CAPÍTULO 2 - parte 2.

              Sem hesitar, ela correu em direção à escada. Antes que pudesse alcançar o primeiro degrau, uma rajada violenta de areia e vento atingiu seu rosto, forçando-a a parar. O impacto a fez fechar os olhos, enquanto um gemido de dor escapava de seus lábios. Mesmo sob o castigo impiedoso do vento que cortava sua pele, Estelle continuava a gritar por Pablo. Suas lágrimas e seu desespero se perdiam no caos ao redor. O turbilhão de areia dificultava seus movimentos, enquanto o medo e a dor a consumiam por dentro. De repente, algo pesado bateu contra suas pernas, derrubando-a de joelhos. Estelle caiu com um impacto seco, o chão áspero castigando ainda mais sua pele já ferida. Com o corpo tremendo de dor e medo, um terror gelado a invadiu: seria esse o fim? Ainda ajoelhada, lágrimas escorrendo por seu rosto sujo, ela ergueu a voz em súplica:

— Leve-me, apenas a mim, deixe meu filho viver!" Em prantos, ela ficou ali, esperando o pior.

Foi então que, de forma inesperada, um silêncio profundo tomou conta do ambiente, como se o tempo tivesse parado. Estelle abriu os olhos, ofegante. O cenário ao redor havia mudado: as paredes estavam de volta, reluzentes e adornadas com flores delicadas. Uma luz cálida preenchia o espaço e, pela vidraça, o céu azul-claro brilhava com uma serenidade quase irreal, como se nada de terrível tivesse acontecido.  Mas a tranquilidade aparente não a confortava. Pablo. Ela precisava encontrá-lo. Seu corpo, fraco e trêmulo, quase não a sustentava, mas a urgência era maior que sua exaustão. Com passos hesitantes, tentou se mover, cada movimento um desafio contra a angústia que crescia em seu peito.  De repente, um tremor interrompeu seu avanço. A princípio, pensou que vinha de dentro de si, como se suas forças tivessem se esgotado de vez. Abraçou-se, tentando conter o medo, mas logo percebeu que o chão estava se movendo. Um calor insuportável emanava do alto da escada. Foi então que viu um rio de fogo descendo os degraus em sua direção.

— Pablo... — sussurrou, tomada por um sentimento esmagador de culpa.

Uma sensação estranha começou a tomar conta de seu ser, apagando o medo. Nada mais importava. O fogo não era mais um inimigo; ele já havia levado tudo o que ela tinha de mais precioso. Agora, o vazio era sua única companhia. O chão cedeu sob seus pés. Sem oferecer resistência, entregou-se à queda, como se o abismo fosse um abraço silencioso. A escuridão a envolveu por completo, e ela se deixou consumir.

 Estelle acordou ofegante, com o coração disparado, ainda sentindo o horror do pesadelo. O fogo vindo da escada por onde Pablo subira ecoava em sua mente. A sensação de perda era tão vívida que parecia ter acontecido de verdade. Ela se levantou da cama, os pés gelados tocando o chão, e, com os olhos fixos na janela, não conseguiu afastar a imagem do fogo consumindo tudo. Mesmo sabendo que a casa à sua frente não era a mesma do pesadelo, não conseguiu evitar olhar, afastou a cortina e conferiu o que já sabia.

"Foi só um sonho ruim", pensou, encostando a testa na vidraça, fechou os olhos, tentando aliviar seus tremores e angústia. Ficou ali em pé, tentando conter as lágrimas, ela respirou fundo, buscando refúgio na calma frágil da realidade.

Com movimentos lentos, voltou, sentou-se na beira da cama, os ombros curvados. Seu olhar vagava pelo quarto. No criado-mudo, os frascos de comprimidos estavam alinhados com precisão meticulosa, como parte de um ritual incessante e desgastante. Seus olhos pousaram neles, e uma onda de desgosto cresceu em seu peito. Os rótulos prometiam controle e estabilidade, mas tudo o que ela via era dependência e fraqueza — uma prisão invisível que parecia apertá-la mais a cada dia. De repente, um impulso feroz a invadiu. Ela queria se libertar: dos remédios, do ciclo interminável, da dor que eles apenas mascaravam. Sem pensar, seus dedos se fecharam em torno de um dos frascos. Foi então que um som familiar ecoou pelo corredor — os passos de Paulo. A realidade voltou em um instante.

 — Bom dia, querida — disse Paulo suavemente, entrando no quarto carregando uma bandeja e a colocando ao lado dos medicamentos. O aroma reconfortante de café fresco se espalhou pelo ambiente, mas para Estelle, o cheiro não passava de uma memória distante, uma sombra do que um dia fora acolhedor e agora parecia inalcançável. Ela se perguntava como sua mente conseguia guardar detalhes banais, como o café da manhã, enquanto memórias que julgava essenciais permaneciam encobertas.

Ele se aproximou e sentou-se ao seu lado. Inclinou-se para beijá-la levemente nos lábios, mas Estelle sentiu o corpo enrijecer. Por mais que tentasse, não conseguiu corresponder. Algo dentro dela se retraía, como uma porta que se fechava silenciosamente, bloqueando qualquer tentativa de reconexão. O gesto de afeto, que deveria confortá-la, tornou-se um lembrete doloroso de um mundo ao qual ela já não sentia pertencer.

— Teve o pesadelo novamente? — perguntou ele, observando o rosto pálido e o olhar perdido. Apesar da preocupação evidente, tentou suavizar a tensão com um sorriso breve, segurando delicadamente sua mão. Ela hesitou, respirando fundo antes de responder:

— Sim.

Paulo apertou sua mão com firmeza, inclinando-se para encontrar seus olhos.

— Sei que dói, mas é só um pesadelo. Você está segura. E Pablo está bem, pode acreditar.

Estelle balançou a cabeça em concordância, mas sua voz saiu carregada de sofrimento.

— Sim, sim, Paulo, mas tenho a sensação de não parecer só um pesadelo. Parecem mais lembranças, é real demais, como se estivesse preso dentro de mim e compreendo que o pesadelo não é real, mas a sensação de perda é tão vívida... parece tão palpável. Falou, sua mão tremeu debaixo da dele.

                                                                                  4

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