Início / Mistério/Thriller / SOMBRAS DA MEMÓRIA / CAPÍTULO 2 - Rompendo o véu - parte 1.
CAPÍTULO 2 - Rompendo o véu - parte 1.

                Era o sexto aniversário de Pablo. Estelle, sentada em uma cadeira na varanda, observava-o com um olhar afetuoso enquanto ele corria pelo jardim com seus amiguinhos. Não conseguia conter o fascínio pela semelhança entre ela e o filho. A pele escura e os cabelos castanhos anelados faziam dele quase uma cópia sua. Já as meninas, Marina, de nove anos, e Betriza, de doze, herdaram os cabelos lisos e os olhos castanhos claros do pai.

Enquanto se divertia no jardim, Pablo frequentemente lançava olhares para a mãe, como se estivesse conferindo se ela ainda estava ali. A cada troca de olhares, um sorriso aliviado surgia em seu rosto. Era como se, de alguma forma, ele temesse perdê-la. No meio da brincadeira, Pablo parou de repente. O brilho habitual em seu rosto se apagou, dando lugar a uma expressão tensa e enigmática. Era como se uma presença invisível tivesse capturado sua atenção. Ele virou-se em direção à casa em frente, fixando seus olhos na construção de paredes descascadas e vidraças quebradas, que exalava abandono e angústia. Sem pronunciar uma única palavra, deu as costas e começou a caminhar lentamente em direção à saída do jardim, ouvindo um chamado que ninguém mais escutou.   

— Pablo? — chamou Estelle, estranhando a atitude do filho. Mas ele não respondeu.

Com passos firmes e rápidos, ele atravessou o portão e começou a cruzar a rua. Estelle tentou se levantar, mas suas pernas pareciam presas ao chão. Uma onda de pânico subiu por seu peito, deixando-a sem ar.

— Pablo, volte aqui! — ela gritou, sentindo a garganta apertar.

Mas ele não parou. Estelle o viu alcançar o portão enferrujado, que rangeu como se estivesse sendo empurrado por uma mão invisível. A porta, tão decadente quanto o restante, se abriu com facilidade. Pablo a atravessou, desaparecendo no interior sombrio.

— Pablo! Volta aqui, por favor! — ela implorou, a voz finalmente rompendo a barreira do desespero.

De repente, Pablo surgiu no batente da porta. A luz fraca iluminou o rosto dele, mas algo estava errado. Seu olhar estava vazio, distante, como se ele não estivesse ali de verdade. Estelle sentiu um frio na espinha, uma sensação que ela não conseguia compreender. Num esforço extremo, conseguiu se levantar, movida pelo instinto. Quase sem perceber, já estava diante da entrada da casa. Porém, antes que pudesse atravessá-la, a porta se fechou com força, como se repelisse sua presença. Instintivamente, ela tentou abri-la, mas recuou com um gemido de dor ao sentir o calor intenso da maçaneta queimou sua mão. Então, novamente, a porta se abriu, revelando Pablo parado à sua frente. Os olhos de Estelle se fixaram no filho, carregados de dor e desespero, ao notar que seus braços estavam cobertos de queimaduras.

— Mamãe... — a voz dele soou baixa, quase um sussurro, mas, em seguida, ele gritou com uma intensidade que fez cada nervo de Estelle se encolher: — Você não devia estar aqui!

O pânico a dominou, embaralhando seus pensamentos em um turbilhão caótico de medo e urgência. Ela avançou para agarrá-lo, mas ele se esquivou com um movimento ágil. Dando-lhe as costas, Pablo correu para a escuridão. Apesar do horror, tudo o que importava era alcançá-lo e protegê-lo. Seguindo Pablo, ela entrou em uma sala escura e desprovida de móveis, parando subitamente ao ver uma silhueta masculina parada contra a luz fraca que atravessava a janela empoeirada. O homem estava de frente para a janela, vestindo um terno impecável, as mãos enterradas nos bolsos, irradiando uma presença que era, ao mesmo tempo, imponente e ameaçadora.

— Paulo? — chamou Estelle, a voz trêmula, acreditando que fosse seu marido.

Ele não respondeu nem se moveu, permanecendo em um silêncio inquietante. Estelle ficou ali, estática, analisando cada detalhe, buscando algum vestígio de familiaridade que pudesse confirmar sua identidade.

— Paulo? — chamou novamente, desta vez com uma mistura de súplica e temor.

O homem reagiu. Lentamente, ele se virou para ela, mas seu rosto estava envolto em sombras, como se a escuridão fosse parte de quem ele era. Um calafrio percorreu Estelle enquanto seus olhos procuravam, em vão, uma certeza.

— Estelle, fico feliz que esteja aqui. Falou enquanto estendia as mãos na direção dela.   Estelle deu um passo para trás, dividida entre a dúvida e o medo crescente. De repente, uma força invisível começou a puxá-la, arrastando-a para mais perto. Contra sua vontade, suas mãos avançaram lentamente até tocarem as dele. O toque trouxe a mesma onda calor insuportável, aumentando a queimadura deixada pela maçaneta. Ela tentou se afastar, mas ele a segurou com firmeza. O aperto parecia inquebrável, como se o homem quisesse envolvê-la com a escuridão que o cercava. Desesperada, Estelle lutou até conseguir se soltar. No mesmo instante, a sombra que ocultava o rosto dele se desfez, revelando alguém que não era Paulo, mas com uma inquietante semelhança. Os olhos do estranho brilhavam em um tom avermelhado, e sua boca se abriu, mas não foram palavras que saíram dela e sim labaredas, as chamas avançaram, queimando seus braços. Estelle gritou em agonia enquanto a dor se espalhava como raízes ardentes pelo corpo. De repente, ele explodiu com um estrondo ensurdecedor, e o grito de Estelle se fundiu ao barulho, ecoando como um trovão. Um clarão ofuscante iluminou a escuridão por um instante, antes que as paredes ao seu redor desaparecessem. Diante de seus olhos, surgiu um céu negro. As tábuas sob seus pés estavam irregulares, queimadas, exalando um cheiro forte de cinzas, um odor que parecia se entranhar em sua pele. No meio do caos, seus olhos captaram um movimento: Pablo. Ele subia a escada, desaparecendo no andar superior, aumentando seu desespero.

— Pablo! — clamou, sua voz ecoando no vazio, o silêncio engolindo suas palavras.

                                                                            3

Continue lendo no Buenovela
Digitalize o código para baixar o App

Capítulos relacionados

Último capítulo

Digitalize o código para ler no App