Era um fim de tarde dourado, iluminado por luzes pendentes e flores espalhadas por todo o jardim da casa dos Albuquerque. Balões em tons de rosa claro e dourado flutuavam graciosamente ao vento, enquanto o aroma doce de tortas, frutas frescas e flores recém-colhidas pairava no ar. Betriza completava quinze anos, e aquele não era apenas mais um aniversário — era, silenciosamente, um recomeço para toda a família.Estelle observava a filha do outro lado do jardim, com os olhos marejados de uma alegria serena. Beatriz sorria, radiante, com os cabelos soltos dançando ao vento, rodeada de amigas, rindo de algo que Pablo havia dito. O menino, como sempre, encantava a todos com seu jeito leve, espirituoso e suas piadas inocentes. Era impossível não sorrir com ele por perto. E, de certa forma, ele também parecia mais leve nos últimos dias — desde que fora apresentado, formalmente, a Murilo.Estelle se pegou pensando em como tudo mudara em tão pouco tempo. O reaparecimento de Muril
A manhã chegou encontrando Estelle acordada. O sonho que tivera com Paulo havia tirado seu sono. No sonho, ele não dizia uma palavra. Apenas a olhava com olhos reprovativos, como se a acusasse silenciosamente por suas atitudes. Tentou voltar a dormir, mas toda vez que fechava os olhos, a imagem dele surgia, vívida e incômoda.— Não vou deixar você comandar minha vida, Paulo. Você está morto — murmurou para si mesma, jogando as cobertas para o lado.Levantou-se e desceu para tomar uma xícara de café. Depois foi até a lavanderia. A vizinhança ainda estava envolta no silêncio preguiçoso de um domingo. As janelas do cômodo deixavam entrar uma luz pálida e difusa, que tornava o ambiente quase etéreo, como se o tempo estivesse suspenso.Estelle terminava de dobrar algumas roupas quando ouviu o som de passos suaves no corredor. Era Pablo.— Mãe? — A voz ainda guardava traços de infância, mas os olhos... os olhos já começavam a fazer perguntas que o coração dela não sabia respo
O mar se estendia em um azul profundo, calmo e infinito, como se convidasse cada pensamento, cada desejo a se perder ali, entre a espuma das ondas e o horizonte distante. As ondas quebravam na areia com suavidade, como se sussurrassem segredos antigos aos pés daquela família, como se o oceano, com toda a sua vastidão, tivesse algo a dizer sobre recomeços e sobre a coragem de continuar. Era um lugar novo, ainda sem histórias próprias, mas cheio de possibilidades. E talvez fosse isso o que Estelle buscava: um começo que não tivesse memórias do que doeu, apenas espaço para o que ainda poderia florescer. Ela respirava fundo, sentindo o sal no ar, o vento tocando-lhe a pele, como se tudo ali fosse um convite à renovação.Betriza e Marina corriam, rindo com a liberdade de quem ainda acredita que a felicidade mora nas coisas mais simples. Seus cabelos soltos voavam ao vento, leves como a manhã clara que se derramava sobre a praia, como se as duas garotas fossem parte do próprio vento, do próp
Os dias voltaram a passar. Não com pressa, mas também sem paralisar como antes. O tempo, aquele velho escultor de dores e curas, voltava a fazer seu trabalho. Silencioso. Paciente. Firme.A praia — aquela mesma onde tudo parecia ter se reiniciado — tornara-se um refúgio. Não apenas um cenário bonito, mas um espaço de reinvenção. Era ali que Estelle, aos poucos, reaprendia a respirar. Não como quem foge do passado, mas como quem aceita que certas memórias são parte de si, mesmo que doam.Pablo agora corria com os pés firmes, o riso solto, os braços livres. Já não olhava para trás com medo de sombras. Às vezes, tropeçava nos próprios passos, mas levantava sozinho. Forte. E toda vez que isso acontecia, Estelle sabia: ele estava curado daquilo que um dia tentou quebrá-lo.Com Murilo, a reconstrução era feita em silêncio. Tijolo por tijolo. Sem promessas grandiosas, apenas a certeza de que estariam ali um para o outro — ainda que em dias cinzentos. Não voltaram a ser o casal de antes, porqu
