Felipe Vassalo
Já faz uma semana que minhas noites se arrastam sem fim, meu sono roubado pela ausência dela. Beatriz desapareceu como um sonho interrompido, sem deixar pistas, sem me dar a chance de entender. Parece que o chão se abriu e a engoliu, levando com ela minha paz e minhas respostas.
Eu sabia que tinha errado. Perder a formatura dela foi imperdoável, ainda mais porque era o momento que ela mais esperava. Beatriz, órfã de pais, sonhou com aquele dia como a culminância de uma promessa feita à família que já não estava presente, nem eu sei como que eu fui perder aquela cerimônia, sabia a importância que aquela formatura tinha para ela.
Não sei porque, eu me lembro que estava muito cansado, muito cansado mesmo! Tinha corrigido provas e muitos trabalhos de término do semestre, estava exausto mas não entendo como dormir por mais de trinta e seis horas seguidas, perdendo assim a formatura e também não consegui mais encontrá- la.
Ninguém sabe me dizer o que aconteceu, procurei por informações com os colegas de turma mas ninguém soube me informar nada, a não ser que ela tinha saído do estado para um trabalho mas ninguém soube informar qual e nem onde. Por que ela partiu tão de repente me deixando assim? Eu achava que tudo estava bem, iria até pedi-la em casamento na formatura, tinha programado tudo para isso acontecer.Ela sumiu levando o meu coração e a minha paz, não consigo dormir, nem me alimentar corretamente, não sei o que farei sem essa menina mulher que fugiu e levou o meu coração. Foram meses maravilhosos, onde nos amamos cada lugar, cada canto do meu apartamento, que foi testemunha do nosso amor e de como nós nos queríamos, a fome do nosso desejo…O que aconteceu com ela meu Deus? Isso está me corroendo, será que me enganei tanto assim?O bilhete que ela deixou foi como uma facada: "Estou bem, estou indo embora. Foi bom enquanto durou. Desejo que você seja muito feliz." Como assim? Bom enquanto durou? Por que ela foi embora de forma tão repentina? Eu tinha planejado pedi-la em casamento naquela noite, já imaginava nossos amigos aplaudindo quando eu me ajoelhasse diante dela. Agora, tudo o que restou é um apartamento cheio de lembranças e silêncio.
Cada canto do meu apartamento guarda vestígios do que fomos. O sofá ainda carrega o perfume dela. A cama parece mais vazia do que nunca, mesmo que eu não a use. Fecho os olhos e quase consigo ouvir sua risada, seu jeito de me chamar por apelidos carinhosos, sua voz suave que transformava os dias mais pesados em algo suportável.
E se eu fui apenas um passatempo? Essa dúvida me destrói. Não quero acreditar que tudo foi uma ilusão. Mas por que ela sumiu sem explicações?
— Felipe! — Lívia interrompe meus pensamentos, sua voz animada destoando da melancolia que me consome. — Que bom te encontrar, estava te procurando!
Tento esconder minha perturbação com um sorriso forçado.
