Sentado em sua poltrona favorita de couro branco, Rudney, com seu corpo magro de um metro e oitenta de altura, mantinha as longas pernas cruzadas, uma sobre a outra, enquanto o pé esquerdo balançava para cima e para baixo em um ritmo acelerado, denunciando seu nervosismo. O braço descansava na lateral da poltrona, enquanto os olhos permaneciam fechados. A cabeça, inclinada para a direita, repousava na mão em uma pose que exalava contrariedade consigo mesmo. Em sua mente, a conversa trocada com Paulo antes do início da terapia de Estelle se repetia como um eco insistente. Ele buscava desesperadamente uma solução, algo que o tirasse do buraco em que se meteu. Se tivesse sido mais firme, talvez não tivesse cedido à chantagem dele. Paulo o persuadiu a colaborar, cobrando favores do passado. O tratamento de Estelle, o processo de hipnoterapia, precisava ser minuciosamente direcionado. Paulo sempre dizia que era vital focar nos momentos felizes em família, evitando qualquer lembrança que reabrisse as feridas da esposa. Esse pedido era um capricho. Paulo acreditava que a mente dela, já frágil, precisava se reconectar com o passado, mas sem reviver aquilo que ele tanto queria que ela não lembrasse. "Pense, homem, pense." Rudney respirou fundo, tentando afastar o peso de suas escolhas. Sentia-se preso em uma teia que ameaçava sua integridade e sua carreira de médico. Sabia que precisava encontrar uma saída antes que fosse tarde demais. Seus pensamentos foram interrompidos quando a mensagem de sua secretária apareceu no visor do celular, informando que Estelle havia chegado. Suspirando fundo, ele se recompôs. Pensaria em uma solução mais tarde.
Ele cumprimentou Estelle, observando suas olheiras fundas e seu rosto cansado. A culpa bateu forte em seu peito, pois sabia que também era responsável pelo estado físico e mental dela. Tinha a obrigação de ajudá-la a recuperar a saúde, diminuir seu sofrimento e não a unir ainda mais aos seus fantasmas. Estelle não merecia esse castigo por causa de um capricho de Paulo. Independentemente do que acontecesse a partir daquele dia, ele se dedicaria a ajudá-la a recuperar as lembranças do passado.
Assim que entrou no consultório, Estelle percebeu uma mudança no semblante e na postura do psiquiatra. Havia um interesse genuíno quando ele perguntou sobre sua rotina doméstica e se alguma nova lembrança havia surgido. A abordagem era completamente diferente das sessões anteriores.
Ele indicou o sofá e Estelle deitou-se confortavelmente. Observou Rudney com atenção redobrada. Algo em seu olhar havia mudado. Sua expressão, antes fechada e carregada, agora parecia mais acolhedora, transmitindo uma sensação de segurança. Ela desviou o olhar, focando-se no ambiente ao redor. Observou a decoração: os tapetes que adornavam o chão de madeira clara, as cortinas e os quadros. Sentiu como se estivesse entrando ali pela primeira vez. Dessa vez, Rudney não a conduziu a fechar os olhos e pensar em seus filhos. Em vez disso, pediu que falasse sobre o pesadelo recorrente. Conforme Estelle relatava a angústia que a perda de Pablo no sonho lhe causava ao despertar, a voz de Rudney parecia cada vez mais distante. Sem saber distinguir se era uma lembrança ou um sonho, uma cena se formou em sua mente. Ela estava na praia com os filhos, brincando e sorrindo. Cuidava deles à beira-mar, enquanto as crianças se divertiam na água. Então, um homem apareceu. Ela sorriu-lhe, pensando ser Paulo. No entanto, a cada passo dele, seu sorriso se desfez. Não era Paulo, mas sim o desconhecido do pesadelo. Preocupada, buscou os filhos com o olhar. Eles pareciam conhecê-lo e acenavam sorridentes. Mas ele não desviava os olhos dela, aproximando-se cada vez mais. Um medo súbito tomou conta de Estelle.
Rudney percebeu sua tensão. Pequenos gestos, como apertar levemente o tecido do sofá e a leve contração no rosto, indicavam seu desconforto. A expressão de felicidade havia dado lugar à apreensão. Ele sabia que precisava agir com cautela. Mudar radicalmente o tratamento poderia ser danoso. Com delicadeza, retirou-a do estado de hipnose, sentindo-se aliviado ao vê-la despertar bem. Ao término da intensa sessão, Estelle comentou sobre o estranho que, ao mesmo tempo, lhe parecia familiar.
— Não se preocupe, Estelle — disse Rudney, com um tom controlado. — Nossa mente às vezes nos confunde com imagens. Nem tudo são sombras do passado. Mas, se forem, vamos recuperá-las.
Ela concordou e saiu do consultório em silêncio.
Algum tempo depois, ela e Paulo saíam devagar da clínica. A hipnose, às vezes, a deixava tonta ou sonolenta, e essas sensações a angustiavam.
Estelle parou próximo à saída para respirar o ar puro. Nesse instante, seus olhos cruzaram-se com os de uma mulher que passava. Ela usava um lindo vestido verde, um tanto ultrapassado para a época, e tinha uma expressão profundamente triste. Estelle franziu a testa, intrigada. Por um instante, sentiu que a conhecia.
Algo na mulher e em seu vestido parecia familiar. Havia nela algo que tocava Estelle profundamente, despertando um afeto inexplicável. Hesitou por um momento, franzindo a testa, tentando entender quem ela era. Olhou para Paulo e percebeu que seu rosto estava tenso, o olhar fixo na mesma direção. Voltou-se novamente para a mulher, mas ela já não estava mais em seu campo de visão.
— Paulo, quem era aquela mulher de vestido verde? — perguntou, sentindo uma inquietação crescente.
Estelle duvidou de sua própria visão. Será que a mulher era fruto de sua imaginação? Olhou ao redor mais uma vez. Havia outras mulheres no pátio da clínica, mas nenhuma delas vestia um traje verde antigo.
O retorno para casa foi em total silêncio. A imagem daquela mulher não a abandonava, um eco persistente que ela não conseguia ignorar. No fundo, Estelle sabia que a conhecia. Havia algo de familiar, algo que sua mente não conseguia captar por completo. As palavras de Paulo negavam isso, mas sua expressão vacilante dizia o contrário. Assim que o carro parou na garagem, Estelle desceu e entrou na casa. Subiu para o quarto com passos rápidos e vacilantes. Ao chegar, caminhou até a janela, seus pensamentos girando em torno da mulher de roupa verde.
7
O sol se punha, tingindo o céu de laranja. A luz atravessava as cortinas entreabertas, mas ela mal notava a paisagem lá fora. Suspirou diante do peso das perguntas sem resposta. Mas uma certeza ela tinha: era evidente que Paulo conhecia a mulher. Estelle cruzou os braços, como se quisesse se abraçar — uma tentativa de se proteger do turbilhão que a atormentava. A luz fraca do pôr do sol tocava suavemente seu rosto, que exibia marcas visíveis de angústia, impossíveis de esconder. Ela queria lembrar. Queria gritar. Queria rasgar o véu denso que obscurecia suas memórias e finalmente encontrar a verdade. Mas, a cada tentativa, parecia esbarrar em uma parede invisível. Sua mente estava trancada em um lugar ao qual ela não tinha mais acesso. Seu corpo começou a tremer. Rapidamente, ela foi até a mesinha e pegou um de seus comprimidos. Conforme a medicação fazia efeito, sentiu-se mais relaxada. Tomou um banho e deitou-se, sem forças, para se juntar à família no jantar. Algum tempo depois, Be
Pelas frestas da janela entreaberta, ele observava. Os dedos apertavam o parapeito, enquanto seu olhar permanecia fixo na porta da casa em frente. O coração batia com força, quase sufocado pela expectativa. Ela chegaria, ele tinha certeza. Estava tudo pronto para o novo começo. As malas já estavam no carro. Assim que Estelle chegasse, eles partiriam e nunca mais olhariam para trás. Um futuro juntos, uma vida nova, sem o peso das mentiras que os cercavam. Paulo nunca mais os encontraria.Então, finalmente, ele a viu. Ela saiu apressada, quase correndo, e atravessou a rua. Murilo sentiu uma onda de alívio percorrer seu corpo enquanto abria a porta para ela. O momento que ele tanto aguardava havia chegado. Ela entrou na casa sem hesitar. A porta se fechou suavemente atrás dela, e ele a esperava, o corpo tenso, os olhos fixos nela.Murilo percebeu imediatamente que algo havia mudado. Estelle não o olhou como fazia antes; seus olhos estavam cravados no topo da escada. A p
Marta e Antônio saíram do consultório do obstetra transbordando de alegria. Enfim, seriam pais. Há um ano, começaram a buscar um tratamento ao perceberem que o método convencional não funcionaria. Agora, com a notícia do sucesso da fertilização, sentiam-se esperançosos. O médico informou que, em breve, poderiam descobrir o sexo do bebê, e essa novidade os enchia de expectativa. No entanto, uma sombra de tristeza cruzou o olhar de Marta ao lembrar-se de Estelle e dos sobrinhos. Queria tanto compartilhar essa felicidade com sua irmã! Mas Paulo não permitia que ela se aproximasse. A saudade era tão intensa que chegava a doer. Ela ainda recordava as ameaças dele: se insistisse, ele levaria Estelle e as crianças para um lugar tão distante que Marta nunca mais saberia deles. O medo de que ele cumprisse a promessa a fazia conformar-se em observá-los de longe. Isso ocorreu no dia em que, na clínica, precisou esconder-se ao perceber que Paulo notara sua presença. Antônio, ao notar a inquietaçã
Murilo saiu do hospital sentindo o peso da noite mal dormida arrastar-se sobre seus ombros. O corpo doía, exausto pelo turno interminável, e seus olhos ardiam com a falta de sono. Como se não bastasse, a discussão com Paulo ainda ecoava em sua mente, perturbando-o de forma inquietante. A revelação de que Pablo não era seu filho pesava em seu peito como um luto vivo, sufocante. Ao chegar ao carro, encostou-se contra a lataria fria, tentando clarear os pensamentos. Fechou os olhos por um instante e o mundo pareceu girar. Ele precisava descansar, mas não conseguiu convencer-se a voltar para casa. Não agora. A necessidade de ver Estelle era mais forte do que qualquer exaustão. Dirigiu-se até a casa dela e permaneceu ali por horas, observando em silêncio. Mas tudo o que encontrou foi um vazio angustiante, janelas fechadas, nenhum sinal de vida. Era como se o tempo tivesse parado naquele lugar. A fadiga começava a dominá-lo. Passou a mão pelo rosto, tentando afastar
Sentada diante da janela, Estelle afundava-se na maciez da poltrona de veludo azul. A sala, decorada com refinamento, refletia um gosto impecável em cada detalhe meticulosamente escolhido. Tudo ali exalava ordem e serenidade, como se o tempo fluísse sem pressa. Mas dentro dela, o caos era absoluto. Sua mente fervilhava em desordem, consumida pelas lembranças dispersas e pela inquietação que não lhe dava trégua. Seus olhos se perdiam na linha delicada do horizonte, onde o mar se fundia ao céu em um único tom azul. A memória daquela noite agitada, quando partiram às pressas para Porto Belo, ainda latejava em sua mente. Paulo estava visivelmente abalado na noite da partida. Caminhava pelo quarto como uma sombra, parando diante da janela com uma expressão tensa. Algo havia acontecido antes de ele entrar, mas se recusava a compartilhar. No fundo, sabia que esse acontecimento era apenas mais um fio na teia de segredos que Paulo escondia dela. Ele pedia para que ela confia
Do lado de fora do consultório, o sol da tarde aquecia a calçada, mas Estelle mal notava. Estava absorta, envolvida pela conversa animada das crianças. Fazia tempo que não tinha um momento assim — leve, quase normal —, e cada risada delas parecia afastar, ainda que por um instante, a sombra de inquietação que a acompanhava. Seu peito se encheu de uma sensação de gratidão: felicidade pelo momento, mas também um medo silencioso de que ele se desfizesse como um sonho.— Mamãe, podemos ir ao shopping? — perguntou Betriza, os olhos brilhando de expectativa. — Faz tanto tempo que não passeamos juntos!Estelle sorriu, sentindo o coração amolecer e um calor reconfortante se espalhar por seu peito. A ideia de um tempo descontraído em família parecia tentadora. — Podemos, sim — respondeu, passando a mão nos cabelos da filha. — O que acham de tomarmos um lanche por lá? As crianças comemoraram com empolgação, suas vozes misturando-se em risadas e pedidos animados. No
No hospital onde começara a trabalhar, Murilo estava em seu consultório. Com os cotovelos apoiados na mesa, ele segurava a cabeça, seus pensamentos girando em torno do momento em que passara por detrás da cadeira de Estelle no restaurante. Três anos acreditando em sua morte, três anos consumido pela culpa, sem um dia de trégua. E agora, sabendo da mentira cruel de Paulo, sua dor, em vez de aliviar, parecia aumentar a cada instante.— Inferno! — Sua voz ecoou pelas paredes brancas do consultório, mas o verdadeiro abismo estava dentro dele, queimando como uma chama incontrolável.Levantou a cabeça e, com as mãos trêmulas, abriu a gaveta, fixando o olhar nos comprimidos. Já havia ultrapassado a dose recomendada, como médico sabia muito bem do risco que estava correndo, mas precisava calar os pensamentos, precisava de paz. Estendeu a mão em direção ao frasco, mas o som do telefone à sua frente interrompeu seu gesto. Fechou a gaveta com força e, segundos depois, cam
Assim que a porta se fechou, Paulo permaneceu imóvel, fitando o vazio. O peso das palavras de Marta ainda ecoava em sua mente, misturando-se à crescente ansiedade de perder o controle. Ele passou a mão pelo rosto, sentindo a barba por fazer arranhar seus dedos, enquanto tentava organizar os pensamentos. Marta não era alguém que desistia facilmente. Sua presença e sua determinação em não ceder mais às chantagens representavam uma ameaça real. A perda de controle era aterradora, pois Estelle poderia se lembrar do passado — e lembrar que estava prestes a deixá-lo, com a ajuda de Murilo. Foram suas mentiras que a levaram a pegar o carro naquela manhã, numa tentativa desesperada de fugir. Ele nunca imaginara que isso resultaria no acidente que quase tirara sua vida. Paulo fechou os olhos, tentando controlar a dor que não vinha apenas de sua perna machucada, mas também do que havia se perdido entre ele e Estelle. Cada palavra que Marta dizia fazia seu peito apertar, mas e