CAPÍTULO 2 - última parte.

 — Filho... — disse Paulo, a voz suave. Tinha que se policiar ao pronunciar as próximas palavras. Aquele momento era muito delicado. Não poderia falar algo que despertasse em Estelle a verdade sobre o incêndio. Não podia cometer qualquer deslize.  Ele temia que qualquer palavra dita, qualquer gesto pudesse fazer Estelle lembrar da noite do incêndio, uma lembrança que ele sabia que não deveria ser despertada. Os medicamentos pareciam não surtir o efeito desejado, e ele se sentia cada vez mais impotente diante da situação.

— Sua mãe precisa se alimentar. Já conversamos sobre isso. A calma em sua voz parecia ensaiada, como se ele estivesse seguindo um texto. Estelle apertou o abraço mais um pouco, como se estivesse tentando proteger Pablo de algo que nem ela mesma conseguia entender. Seus olhos estavam fixos em Paulo, com uma intensidade quase desesperada. Algo estava escondido no olhar dele, uma verdade que a prendia em um labirinto de sentimentos contraditórios e dúvidas sem fim.

 — Mamãe, está doendo! Pablo reclamou, tentando se soltar ao sentir o abraço apertando-o com mais força. O corpo de Estelle reagiu imediatamente, afrouxou o abraço rapidamente, seus olhos permaneceram fixos nele, procurando desesperadamente por algum sinal de que tudo estava bem. Sua voz saiu trêmula:

— Você está bem, meu amor? Pablo, com um olhar assustado, pulou de seu colo, se escondendo atrás de Paulo. — Desculpe, meu filho, te machuquei? Perdoe a mamãe, meu amor. Só estou um pouco cansada, não tenha medo, eu nunca faria nada para te machucar, eu te amo, meu filho... — disse ela, tentando forçar um sorriso. O sorriso falhou ao ver lágrimas de Pablo antes de ele esconder seu rosto na perna de Paulo. A reação do filho a fez sentir um golpe no peito. Ela quase havia machucado Pablo, mas não foi por querer — foi um reflexo, uma reação instintiva, um impulso de proteção.

O que estava acontecendo? As perguntas se acumulavam em sua mente, mas as respostas continuavam sendo nada mais que sombras impenetráveis. De repente, uma dor lancinante tomou a cabeça de Estelle. A intensidade era tão avassaladora que ela levou uma mão à testa, os dedos pressionando a pele com força, tentando aliviar a pressão crescente. O mundo ao seu redor começou a perder o foco. As paredes do quarto se distorciam, se afastando e se aproximando, como se o espaço ao seu redor estivesse em movimento, desmoronando lentamente.

 O som da sua própria respiração se tornava abafado, distante. Cada pulsação de dor era um eco em sua mente, como se tentasse arrancar dela a compreensão de que realmente havia acontecido. Ela sentia que a verdade estava ali, ao alcance de seus dedos, mas a cada tentativa de alcançá-la, ela se distanciava mais e mais. Paulo ainda estava com o olhar fixo nela, tentando manter a calma, mas havia um receio evidente em seus olhos. Vendo Estelle pegar a xícara de café com as mãos trêmulas, o receio de perder o controle tomou conta dele. A urgência de agir foi súbita e implacável. Virando-se para Pablo, ele colocou uma mão no ombro do filho, com um gesto firme, tentando não revelar o tumulto interno que o consumia.

 — Vamos. Precisamos sair agora. Pablo olhou para Estelle uma última vez, os olhos cheios de incerteza, antes de seguir o pai para fora do quarto. O som de seus passos ecoou pelo corredor, e o silêncio que se seguiu foi quase opressor. Estelle permaneceu ali, sozinha, com a dor pulsando em sua cabeça, acompanhada de uma sensação avassaladora de que algo vital estava sendo tirado dela. Algo que ela não conseguia alcançar, mas que sabia que estava lá, esperando para ser descoberto.

Paulo desceu os degraus rapidamente com Pablo nos braços. Assim que entrou na cozinha, se deparou com os olhos acusadores de suas duas filhas.

— Pai. Chamou Beatriz, observando Paulo enquanto ele colocava Pablo sentado à mesa.

— Sim — respondeu ele, sem olhar para ela.

— Pai, quando vai contar a verdade para ela? Não percebe que essa mentira está machucando minha mãe cada dia mais? Estou vendo ela piorar, não melhorar. Essa versão do incêndio que você contou não muda a realidade. Marina e eu já decidimos: se você não contar, nós mesmas contaremos.

Paulo ergueu a voz:

— Escutem!

Ao notar o olhar assustado de Pablo e o início de um choro, ele respirou fundo e controlou o tom.

— Escutem bem, vocês duas. Eu proíbo! Vocês não podem nem sequer insinuar esse assunto para sua mãe. Sabem que ela está fazendo terapia justamente para lembrar sem traumas. Eu também sou médico dessa área, esqueceram? Se o tratamento não estivesse correto, eu seria o primeiro a contestar o médico dela. Então, não se envolvam no que não entendem. Não queiram ser responsáveis por algo trágico acontecendo com sua mãe.

 Ele lançou um olhar severo, sua expressão deixando claro que não admitiria objeções.

— Fui claro?

 Diante do silêncio das filhas, ele virou-se para Pablo.

 — Cuidem do seu irmão.

 A ordem ríspida foi a última coisa que disse antes de sair da cozinha, deixando um silêncio pesado atrás de si.

                                                                        6

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