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CAPÍTULO 3 - AS INCERTEZAS - parte 1.

                 Sentado em sua poltrona favorita de couro branco, Rudney, com seu corpo magro de um metro e oitenta de altura, mantinha as longas pernas cruzadas, uma sobre a outra, enquanto o pé esquerdo balançava para cima e para baixo em um ritmo acelerado, denunciando seu nervosismo. O braço descansava na lateral da poltrona, enquanto os olhos permaneciam fechados. A cabeça, inclinada para a direita, repousava na mão em uma pose que exalava contrariedade consigo mesmo. Em sua mente, a conversa trocada com Paulo antes do início da terapia de Estelle se repetia como um eco insistente. Ele buscava desesperadamente uma solução, algo que o tirasse do buraco em que se meteu. Se tivesse sido mais firme, talvez não tivesse cedido à chantagem dele. Paulo o persuadiu a colaborar, cobrando favores do passado.

O tratamento de Estelle, o processo de hipnoterapia, precisava ser minuciosamente direcionado. Paulo sempre dizia que era vital focar nos momentos felizes em família, evitando qualquer lembrança que reabrisse as feridas da esposa. Esse pedido era um capricho. Paulo acreditava que a mente dela, já frágil, precisava se reconectar com o passado, mas sem reviver aquilo que ele tanto queria que ela não lembrasse. "Pense, homem, pense." Rudney respirou fundo, tentando afastar o peso de suas escolhas. Sentia-se preso em uma teia que ameaçava sua integridade e sua carreira de médico. Sabia que precisava encontrar uma saída antes que fosse tarde demais. Seus pensamentos foram interrompidos quando a mensagem de sua secretária apareceu no visor do celular, informando que Estelle havia chegado. Suspirando fundo, ele se recompôs. Pensaria em uma solução mais tarde.

Ele cumprimentou Estelle, observando suas olheiras fundas e seu rosto cansado. A culpa bateu forte em seu peito, pois sabia que também era responsável pelo estado físico e mental dela. Tinha a obrigação de ajudá-la a recuperar a saúde, diminuir seu sofrimento e não a unir ainda mais aos seus fantasmas. Estelle não merecia esse castigo por causa de um capricho de Paulo. Independentemente do que acontecesse a partir daquele dia, ele se dedicaria a ajudá-la a recuperar as lembranças do passado.

Ele indicou o sofá e Estelle deitou-se confortavelmente. Observou Rudney com atenção redobrada. Algo em seu olhar havia mudado.  Estelle percebeu uma mudança no semblante e na postura do psiquiatra. Havia um interesse genuíno quando ele perguntou sobre sua rotina doméstica e se alguma nova lembrança havia surgido. A abordagem era completamente diferente das sessões anteriores. 

Sua expressão, antes fechada e carregada, agora parecia mais acolhedora, transmitindo uma sensação de segurança.

Dessa vez, ele não apenas ouvia e anotava, mas fazia perguntas mais reflexivas, incentivando Estelle a elaborar melhor seus sentimentos e lembranças.

— Estelle, quando você se lembra desse momento, qual é a sensação que vem primeiro? Medo, raiva, culpa? — perguntou ele, inclinando-se levemente para frente, demonstrando atenção.

Ela hesitou por um momento antes de responder: — Acho que é um misto de medo e culpa… como se eu pudesse ter feito algo diferente.

O psiquiatra assentiu e reformulou a questão de forma mais empática: — Antes, você mencionou que sentia culpa. Você ainda sente isso da mesma forma ou algo mudou?

Estelle franziu a testa, refletindo. — Acho que mudou um pouco. Agora, vejo que fui manipulada, que não tinha tanto controle quanto achava.

Ele anotou algo em seu caderno e continuou: — Você sente que está revivendo o passado ou apenas observando como uma espectadora?

Estelle respirou fundo. — Às vezes, sinto que estou lá de novo. Mas, em outros momentos, consigo ver de fora, como se fosse outra pessoa vivendo aquilo.

O psiquiatra sorriu levemente, satisfeito com seu progresso. — Se pudesse falar com aquela versão de você mesma, o que diria a ela agora?

Estelle abaixou os olhos e sussurrou: — Diria para não ter medo… para ir embora antes que fosse tarde.