Escrever este livro foi uma jornada emocional e desafiadora. A história de Estelle, sua busca pela verdade e a luta para se libertar das mentiras que a aprisionam, não só refletiu uma narrativa de ficção, mas também me conduziu a uma profunda reflexão sobre as complexidades das relações humanas e as profundezas da mente. Foi uma experiência de autoconhecimento, na qual, a cada palavra escrita, eu me vi imersa nos dilemas de cada personagem, nas suas escolhas e nas suas fraquezas.Estelle, como protagonista, atravessa um caminho tortuoso em sua jornada pessoal. Ela busca respostas, mas é constantemente confrontada com manipulações, tanto externas quanto internas. Sua luta não é apenas contra aqueles que desejam controlá-la, mas também contra as sombras que ela carrega dentro de si. O enredo é uma metáfora de como muitas vezes buscamos a verdade em lugares onde ela está distorcida, sendo vítima de promessas vazias e de ilusões que nos afastam de nossa própria liberdade.A manipulação de
Logo após a comissária de bordo informar que o avião pousaria em alguns minutos, e o piloto anunciar a temperatura de treze graus, bem como a chuva que caía sobre a cidade, Murilo fechou seu computador e o guardou na mochila que estava sob a poltrona à frente. Ele olhou pela pequena janela, onde a cidade iluminada se apresentou como um quadro vivo. De cima, a beleza da ilha era de tirar o fôlego; mas, dentro dele, tudo era cinza, um contraste gritante entre o espetáculo vibrante da paisagem e o peso sombrio de suas lembranças. Sentiu as mãos úmidas as secou no jeans que usava, esfregando com força, batendo as pontas dos dedos na coxa em seu estado de melancolia. Mesmo após três anos morando e trabalhando em Manaus, tentando esquecer o passado, não imaginava que estaria tão tenso ao retornar à sua cidade natal. A mesma pergunta não saia de sua cabeça. Por que voltara? Para procuraria seu irmão e tentar uma reaproximação? Talvez. A última vez que o tinha visto, tensão era muito grande
Era o sexto aniversário de Pablo. Estelle, sentada em uma cadeira na varanda, observava-o com um olhar afetuoso enquanto ele corria pelo jardim com seus amiguinhos. Não conseguia conter o fascínio pela semelhança entre ela e o filho. A pele escura e os cabelos castanhos anelados faziam dele quase uma cópia sua. Já as meninas, Marina, de nove anos, e Betriza, de doze, herdaram os cabelos lisos e os olhos castanhos claros do pai.Enquanto se divertia no jardim, Pablo frequentemente lançava olhares para a mãe, como se estivesse conferindo se ela ainda estava ali. A cada troca de olhares, um sorriso aliviado surgia em seu rosto. Era como se, de alguma forma, ele temesse perdê-la. No meio da brincadeira, Pablo parou de repente. O brilho habitual em seu rosto se apagou, dando lugar a uma expressão tensa e enigmática. Era como se uma presença invisível tivesse capturado sua atenção. Ele virou-se em direção à casa em frente, fixando seus olhos na construção de paredes descascadas e vidraças qu
Sem hesitar, ela correu em direção à escada. Antes que pudesse alcançar o primeiro degrau, uma rajada violenta de areia e vento atingiu seu rosto, forçando-a a parar. O impacto a fez fechar os olhos, enquanto um gemido de dor escapava de seus lábios. Mesmo sob o castigo impiedoso do vento que cortava sua pele, Estelle continuava a gritar por Pablo. Suas lágrimas e seu desespero se perdiam no caos ao redor. O turbilhão de areia dificultava seus movimentos, enquanto o medo e a dor a consumiam por dentro. De repente, algo pesado bateu contra suas pernas, derrubando-a de joelhos. Estelle caiu com um impacto seco, o chão áspero castigando ainda mais sua pele já ferida. Com o corpo tremendo de dor e medo, um terror gelado a invadiu: seria esse o fim? Ainda ajoelhada, lágrimas escorrendo por seu rosto sujo, ela ergueu a voz em súplica:— Leve-me, e deixe meu filho viver!" Em prantos, ela ficou ali, esperando o pior.Foi então que, de forma inesperada, um silêncio profundo tomou conta do ambie