turbilhão de sentimentos confusos que a assombravam desde o início do dia. Algo no ar estava diferente, e ela sentia isso na pele.Quando abriu a porta da sala de reuniões, encontrou Bruno encostado na mesa, com os braços cruzados e um sorriso que irradiava o seu charme natural. Ele era assim, sempre à vontade, como se o mundo girasse no seu ritmo. Os olhos dele, escuros e penetrantes, encontraram os de Ester, e por um breve momento, o tempo pareceu desacelerar.- Achei que não viesse - disse ele, inclinando a cabeça para o lado, o olhar fixo nela com uma intensidade
Na manhã seguinte, o escritório ganhou ação gradualmente com o som dos passos apressados, telefones tocando e conversas abafadas pelos corredores. Laura, entretanto, já estava em sua nova sala antes mesmo do horário de expediente começar. O sol mal iluminava a cidade lá fora, mas dentro dela, as engrenagens já giravam com precisão.Com a xícara de café ainda quente ao lado, enquanto organizava sua lista de tarefas, conferindo cada detalhe com a meticulosidade que a definia. Foi então que um novo e-mail apareceu na sua caixa de entrada. Era de Letícia, do RH, informando a necessidade urgente de contratar uma nova secretária para o setor.Laura sorriu para a tela, um sorriso que misturava oportunidade e estratégia. Sem hesitar, a única pessoa que passou por sua mente foi Ester. Não era uma mudança tão drástica da função atual dela, mas a ideia de tê-la mais próxima, sob sua supervisão direta, era tentadora demais para ignorar. Além disso, o cargo de secretária do gerente trazia benefíci
O dia seguinte começou com um céu cinzento e carregado, refletindo o clima dentro da cabeça de Ester. O e-mail de Letícia ainda estava fresco na sua mente, assim como a sensação desconfortável de saber que Laura, de alguma forma, estava por trás daquela “promoção”. O aumento de salário e os benefícios eram tentadores, mas a proximidade forçada com Laura fazia seu estômago revirar. Ou talvez fosse outra coisa que a deixava inquieta, aquela tensão elétrica que pairava entre as duas, como se cada encontro fosse uma partida de xadrez onde nenhuma queria admitir o verdadeiro jogo. Ester ainda estava imersa nesses pensamentos quando o telefone vibrou novamente. Era Bruno, insistente como sempre. "Me encontra para um café? Precisamos mesmo conversar." A mensagem parecia inocente, mas Ester sabia que havia mais ali do que trabalho. Ela respirou fundo, pegou a sua mala e decidiu que não podia adiar aquilo. Talvez entender o que Bruno queria ajudasse a clarear a confusão que se formava na sua
O som constante dos teclados e o zumbido baixo das conversas nos corredores criavam uma trilha sonora quase reconfortante para Ester naquela manhã. Mas, por dentro, ela sentia-se como se estivesse num terreno instável, cada passo calculado para não escorregar. A oferta de Laura ainda ecoava em sua mente, misturada com a conversa ambígua que tivera com Bruno no dia anterior. Nada parecia ser o que realmente era, e isso a deixava mais desconfortável do que gostaria de admitir.Enquanto revia alguns documentos, uma nova notificação apareceu na sua tela: “Letícia do RH gostaria de agendar uma reunião rápida contigo. Sala 4, 10h.”Ester franziu a testa. Não esperava um novo encontro com Letícia, mas algo na formalidade do convite parecia indicar que não era apenas sobre processos burocráticos. Decidiu que precisava de respostas e talvez Letícia pudesse oferecê-las.Letícia estava à espera na pequena sala de reuniões no fim do corredor. A mulher, conhecida pelo seu profissionalismo impecáve
Laura estava ansiosa pelo primeiro dia em que trabalharia tão perto de Ester. Ter a jovem ali, sob sua supervisão direta, seria uma excelente distração em meio às intermináveis papeladas. Mas, mais do que isso, era uma vitória. Um prazer sutil e perigoso de poder tê-la por perto. Ainda assim, manteve-se firme, autoritária, caminhando pelo prédio com seus saltos ecoando pelos corredores, anunciando sua aproximação.Ester, por sua vez, mal pregou os olhos durante a noite. A dúvida corroía sua mente. Ainda dava tempo de desistir? Ou deveria enfrentar Laura de frente, conquistar o respeito dela e provar que não seria facilmente dobrada? Com o pensamento oscilando entre medo e desafio, levantou-se cedo, afogando-se em café para manter-se alerta. Aproveitou o tempo extra para limpar sua mesa no antigo setor e levar suas coisas para a nova estação de trabalho, estrategicamente posicionada bem em frente à sala de Laura.Ao chegar, encontrou um pequeno post-it amarelo colado ao telefone. As pa
Júlia descobriu que Ester havia aceitado a “promoção” por acaso.Ela precisava de alguém para cobrir uma demanda urgente e, por hábito, foi direto até a mesa da garota no setor administrativo. Mas o espaço estava vazio. Nenhum sinal dos objetos pessoais de Ester, nenhuma xícara de café esquecida ao lado do monitor, nenhuma bolsa jogada sobre a cadeira.Só então se lembrou dos rumores que tinham começado a circular pela empresa na última semana.Ester tinha mudado de setor.Não qualquer setor.O setor de qualidade.O setor que agora era da Laura.Júlia cruzou os braços e sorriu de canto, uma satisfação irônica crescendo dentro dela.“Interessante.”Depois de garantir que outra pessoa assumisse sua demanda, seguiu para o setor de qualidade e, de longe, observou Ester trabalhando. A nova mesa estava organizada, cada coisa em seu lugar. A postura de Ester era firme, tentando se encaixar naquele ambiente como se pertencesse a ele.Júlia não precisava chegar perto para sentir a tensão no ar
Ricardo já estava acostumado a ser invisível.Trabalhando com TI, ninguém se importava o suficiente com sua presença, até que algo parava de funcionar. Era sempre assim. E, sinceramente, ele preferia dessa forma.A matriz da empresa era diferente da unidade onde trabalhava antes.Os corredores eram movimentados, as conversas pareciam carregadas de algo mais do que simples rotinas de trabalho. Como se sempre houvesse uma disputa silenciosa acontecendo.E ele estava ali apenas para garantir que os sistemas funcionassem.No primeiro dia, passou boa parte do tempo no departamento de TI, conhecendo os processos internos, verificando chamados pendentes. Nada fora do comum.No segundo dia, começaram os pedidos.- Ricardo, meu e-mail bloqueou.- Ricardo, o sistema caiu, não consigo acessar os relatórios.- Ricardo, esqueci minha senha de novo.Era sempre a mesma coisa.Com paciência, ele foi resolvendo um problema de cada vez. Alguns eram fáceis, outros exigiam um pouco mais de investigação,
Bruno ainda estava pensativo sobre a reunião, sobre a pequena derrota que sofreu. Sentia o gosto amargo de ter sido colocado no lugar, de ter perdido o controle da situação.Mas, antes de tomar qualquer decisão precipitada, uma daquelas que ele sabia que se arrependeria depois, pegou o celular e, digitou uma mensagem para Ester."Oi. Eu não queria ser tão protetor com você, mas algo dentro de mim passa à frente da minha razão, e eu não sei como negar ou reprimir isso..."Respirou fundo antes de enviar.O que estava tentando dizer, afinal?Ele sabia que estava exagerando. Sabia que a forma como reagiu à nova posição de Ester não tinha sido justa. Mas, mais do que isso, sabia que havia algo nele que não conseguia aceitar a ideia de vê-la tão próxima de Laura.No setor de qualidade, Ester estava concentrada em mais uma pilha de papéis quando sentiu o celular vibrar sobre a mesa. Pegou-o sem muita pressa, mas ao ver o nome de Bruno na tela, hesitou por um segundo antes de desbloquear a te