A sessão prosseguiu com um novo ritmo, mais envolvente e profundo. Pela primeira vez, Estelle sentiu que estava realmente começando a enfrentar seus traumas, e não apenas narrá-los.

Ela desviou o olhar, deixando-se absorver pelo ambiente ao seu redor. Os tapetes suaves sobre o chão de madeira clara, as cortinas delicadas e os quadros distribuídos pelas paredes transmitiam uma sensação quase familiar, mas, de alguma forma, tudo lhe parecia novo, como se estivesse entrando ali pela primeira vez.

Rudney a observou por um instante antes de pedir, com voz calma, que fechasse os olhos e pensasse em Pablo. Queria que ela descrevesse o pesadelo recorrente. Conforme Estelle começava a narrar a angústia de perder o filho nos sonhos, sentiu sua própria voz vacilar. A dor era tão vívida que, pouco a pouco, a presença do psiquiatra parecia se dissolver, sua voz tornando-se um eco distante no  emaranhado de suas emoções.

Sem saber distinguir se era uma lembrança ou um sonho, uma cena se formou em sua mente. Ela estava na praia com os filhos, brincando e sorrindo. Cuidava deles à beira-mar, enquanto as crianças se divertiam na água. Então, um homem apareceu. Ela sorriu-lhe, pensando ser Paulo. No entanto, a cada passo dele, seu sorriso se desfez. Não era Paulo, mas sim o desconhecido do pesadelo. Preocupada, buscou os filhos com o olhar. Eles pareciam conhecê-lo e acenavam sorridentes. Mas ele não desviava os olhos dela, aproximando-se cada vez mais. Um medo súbito tomou conta de Estelle.

Rudney percebeu sua tensão. Pequenos gestos, como apertar levemente o tecido do sofá e a leve contração no rosto, indicavam seu desconforto. A expressão de felicidade havia dado lugar à apreensão. Ele sabia que precisava agir com cautela. Mudar radicalmente o tratamento poderia ser danoso. Com delicadeza, retirou-a do estado de hipnose, sentindo-se aliviado ao vê-la despertar bem. Ao término da intensa sessão, Estelle comentou sobre o estranho que, ao mesmo tempo, lhe parecia familiar.

— Não se preocupe, Estelle — disse Rudney, com um tom controlado. — Nossa mente às vezes nos confunde com imagens. Nem tudo são sombras do passado. Mas, se forem, vamos recuperá-las.

Ela concordou e saiu do consultório em silêncio.

Algum tempo depois, ela e Paulo saíam devagar da clínica. A hipnose, às vezes, a deixava tonta ou sonolenta, e essas sensações a angustiavam.

Estelle parou próximo à saída para respirar o ar puro. Nesse instante, seus olhos cruzaram-se com os de uma mulher que passava. Ela usava um lindo vestido verde, um tanto ultrapassado para a época, e tinha uma expressão profundamente triste. Estelle franziu a testa, intrigada. Por um instante, sentiu que a conhecia.

Algo na mulher e em seu vestido parecia familiar. Havia nela algo que tocava Estelle profundamente, despertando um afeto inexplicável. Hesitou por um momento, franzindo a testa, tentando entender quem ela era. Olhou para Paulo e percebeu que seu rosto estava tenso, o olhar fixo na mesma direção. Voltou-se novamente para a mulher, mas ela já não estava mais em seu campo de visão.

— Paulo, quem era aquela mulher de vestido verde? — perguntou, sentindo uma inquietação crescente.

Estelle duvidou de sua própria visão. Será que a mulher era fruto de sua imaginação? Olhou ao redor mais uma vez. Havia outras mulheres no pátio da clínica, mas nenhuma delas vestia um traje verde antigo.

O retorno para casa foi em total silêncio. A imagem daquela mulher não a abandonava, um eco persistente que ela não conseguia ignorar. No fundo, Estelle sabia que a conhecia. Havia algo de familiar, algo que sua mente não conseguia captar por completo. As palavras de Paulo negavam isso, mas sua expressão vacilante dizia o contrário.  Assim que o carro parou na garagem, Estelle desceu e entrou na casa. Subiu para o quarto com passos rápidos e vacilantes. Ao chegar, caminhou até a janela, seus pensamentos girando em torno da mulher de roupa verde.

                                                                                   7

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