Beatriz
A turbulência no meu peito era muito maior do que qualquer sacolejo que o avião pudesse causar. O mundo lá fora parecia calmo, o céu sem nuvens refletindo uma tranquilidade que eu não sentia por dentro. Estava prestes a começar uma nova fase da minha vida, mas os fantasmas do passado insistiam em me acompanhar. Não era apenas o peso de um novo desafio profissional. Era algo mais profundo, algo que eu não conseguia nomear, mas que apertava meu peito com força a cada respiração.
Enquanto o avião sobrevoava, tentei desviar meus pensamentos para o futuro. A pesquisa sobre a contaminação da água era essencial, não só para a preservação dos lençois freáticos, mas também para proteger o direito básico de populações vulneráveis, como os povos originários e quilombolas. Essa missão me motivava profundamente, e eu sabia que o Dr. Rafael Antonelli, o renomado cientista com quem trabalharia, era conhecido por sua seriedade e humanidade. A ansiedade para começar meu trabalho era tão grande quanto a esperança de um recomeço.
Mas então, o cansaço da viagem venceu, lentamente os meus olhos se fecham e o sono toma conta de mim. Foi quando o pesadelo voltou, imagens começam a invadir o seu subconsciente, aquele homem me tocando, beijando, aquecendo o meu corpo e depois se afastando, ficando cada vez mais e mais distante, e eu me sinto em desespero, as lágrimas rolam pelo meu rosto e o imploro que ele não se vá!
— Não me deixe! – grito para ele. Mas é como se o mesmo não me ouvisse, ele continua se afastando até desaparecer completamente, logo ouço a risada diabólica daquele homem pavoroso que se diz ser o pai do Lipe.Acordei sobressaltada, o coração disparado, e passei as mãos pelo rosto, tentando me recompor. Era apenas um pesadelo. Só mais um. Mas as cicatrizes que ele reabria estavam longe de ser imaginárias. Lembranças de Lipe, de sua traição... e de todo o caos que se seguiu. Eu já sei que preciso me livrar das lembranças dele na cama com a Lívia, no mesmo lugar em que nós fazíamos amor e dormiamos nos braços um do outro, mas não consigo entender por que Felipe fez isso comigo?O som da comissária anunciando os procedimentos de pouso me trouxe de volta ao presente. Arrumei o cabelo, retoquei o batom e organizei meus pertences, fingindo para mim mesma que estava tudo sob controle. Mas algo em meu íntimo dizia que essa viagem não seria apenas sobre ciência.
Desembarquei e avistei o Dr. Rafael me esperando com um sorriso acolhedor. Ele parecia mais jovem do que eu esperava, com uma energia quase desconcertante para alguém tão renomado.
Ele aperta a minha mão e diz:— Espero que sua viagem tenha sido tranquila.— Foi sim, um voo bem tranquilo, não teve nenhuma turbulência! — respondo com um sorriso no rosto.— Que bom, fico feliz em ouvir isso, vamos!— Eu levo o carrinho. — ele responde gentilmente e faz um sinal para que eu caminhe à sua frente, em direção à saída do aeroporto.— Nesse horário o trânsito está tranquilo, logo conhecerá a sua nova moradia.
— Que bom, assim não ficaremos presos em engarrafamentos. — respondo aliviada.— O endereço que ficarei é no centro ou é fora da cidade? — pergunto simplista.— Não é tão afastado do centro, uma distância confortável para que você possa vir ao centro fazer compras e retornar tranquilamente sem nenhum problema, apesar de ser um lugar tranquilo o que é muito bom para o nosso trabalho.— Acredito que você vai gostar bastante, já que me falou que tinha interesse em mudar de vida, é um lugar bem diferente do centro da cidade.Seguimos conversando tranquilamente, como dito, o trânsito estava tranquilo e assim não demorou muito para chegarem ao destino.Ao chegarmos na porta principal, eu observo tudo em volta e penso, que estou no lugar onde começará a minha nova vida.Caminhamos tranquilamente em direção ao estacionamento.A conversa fluiu naturalmente enquanto ele me conduzia ao carro, tomando cuidado para que eu me sentisse confortável. O trajeto até o local onde eu ficaria era tão tranquilo quanto sua voz, e logo nos aproximamos de um condomínio cercado por verde. Era um lugar encantador, um lugar charmoso com natureza preservada, uma área rural inserida ao meio urbano, excelente trabalho de paisagismo!
Algumas casas num condomínio fechado em estilo colonial, sendo uma delas a maior, onde estava localizado o centro de pesquisa, onde todos os equipamentos estavam instalados e ao redor as casas dos funcionários que estavam ali envolvidos nessa pesquisa.Nos aproximamos de uma casa com varanda muito aconchegante, com um pequeno jardim na frente e vasos de samambaia na varanda, algumas cadeiras de balanço e uma mesa que levava a se imaginar um relaxante fim de tarde após um dia cansativo.— Espero que goste. — ele diz com um sorriso encantador.— Claro que sim, doutor. — É belíssima!
Ele desliga o carro, desembarca do veículo e dá a volta, abre a porta para mim, retira as minhas malas. Abre o portão e entramos com os meus pertences chegando até a varanda.
Ele tira a chave do bolso, abre a porta, faz um sinal para que eu entre na sua frente.
Entro e observo a sala que é bem aconchegante, olho nos olhos dele e agradeço:— Muito obrigada, é linda e muito acolhedora, espero que não tenha tido muito trabalho para conseguir a acomodação.
— Não, era a residência da antiga assistente, espero que goste, se você quiser mudar algo, sinta-se à vontade, agora a casa é sua.— Já estou indo embora para que você possa descansar da viagem, não precisa se preocupar em trabalhar amanhã, depois marcamos tudo, assim você tem como descansar de toda a correria da viagem.Ele coloca a chave da casa na minha mão, fecha e me dá um sorriso acolhedor.
— Até Beatriz, aproveite para descansar e se acomodar, se precisar de algo, é só me ligar, bom descanso e seja bem vinda.
— Obrigada doutor Rafael, estarei pronta para o trabalho depois de amanhã.— Beatriz, não precisa me chamar de doutor, vamos diminuir as formalidades porque trabalharemos muito tempo juntos.—Tudo bem Rafael, obrigada por tudo, espero que você não tenha tido muito trabalho por ter organizado a minha chegada, estou encantada com a recepção.—Acredito que vamos trabalhar muito bem juntos.—Tchau, bom descanso Beatriz.— Bom descanso para você também Rafael.Havia algo naquele lugar. Algo que eu não conseguia identificar, mas que parecia observar, esperando o momento certo para se revelar.
BeatrizO silêncio parecia uma tela em branco, convidativa e misteriosa. Aqui pretendo passar os meus próximos anos, almejo me dedicar a pesquisa científica, bem como evoluir nos diversos aspectos de minha vida. Quando fechei a porta atrás de mim, senti o peso do mundo lá fora ficar para trás. Diante de mim estava o início de uma nova história, uma casa que seria o meu refúgio, meu laboratório de descobertas e, talvez, meu santuário para curar feridas que ainda ardiam.Eu estou consciente que terei um caminho longo a traçar, mas me vejo munida de determinação para seguir com os meus projetos e alcançar todos os meus objetivos.Com a saída de Rafael, me sinto mais à vontade para observar a minha volta, já que esse lugar será a minha nova residência.Respiro fundo e deixo os meus olhos percorrerem cada detalhe do lugar. As paredes em tons pastéis exalavam tranquilidade. O pequeno hall de entrada, com um espelho e alguns objetos de decoração, davam boas-vindas de uma forma inesperadamente
Felipe VassaloJá faz uma semana que minhas noites se arrastam sem fim, meu sono roubado pela ausência dela. Beatriz desapareceu como um sonho interrompido, sem deixar pistas, sem me dar a chance de entender. Parece que o chão se abriu e a engoliu, levando com ela minha paz e minhas respostas.Eu sabia que tinha errado. Perder a formatura dela foi imperdoável, ainda mais porque era o momento que ela mais esperava. Beatriz, órfã de pais, sonhou com aquele dia como a culminância de uma promessa feita à família que já não estava presente, nem eu sei como que eu fui perder aquela cerimônia, sabia a importância que aquela formatura tinha para ela.Não sei porque, eu me lembro que estava muito cansado, muito cansado mesmo! Tinha corrigido provas e muitos trabalhos de término do semestre, estava exausto mas não entendo como dormir por mais de trinta e seis horas seguidas, perdendo assim a formatura e também não consegui mais encontrá- la.Ninguém sabe me dizer o que aconteceu, procurei por in
Giulia VassaloSer uma mulher da máfia é navegar entre o poder e o perigo, uma linha tênue onde o amor e o medo coexistem. No entanto, se há algo que aprendi, é que o caos pode ser domado, e até mesmo moldado, por uma mulher que conhece sua força.Casei-me com um Vassalo, um nome que carrega mais rumores e temores do que o próprio inferno. Meu pai dizia que estava me enviando para a segurança, mas eu sabia a verdade: aquilo era um pacto de sobrevivência, e eu era a moeda de troca.Naquele dia, entrei na igreja sentindo-me como um cordeiro no altar do sacrifício. As luzes brilhantes não me cegavam o suficiente para apagar o peso das paredes opressoras. O ar carregava o perfume das flores e da submissão. Rezei para que a morte me libertasse antes que qualquer promessa fosse feita.Mas Cesare Vassalo, com sua postura elegante e olhos que podiam desarmar uma batalha, me surpreendeu. Quando levantou meu véu, esperava encontrar arrogância e frieza, mas encontrei um olhar que parecia dizer: E
BeatrizA tela do notebook pisca na minha frente, iluminando o quarto com seu brilho frio. Enquanto as linhas de texto preenchem os meus olhos, sinto meu coração acelerar. Não é apenas mais um projeto; é o projeto que me dará a maior oportunidade da minha vida profissional. Algo que, se bem-sucedido, pode redefinir a forma como entendemos o mundo microscópico que nos cerca. A responsabilidade pesa nos meus ombros, mas também me enche de uma empolgação quase infantil.Passo os olhos pela avaliação já feita, cada detalhe meticulosamente anotado. Vejo as pesquisas de campo realizadas, as amostras coletadas, os pontos de análise e comparações que ainda precisam ser realizadas. Já imagino os próximos passos, as estratégias, as noites que passarei imersa nisso. É fascinante estar aqui, tão profundamente envolvida em algo tão promissor. Esse projeto, idealizado pelo Rafael, é muito mais do que ciência; é uma oportunidade de deixar uma marca duradoura no mundo.Apesar disso, uma sombra de cans
BeatrizAcordo com uma sensação de renovação que não sentia há tempos. O sol invade o quarto com um brilho dourado e suave, prometendo um dia cheio de descobertas. Ainda na cama, espreguiço-me, permitindo que a leveza do momento se instale. A rotina de autocuidado que adotei tem sido um refúgio para minha mente, um momento em que posso me reconectar comigo mesma.Levanto e caminho até o banheiro, onde me encaro no espelho. Olhos atentos observam cada detalhe. É estranho como o reflexo pode revelar mais do que apenas uma imagem. Tiro a roupa, lavo meus cabelos, e deixo que a água morna leve embora qualquer resquício de cansaço. Uma hidratação caprichada, esfoliações no rosto e no corpo, e um toque de óleo perfumado completam o ritual. Minha pele macia e levemente perfumada me faz sentir pronta para encarar qualquer desafio.Escolho com cuidado o vestido midi preto que realça minhas curvas com elegância. Calço minha sapatilha preferida, passo um batom sutil e um lápis de olho que realça
BeatrizO riso preenchia a sala de jantar como música, aquecendo o coração de todos. A mesa era um reflexo perfeito daquela conexão rara e genuína, pratos compartilhados, olhares de cumplicidade, e uma alegria simples que parecia carregar anos de estórias em comum. Sentada ali, eu observava cada interação com um misto de admiração e saudade, como se tivesse encontrado um pedaço de algo que nem sabia estar procurando.— E então, Rafael, como anda a pesquisa? — perguntou Stefany, com um brilho curioso no olhar.Rafael repousou o garfo no prato e respondeu com a calma de quem domina o que faz:— Estamos progredindo bem. Amanhã iremos a campo coletar mais amostras. A chegada da Beatriz é o impulso que precisávamos.Fabrícia, sempre espirituosa, brincou:— Finalmente! Alguém para dar conta do trabalho que você insiste em acumular, Rafael.O ambiente voltou a se encher de risadas enquanto Stefany e Fabrícia traziam à mesa travessas fumegantes de lasanha. Rafael, já com um sorriso brincalhão,
BeatrizAcordo como se estivesse sendo arrancada de um pesadelo que se recusa a terminar. Meus olhos se abrem e tudo ao meu redor parece opressor: estou suada, minha respiração ofegante e o coração dispara como se eu tivesse acabado de correr quilômetros. Mas é pior que cansaço físico. É aquela memória vertiginosa, cruel, que me invade sem permissão. A lembrança tem gosto de traição e dor, e, por mais que eu tente, não consigo apagá-la.Não consigo esquecer. Os nossos corpos se encaixavam como se fossem feitos um para o outro. O jeito que ele me olhava, como se o mundo desaparecesse ao redor. Mas foi tudo uma ilusão. Uma mentira.Flashback onAinda posso sentir o peso da chave na minha mão enquanto a girava na fechadura naquela noite. Eu estava ansiosa. A voz de Cesare Vassalo martelava em minha cabeça como um alerta que eu insistia em ignorar."Você deveria ser feliz, Beatriz. Viva seu amor com Filipe, mas cuidado: nem tudo é o que parece."Queria apenas afastar aquelas palavras. Eu t
Beatriz— Você tem sorte, Beatriz. Não é todo dia que a morte olha para você nos olhos e desiste!As palavras de Rafael ecoam em minha mente enquanto tento processar os últimos minutos. Estou no banco de trás do carro, as mãos tremendo levemente, e o coração ainda acelerado. Tudo aconteceu rápido demais, o som do chocalho, a pistola sendo apontada para mim, o disparo, e a percepção tardia de que minha vida poderia ter acabado ali, no meio daquela floresta isolada. Meu olhar encontra o de Rafael pelo retrovisor, e há algo na intensidade de seus olhos que me desconcerta. Ele diz que me salvou, mas a lembrança do cano daquela arma apontado para mim ainda me faz estremecer.— Tudo bem aí atrás? — pergunta Marlon, enquanto dirige pela estrada de terra.— Sim, estou bem. — Minha voz soa mais firme do que me sinto, e agradeço por isso.Pouco depois, chegamos à estrada principal. O ar condicionado do carro é um contraste brusco com o calor úmido do campo, mas não reclamo. Marlon e Rafael discu