— Oi Lívia, como você está, tudo bem?— Fala porque você está me procurando?— Já que o ano letivo acabou, você já entrou de férias?— Sim Lívia, mas nesse momento não estou com cabeça para uma viagem, tenho alguns problemas pessoais para resolver.Ela coloca a mão no meu braço fazendo um leve carinho— Não vê Felipe que essa menina só brincou com você?— Para ela foi só um passatempo até a formatura…Fico furioso.— Não quero falar sobre isso, Lívia!— Tá bom, tá bom então.Vamos até a lanchonete do campus para fazermos um lanche já que temos que deixar tudo organizado para o retorno das aulas? —Sim vamos, vamos que eu pretendo terminar tudo hoje, quero estar livre amanhã.Nos dirigimos para a lanchonete onde alguns alunos me cumprimentam se despedindo pois voltarão para suas respectivas cidades durante as férias. Lidar com essa garotada é muito bom, posso dizer, é muito gratificante!— Aí professor valeu a nota hein! Muito obrigada!— Que nada Kelvin você fez por merecer!— Aí rapaziada o professor Felipe é o melhor! Eles gritam e batem nas minhas costas, distribuindo abraços.— Obrigada rapaziada! Obrigada meninas!Algo para me deixar feliz, é esse reconhecimento e esse carinho que eles nos dão, o que vale a pena após um ano de aulas, provas e trabalhos sem fim.— Aí professor até o ano que vem!— Até Kelvin, até rapaziada.Me dirijo a mesa com Lívia. — Eles gostam muito de você Felipe. — diz Lívia sorrindo. — E é verdade, Lívia, e eu gosto muito deles!A cena deveria me arrancar um sorriso genuíno, mas, no fundo, tudo parece superficial. A dor de não ter Beatriz ao meu lado eclipsa qualquer outra coisa.
Depois do lanche, volto para organizar os materiais no armário da sala dos professores. Tento ocupar minha mente com tarefas mundanas, mas os pensamentos sobre Beatriz invadem como uma tempestade. Fecho os olhos e vejo seu sorriso, sinto a textura dos seus cabelos entre meus dedos, o calor do seu corpo. Meu coração se aperta, meu corpo reage de formas que me deixam constrangido.
Não posso continuar assim. Preciso de respostas.
O problema é que minha vida nunca foi simples. Sou professor de biologia por paixão, mas carrego um peso que poucos conhecem. Minha família é dona de um dos maiores conglomerados do país, mas, por trás da fachada de empreendedores bem-sucedidos, está a máfia. Cresci cercado por segredos e violência, e passei minha vida tentando me distanciar disso.
Meu pai e meu irmão caçula comandam o império com prazer, enquanto eu fingi uma liberdade que nunca tive. Sei que sou seguido por homens de confiança do meu pai. Eles dizem que é proteção, mas sinto como vigilância. Não sei até onde vai a influência deles, e isso me preocupa.
Será que o desaparecimento de Beatriz tem algo a ver com a máfia? Seria possível que meu pai, em sua obsessão por controle, tenha interferido em minha vida pessoal?
Se for isso, farei do mundo um inferno.
As perguntas me corroem. Não posso mais ignorar o vazio que ela deixou, nem a sombra de mistério que paira sobre sua partida. Não foi apenas uma coincidência. Algo está errado, e vou descobrir o que.
Por enquanto, o único som na sala dos professores é o da minha respiração pesada e das folhas sendo organizadas. Mas algo na atmosfera muda. Não sei explicar, mas sinto uma presença, um arrepio que percorre minha espinha.
Olho para a porta. Está entreaberta, e por um instante penso ter visto uma sombra passando.
— Tem alguém aí? — pergunto, tentando soar firme, mas minha voz falha levemente.
Silêncio.
Volto a atenção para os papéis, mas agora estou inquieto. Há algo no ar, algo que não sei explicar. E a sensação de que a ausência de Beatriz é apenas a ponta de um iceberg muito maior não me deixa em paz.
Giulia VassaloSer uma mulher da máfia é navegar entre o poder e o perigo, uma linha tênue onde o amor e o medo coexistem. No entanto, se há algo que aprendi, é que o caos pode ser domado, e até mesmo moldado, por uma mulher que conhece sua força.Casei-me com um Vassalo, um nome que carrega mais rumores e temores do que o próprio inferno. Meu pai dizia que estava me enviando para a segurança, mas eu sabia a verdade: aquilo era um pacto de sobrevivência, e eu era a moeda de troca.Naquele dia, entrei na igreja sentindo-me como um cordeiro no altar do sacrifício. As luzes brilhantes não me cegavam o suficiente para apagar o peso das paredes opressoras. O ar carregava o perfume das flores e da submissão. Rezei para que a morte me libertasse antes que qualquer promessa fosse feita.Mas Cesare Vassalo, com sua postura elegante e olhos que podiam desarmar uma batalha, me surpreendeu. Quando levantou meu véu, esperava encontrar arrogância e frieza, mas encontrei um olhar que parecia dizer: E
BeatrizA tela do notebook pisca na minha frente, iluminando o quarto com seu brilho frio. Enquanto as linhas de texto preenchem os meus olhos, sinto meu coração acelerar. Não é apenas mais um projeto; é o projeto que me dará a maior oportunidade da minha vida profissional. Algo que, se bem-sucedido, pode redefinir a forma como entendemos o mundo microscópico que nos cerca. A responsabilidade pesa nos meus ombros, mas também me enche de uma empolgação quase infantil.Passo os olhos pela avaliação já feita, cada detalhe meticulosamente anotado. Vejo as pesquisas de campo realizadas, as amostras coletadas, os pontos de análise e comparações que ainda precisam ser realizadas. Já imagino os próximos passos, as estratégias, as noites que passarei imersa nisso. É fascinante estar aqui, tão profundamente envolvida em algo tão promissor. Esse projeto, idealizado pelo Rafael, é muito mais do que ciência; é uma oportunidade de deixar uma marca duradoura no mundo.Apesar disso, uma sombra de cans
BeatrizAcordo com uma sensação de renovação que não sentia há tempos. O sol invade o quarto com um brilho dourado e suave, prometendo um dia cheio de descobertas. Ainda na cama, espreguiço-me, permitindo que a leveza do momento se instale. A rotina de autocuidado que adotei tem sido um refúgio para minha mente, um momento em que posso me reconectar comigo mesma.Levanto e caminho até o banheiro, onde me encaro no espelho. Olhos atentos observam cada detalhe. É estranho como o reflexo pode revelar mais do que apenas uma imagem. Tiro a roupa, lavo meus cabelos, e deixo que a água morna leve embora qualquer resquício de cansaço. Uma hidratação caprichada, esfoliações no rosto e no corpo, e um toque de óleo perfumado completam o ritual. Minha pele macia e levemente perfumada me faz sentir pronta para encarar qualquer desafio.Escolho com cuidado o vestido midi preto que realça minhas curvas com elegância. Calço minha sapatilha preferida, passo um batom sutil e um lápis de olho que realça
BeatrizO riso preenchia a sala de jantar como música, aquecendo o coração de todos. A mesa era um reflexo perfeito daquela conexão rara e genuína, pratos compartilhados, olhares de cumplicidade, e uma alegria simples que parecia carregar anos de estórias em comum. Sentada ali, eu observava cada interação com um misto de admiração e saudade, como se tivesse encontrado um pedaço de algo que nem sabia estar procurando.— E então, Rafael, como anda a pesquisa? — perguntou Stefany, com um brilho curioso no olhar.Rafael repousou o garfo no prato e respondeu com a calma de quem domina o que faz:— Estamos progredindo bem. Amanhã iremos a campo coletar mais amostras. A chegada da Beatriz é o impulso que precisávamos.Fabrícia, sempre espirituosa, brincou:— Finalmente! Alguém para dar conta do trabalho que você insiste em acumular, Rafael.O ambiente voltou a se encher de risadas enquanto Stefany e Fabrícia traziam à mesa travessas fumegantes de lasanha. Rafael, já com um sorriso brincalhão,
BeatrizAcordo como se estivesse sendo arrancada de um pesadelo que se recusa a terminar. Meus olhos se abrem e tudo ao meu redor parece opressor: estou suada, minha respiração ofegante e o coração dispara como se eu tivesse acabado de correr quilômetros. Mas é pior que cansaço físico. É aquela memória vertiginosa, cruel, que me invade sem permissão. A lembrança tem gosto de traição e dor, e, por mais que eu tente, não consigo apagá-la.Não consigo esquecer. Os nossos corpos se encaixavam como se fossem feitos um para o outro. O jeito que ele me olhava, como se o mundo desaparecesse ao redor. Mas foi tudo uma ilusão. Uma mentira.Flashback onAinda posso sentir o peso da chave na minha mão enquanto a girava na fechadura naquela noite. Eu estava ansiosa. A voz de Cesare Vassalo martelava em minha cabeça como um alerta que eu insistia em ignorar."Você deveria ser feliz, Beatriz. Viva seu amor com Filipe, mas cuidado: nem tudo é o que parece."Queria apenas afastar aquelas palavras. Eu t
Beatriz— Você tem sorte, Beatriz. Não é todo dia que a morte olha para você nos olhos e desiste!As palavras de Rafael ecoam em minha mente enquanto tento processar os últimos minutos. Estou no banco de trás do carro, as mãos tremendo levemente, e o coração ainda acelerado. Tudo aconteceu rápido demais, o som do chocalho, a pistola sendo apontada para mim, o disparo, e a percepção tardia de que minha vida poderia ter acabado ali, no meio daquela floresta isolada. Meu olhar encontra o de Rafael pelo retrovisor, e há algo na intensidade de seus olhos que me desconcerta. Ele diz que me salvou, mas a lembrança do cano daquela arma apontado para mim ainda me faz estremecer.— Tudo bem aí atrás? — pergunta Marlon, enquanto dirige pela estrada de terra.— Sim, estou bem. — Minha voz soa mais firme do que me sinto, e agradeço por isso.Pouco depois, chegamos à estrada principal. O ar condicionado do carro é um contraste brusco com o calor úmido do campo, mas não reclamo. Marlon e Rafael discu
BeatrizO sol da tarde reflete nas janelas do complexo enquanto atravessamos os corredores iluminados, um misto de ansiedade e cansaço me acompanha desde que retornamos com as amostras. Cada passo meu ecoa nos espaços silenciosos do local, como se o próprio lugar estivesse escutando nossa chegada. Rafael, sempre calmo e seguro, guia-me até o laboratório, onde acondicionaremos as amostras colhidas.Assim que entro, fico estupefata. As paredes de vidro e os equipamentos de última geração me fazem sentir como se estivesse em um cenário futurista. Tudo parece cuidadosamente planejado, vidrarias brilhando sob as luzes frias, bancadas impecáveis, sensores modernos piscando em sincronia. Este não é apenas um laboratório; é o sonho de qualquer biomédico dedicado à pesquisa.Rafael está ao meu lado, apontando os detalhes, mas é difícil não me perder na vastidão daquela estrutura. Ele me conduz por outras dependências, uma ampla sala de reuniões com uma mesa oval e um telão que parece flutuar na
"Todos os dias você se supera de alguma forma e isso já é o suficiente."BeatrizO dia mal começa, e sinto que estou prestes a mergulhar em algo novo. O céu ainda guarda tons suaves de um amanhecer preguiçoso, mas meu corpo está em alerta. Enquanto faço minha higiene matinal, olho para o espelho e vejo mais do que meu reflexo; vejo uma mulher que está determinada a escrever uma história marcante.Hoje, tenho a sensação de que algo vai mudar, embora não saiba exatamente o que.Na cozinha comunitária do complexo, sou recebida pelo aroma de café fresco e pão tostado. Marlon já está lá, envolto em um ritmo tranquilo, preparando um sanduíche caprichado.— Bom dia, Marlon! Parece delicioso. Posso me juntar a você? — pergunto, sorrindo.— Claro, Beatriz. E aí, como está a adaptação? — ele responde, me oferecendo um pedaço do sanduíche.— Estou amando Marlon. E como está a tua esposa, a Stephany?— Eu vi o Nicolas, como sempre ele é um amor de menino.— Ele é muito carinhoso, puxou a Stefany