Só quem já se modificou pode mudar os outros.
Soren Kierkegaa
Theo não havia percebido a aproximação de Valentina por trás de si e quase deixa o celular espatifar no chão. Respirou fundo, praguejando pela própria negligência.
— Não te convém saber, Valentina. — Respondeu, ríspido. — Vá comer a maldita pizza que pediu.
Ela recuou, confusa pela constante mudança de humor dele. Mesmo sendo marido de fachada, ele pareceu tão sincero tendo ciúmes do garçom e de Jonas. Não — sua percepção alertou, é apenas possessividade. Ele jamais aceitaria estar por baixo da situação com toda arrogância visível.
— Eu sei que estou presa neste contrato por dois anos, Theo. Mas continuar exibindo suas amantes assim para a mídia e ficar calada, eu não vou aceitar.
Theo arqueou uma das sobrancelhas, guardando o celular dentro do bolso da calça cruzando os braços musculosos, talvez para exercer algum efeito nela.
— Eu não sou burro ao ponto de sair com outra mulher pelas ruas para os paparazzis verem. — Respondeu, enfático. — Essa droga de contrato está me cansando.
— E o que te impede de desfazê-lo? — Alterou-se ela. — Eu ficarei eternamente grata se você declarar toda a verdade para colocar um fim nisto.
— Esqueceu-se do seus pais, lindinha? — Theo sorriu torto, puxando-a pelo braço. O contato físico com ela o sobrepunha ao fardo da penitência e apreensão. Parecia até insano possuir esses sentimentos, mas jamais admitiria. Era orgulhoso demais para se render ou confessar. — Amanhã vamos voltar para o Brasil. Tenho problemas á resolver.
— Quer saber? — Valentina o empurrou bruscamente. — Eu prefiro ficar sozinha.
O coração dela estava moído, simplesmente por ter visto a mensagem de outra mulher. Negava paixão ou indícios de palpitações fortes — ela se assegurava disso. Queria ser amada de verdade e ter um casamento real e não por um contrato insensato, mas não com ele.
Afinal, nunca havia namorado antes, agora estava casada com um homem sem escrúpulos, completamente o oposto do ideal de marido. Ignorando a presença dele, Valentina saiu de perto dele segurando as lágrimas. Precisava conversar um pouco com as amigas e seus pais para matar a saudade. Foi assim que fez, deixando o filme de lado e enfurnando-se dentro do quarto com a caixa de pizza e o celular em mãos.
— Aonde você vai? — Inquiriu Theo, descruzando as pernas do divã e tirando os olhos do macbook. Percorreu com apreço e atenção o olhar flamejante desde o salto nude e o vestido acentuado da mulher até os fios de cabelos naturalmente soltos.
— Vou à igreja. — Sorriu, ajeitando a bíblia nas mãos. — Quer vir junto? Não vai demorar.
— Você nem sabe falar inglês. — Debochou ele. — Quem vai traduzir o sermão?
— Luna...ou Jonas. — Imediatamente os olhos dele ficaram semicerrados e os músculos enrijecidos. — Mas se você ir pode traduzir para mim. Vamos lá, Theo. O culto nem vai demorar.
Ele apenas deu de ombros, voltando a atenção para a tela do aparelho. Valentina sentiu desalento por ele usar as feridas do passado para ferir os outros. Ainda não conhecia sua história mas queria ajudá-lo a enxergar a vida em outra prisma.
— Tudo bem. Tchau. — Theo aproveitou a despedida dela para olhar seu corpo pela última vez antes de fechar a porta. Despertando de um transe momentâneo, esfregou o rosto com a palma das mãos, entorpecido.
Valentina o deixava louco por ser a mulher mais resistente que já conhecera. A teimosia dela o fascinava inteiramente, enquanto o desejo de domá-la crescia dentro de si, numa escala alarmante. Valentina ansiava conversar com Deus, mesmo que fizesse isso em casa e em todos os momentos. Como declara a passagem de 1 Tessalonicenses 5.17: "Orai sem cessar."
Passar por aquelas portas de vidro, de certa forma, acalmou seu coração. Acompanhou Luna e Jonas para o assento escolhido e acabou ficando entre os dois. Ajoelhou-se, aflita, iniciando seu diálogo em pensamento mas com a alma conturbada.
"Pai, por tudo o que tenho passado e pelo que vou passar, te dou graças. Eu sei que parece loucura para nós, humanos dizermos isso em situações imperdoáveis, mas o Senhor está sempre a nos perdoar e todo pecado é abominável aos teus olhos. Apesar de ser difícil, e o coração sangrar, sei que sofrestes muito mais por mim. Me perdoa pelo meu jeito impulsivo de ser e deixar as emoções falarem mais alto. Por favor, molda-me e me ensina a ser semelhante à Ti. Eu preciso seguir teus passos e te agradar. Sinceramente, está sendo complicado conviver com Theo. Deus, eu não sei qual o propósito o Senhor tem em nossas vidas. Ele parece nem ter um coração de tão frio e...soberbo que é. Não conheço o passado dele...só não quero me machucar outra vez. Dê à ele um coração de carne e o torna sensível a Ti. Oro, também pela vida dos meus pais. Que eles venham te conhecer assim como Tu és."
Valentina continuou orando, sentindo as lágrimas molharem o rosto. A paz fruindo no seu interior afastou a raiva e amargura, fazendo o sorriso de gratidão brotar nos lábios. Quando o período de louvor iniciou, preferiu prosseguir na conversa com seu pai celestial, embora estivesse em pé; fechou os olhos, esquecendo-se completamente dos novos amigos ao lado.
Na hora do sermão, Luna traduzia cada palavra para a jovem. A mensagem era exatamente a resposta das orações. Jeremias 24.7: E dar-lhes-ei coração para que me conheçam, porque eu sou o Senhor; e ser-me-ão por povo, e eu lhes serei por Deus, porque se converterão a mim de todo o seu coração. A transformação de vida só ocorre quando o coração é mudado; somente o Espírito Santo pode convencer o mundo do pecado, da justiça e do juízo.
— Eu precisava escutar aquele sermão.— Disse Valentina quando estavam no corredor do hotel. — Muito obrigada por ter me convidado, Luna.
— Ah, se quiser ir novamente é só avisar. — Sorriu a loira.
A jovem transpareceu uma expressão de pesar.
— Pena que amanhã irei embora.
— Já?! — Jonas mostrou-se chateado e surpreso ao mesmo tempo. — Mas você ficou aqui só dois dias.
— É o Theo...ele precisa resolver algumas coisas na empresa. — Explicou ela. — Também, tenho a faculdade, então...precisaremos partir.
— Ah, nem! — Luna cruzou os braços, fazendo beicinho. — Que horas vocês vão ir?
— Ele não disse.
— Esse é meu número. — Articulou Jonas, pegando um cartãozinho dentro do bolso e a entregando. — Qualquer coisa me ligue ou mande mensagem.
— Tudo bem. — Sorriu Valentina.
— Ah, também vou te passar o meu. — Luna escreveu o número na parte de trás do cartão. — Pode me encher de mensagens ou ligações que eu atendo.
— Obrigada! Vocês me ajudaram bastante. Eu espero vê-los novamente.
— Igualmente. — Disseram ambos, retribuindo o abraço caloroso da jovem.
Valentina sentiu a caixa torácica comprimir dentro de si, sufocando a torrente de emoções e presságios palpitantes. Não era sobre a reação do suposto marido de vê-la chegar para despejar o sermão da noite, mas algo começou afligi-la quando entrou na suíte e encontrou as malas no mesmo lugar. Desde o dia da briga entre os dois, ela lembrou-se que as bagagens não haviam sido removidas.
"Assim, descanso mais cedo”, comemorou internamente. Encaminhou-se para o quarto e o viu deitado de bruços para cima na cama. Engoliu em seco, deixando a bíblia na pequena estante, e voltou-se, paralisada; reparando no torso dele desnudo e esculpido. Os músculos delineavam perfeitamente o contraste da pele, no entanto — mesmo na penumbra devido a janela estar parcialmente aberta, o brilho lunar a permitiu ver múltiplas cicatrizes nas costas dele. Valentina ficou estática, observando-o. A curiosidade aumentou ao se perguntar acerca do surgimento daquelas marcas. Quando ele se moveu na cama ela correu para o banheiro.
Olhou-se no espelho, percebendo que até aquele momento prendia a respiração. Soltou o ar dos pulmões e quase teve um sobressalto pelas batidas na porta. "Ele já estava acordado? Ai, meu Deus!" Vários pensamentos afligiram a jovem. Rapidamente, ajeitou os cabelos e girou a maçaneta, abrindo passagem para ele entrar e ela sair.
— Calminha aí. — A voz rouca e o toque bruto no braço a impediu de prosseguir.
— Eu...preciso descansar, Theo. — Ela evitou de encará-lo nos olhos. — Desculpe se te acordei.
— Não acordou. — As mãos dele a prenderam pela cintura, colando seus corpos. — Elas são horrendas, não são? Aquelas cicatrizes...!
— Se quiser, vamos conversar. Mas por favor, me solta.
— Olhe para mim. — Ordenou, autoritário. Debater-se e iniciar um novo combate seria em vão. Ele a segurava sem gentileza alguma, machucando seus quadris.
Valentina gemeu de dor, notando que o mesmo ainda estava sem a camisa.
— Theo, você está... — Antes que ela terminasse de falar, os lábios dele a silenciaram de maneira voraz. O beijo salientava paixão e ardor, sem conceder brechas para a jovem escapar.
Ela não queria retribuir, mas os hormônios a contradiziam. Ele a conduzia até o relento aconchegante, sentindo todas as veias pulsando para tê-la e torná-la somente sua.
— Theo, pare! — Valentina arfou quando ele cessou o beijo. As pupilas dilatadas mostraram aquele famoso brilho. O desejo de satisfazer suas vontades.
— Eu não quero conversar. Até quando vai fingir que não sente a mesma atração por mim?
— Por favor, isso é errado.
— Somos casados, querida. — Sorriu, determinado. — É hipocrisia negar sentimentos mútuos. Definitivamente isso não é errado.
Valentina arregalou os olhos, desesperada para fugir. Ele queria apenas diversão e experimentá-la; ao contraste da aspiração dela.
— Theo, eu...
— Silêncio, mulher. — Esbravejou, lançando-a sobre a cama. — Eu estava sendo paciente com você. Aceite, porque pertencemos um ao outro.
— Não sou propriedade sua. — Rebateu, tentando se levantar.
— Você é inteiramente minha.
Ele rasgou a parte inferior do vestido dela. Desesperada, Valentina iniciou um choro compulsivo sem forças para se defender.
— Eu imploro, Theo. Não faça isso.
Por um momento ele parou, observando as lágrimas cristalinas rolando pelo rosto ruborizado. A expressão angustiada e o medo palpável que transmitia tremores para o corpo.
— Se você...ainda tiver consciência...não faça isso...
Os soluços dela lhe remeteram a mesma experiência do passado. Mas ele assassinou suas emoções, pelo menos acreditava que sim. Diante da súplica, ainda que mínimo, seu coração palpitou em comoção.
— Cale-se! Você não vai mudar quem eu sou.
— Não! — Ofuscada pelo medo e pavor, Valentina desferiu um tapa na face dele.
— Acabou de assinar sua sentença de tortura. — Rosnou, prendendo suas duas mãos sem delicadeza.
O pânico contido nos gritos abafados de Valentina só aumentavam sua fúria. Nada o faria mudar de ideia. Então, se esvaiu a inocência e a pureza da alma de menina. A dor emotiva ultrapassava à física. Naquele momento, o silêncio lhe fazia companhia, como se estivesse querendo enxugar cada partícula de lágrima.
Não sei por quais caminhos Deus me conduz, mas conheço bem o meu guia.Martinho LuteroO primeiro movimento deslizante pelo braço de Valentina, abriu seus olhos cansados de ter derramado lágrimas durante a noite inteira. Queria que fosse apenas um sonho, mas a estampa branca da cama manchado de sangue e a evidência das dores físicas, deprimiu novamente seu coração. De relance, olhou para o lado, sentindo asco e repúdio pelas carícias circulares que ele lhe fazia no braço. Imediatamente, se afastou, ignorando o olhar semicerrado dele.— Bom dia, querida. — Pronunciou, estendendo a mão na tentativa de puxá-la pela cintura, mas o alerta intuitivo a fez saltar para o chão junto com o lençol envolto no corpo.
— Essa é a sua nova casa. — Disse Theo, quando o veículo prateado estacionou em frente à uma mansão polida e luxuosa. Valentina havia permanecido de olhos fechados durante toda a viagem enquanto o motorista dirigia. Estava quase dormindo quando escutou a voz dele.— Bonita. — Ela fez cara de tédio, avaliando rapidamente a telha Shingle e o enorme portão de grade.Rafael a encarou pelo retrovisor, examinando as reações da mulher. Theo lhe disse que ela possuía um gênio forte e foi impossível não concordar, diante das cenas hilárias que presenciou durante o trajeto.— Mandarei o mordomo levar as malas. — Theo falou, lançando um olhar severo na entrada da mansão. Um homem de meia-idade e de ap
Depois da tristeza vem a alegria,Depois da alegria vem a tristeza.Estamos sempre na instabilidade entre a esperança e o medo.John OwenValentina ficou extremamente incomodada por ser a única mulher assentada á mesa. Vez e outra observava outras madames, certamente esposas dos executivos, reunidas numa espécime de roda alguns metros de distância. E tinha Refourld que traduzia os diálogos para ela e Theo quando o príncipe falava em árabe, afinal, alguns dos poderosos ali levaram também um intérprete.— Hã...por quê as esposas deles não ficam aqui também? — Valentina perguntou para Theo em tom de voz baixo.
Theo clicou no dispositivo acoplado á parede que ativava o isolamento acústico nos quatro cantos do cômodo. Agindo conforme o medo e o instinto ela travou uma luta corporal contra ele para fugir no momento, ciente que a força dele era bem superior a sua.— Quer se machucar? Eu não me importo.Ele impediu o ataque dela justamente nas partes íntimas. Viu a tempo quando o joelho dobrou-se pronto para desferir o golpe. As unhas longas arrastaram pela extensão de seu peitoral desnudo fazendo-o grunhir de dor. Jogando-a na cama, a dominou completamente, um pouco incomodado pelo desespero da mesma. Imobilizada, ela tentava afastá-lo por meio das súplicas.— Eu não gosto de agredir mulheres, Valentina. — Disse, furioso. — Mas se levantar sua mão para mim novamente eu mesmo vou quebrá-la.— Foi culpa sua! Por ter me tratado como prostituta.As íris dos olhos dele escureceram de forma instantânea. A fixa
Não se deixe vencer pelo mal mas vence o mal com o bem.Romanos 12:5Os soluços causavam espasmos por todo o corpo de Valentina. Os ombros dela balançavam incontroláveis, e o choque emocional impediu-a de encará-lo.— Responda, droga! — Alterou-se Theo, fazendo-a recuar, assustada. — Quem mandou você entrar aqui?Nenhuma palavra foi pronunciada. Bem que ela queria respondê-lo e preparar-se para outra cota de punição; porém, o sistema imunológico travou completamente. Apenas o choro ecoava pelo quarto sombrio.— Vai aprender a não ser mais enxerida. Você nunca aprende seu lugar, não é? — Rosnou ele, erguendo a mão áspera para seg
— Finalmente à sós. — O perfume enjoativo e a voz irritante preencheu os olhos de Theo. Ele mal entrara no escritório e aquela mulher já o esperava.— Vai trabalhar. — Falou, rude.— Me dispensando, Sr. Maldonaro? — Ela sorriu, levantando-se da mesa, caminhando na direção focada e passando a chave na fechadura para trancá-la.Passou as mãos pelos ombros largos do homem, retirando o terno que ele vestia. Vendo-o petrificado, de semblante rígido e carrancudo, exibiu seu corpo para atraí-lo.— Amor, aposto que sua mulher não te satisfaz como eu. — Provocou. Theo quase riu dela; Valentina ganhava em todos os aspecto
Tudo é considerado impossível, até acontecer.Nelson Mandela— Que segredo? — Valentina continuou sendo alimentada por ele. O silêncio frustrante chegava a ser um incômodo, aterrorizando o coração doentio da pobre garota.— Antes de eu te contar quero saber o porquê sua mãe veio aqui. — O tom soou meio rude no início, logo retesou diante do olhar duro dela.Ela revirou os olhos pra cima, voltando a encará-lo em seguida.— Se você acha que eu contei nosso segredinho para ela pode ficar sossegado. Afinal, é difícil para um rico parar no xilindró.— Valentina, eu não quero brigar. — Falou com uma expressão abatida no rosto. — É lógico que precisamos manter nosso acordo, mas...quero te mostrar que sou diferente, agora.— Ainda nã
— Dramaturgo, quando Valentina acordar avise que precisei atender uma emergência de negócios mas que logo voltarei. — Dirigiu-se ao mordomo na saída.— Sim, senhor.Sua consciência o perturbou — torcia para que ela não desconfiasse da mentira. Theo estacionou o veículo esportivo num ponto isolado da área isolada e abandonada, para evitar negligências. