Inicio / Mistério/Thriller / SOMBRAS DA MEMÓRIA / CAPÍTULO 1 - CINZAS E ILUSÕES
SOMBRAS DA MEMÓRIA
SOMBRAS DA MEMÓRIA
Por: C.R.SANTOS
CAPÍTULO 1 - CINZAS E ILUSÕES

                      Logo após a comissária de bordo informar que o avião pousaria em alguns minutos, e o piloto anunciar a temperatura de treze graus, bem como a chuva que caía sobre a cidade, Murilo fechou seu computador e o guardou na mochila que estava sob a poltrona à frente. Ele olhou pela pequena janela, onde a cidade iluminada se apresentou como um quadro vivo. De cima, a beleza da ilha era de tirar o fôlego; mas, dentro dele, tudo era cinza, um contraste gritante entre o espetáculo vibrante da paisagem e o peso sombrio de suas lembranças. Sentiu as mãos úmidas as secou no jeans que usava, esfregando com força, batendo as pontas dos dedos na coxa em seu estado de melancolia.  

Mesmo após três anos morando e trabalhando em Manaus, tentando esquecer o passado, não imaginava que estaria tão tenso ao retornar à sua cidade natal. A mesma pergunta não saia de sua cabeça. Por que voltara? Para procuraria seu irmão e tentar uma reaproximação? Talvez. A última vez que o tinha visto, tensão era muito grande entre eles. Voltara para se aproximar de suas sobrinhas? Ser um tio presente? Ao lembrar das meninas, a visão de Pablo surgiu na sua mente e rapidamente lágrimas surgiram em seus olhos juntamente com uma pontada de dor que a imagem do menino provocava nele.  balançou a cabeça espantando as tristes lembranças. Mas se suas tentativas frustrassem, por essa razão, trouxera apenas uma pequena mala. Caso não conseguisse se readaptar ou se a situação se tornasse insustentável, poderia voltar sem grandes inconvenientes.

Ao pisar fora do aeroporto, o vento frio cortou seu rosto, arrancando um estremecimento involuntário. Ajustou a gola do casaco, puxando-a para cima numa tentativa inútil de se proteger do frio que parecia penetrar até os ossos. O tempo passado em Manaus, cercado pelo calor úmido e sufocante, quase o fizera esquecer o frio intenso de Florianópolis.

Com um suspiro profundo que revelava seu estado emocional, decidido a chegar logo ao seu destino, entrou no táxi e informou o novo endereço ao motorista. Enquanto o carro avançava pelas ruas, a umidade na janela embaçada fazia a cidade parecer um borrão — distante e distorcida, como se ele a observasse através de uma bolha de vidro. Ao passarem por uma floricultura, Murilo pediu ao motorista que parasse. Poucos minutos depois, voltou segurando um buquê de rosas vermelhas. Seus dedos apertavam os caules com reverência, refletindo o peso daquele momento.

Antes de seguir para recém-comprada casa, pediu mais uma parada. Ao descer no antigo endereço, suas pernas vacilaram ao avistar o terreno onde sua residência um dia estivera. Permaneceu imóvel, encarando o vazio melancólico que substituíra tudo o que um dia existira ali. O jardim vibrante e repleto de vida transformara-se em um espaço desolado. O mato seco erguia-se como uma nota final, rompendo o solo e apagando as marcas do tempo. Aproximou-se, beijou o buquê e depositou-o na terra úmida. Era como se, ao deixá-las ali, estivesse abandonando uma parte de si mesmo — aquela que ainda se agarrava ao passado.

Lentamente, virou-se e olhou a casa onde Estelle morava com a família. Nada havia mudado. A residência estava exatamente como há três anos: intacta, mas sem vida. A visão ficou embaçada e um gosto salgado à boca, e só então percebeu que as lagrimas que tentara evitar rolavam por seu rosto, tamanha era a tristeza misturada com a saudade.

Fechou os olhos por alguns segundos, secando as lagrimas, voltou ao taxi encostou a cabeça no banco e fechou os olhos. Mas as memórias do incêndio irromperam como flashes perturbadores: os gritos abafados, o cheiro acre da fumaça, as chamas avançando como um vento furioso. Ele ouviu novamente as palavras de Paulo, cuspidas uma acusação: "Você é o responsável pela morte deles." Tentava focar nos detalhes, mas tudo permanecia enevoado. Havia discutido com Estelle naquela noite, e as palavras trocadas estavam carregadas de dor e frustração. Contudo, o momento em que as chamas surgiram — a faísca que transformou a casa em um inferno — permanecia intocável, envolto em sombras.

E se tivesse sido um acidente? Um gesto impensado, uma distração fatal? A dúvida corroía sua mente, mas havia uma parte dele, uma sombra sussurrante, que insinuava algo mais sombrio. Talvez ele tivesse feito aquilo. Ou talvez... ela tivesse. Não. Era melhor não pensar nisso. Melhor deixar a dúvida pairar, como as lembranças daquela noite que jamais seriam apagadas.

O motorista quebrou o silêncio ao anunciar a chegada. Murilo permaneceu imóvel por um instante, segurando a maçaneta com força, como se isso pudesse conter a avalanche de sentimentos que o invadia. "Você precisa enfrentar os fantasmas, precisa controlar sua mente", pensou. Após um profundo suspiro, finalmente criou coragem e desceu do carro.

Ao entrar na casa, caminhou diretamente para a sala. Com dedos trêmulos, vasculhou o bolso do casaco até encontrar um pequeno frasco de comprimidos. Num movimento rápido e quase desesperado, engoliu dois ansiolíticos sem água. Sentou-se, deixando o peso do silêncio envolver o ambiente. O passado estava ali, pulsando nas sombras. Não importava quantas cidades morasse ou quantos comprimidos tomasse — os fantasmas sempre o encontrariam.

                                                                         2

Sigue leyendo en Buenovela
Escanea el código para descargar la APP
capítulo anteriorcapítulo siguiente

Capítulos relacionados

Último capítulo

Escanea el código para leer en la APP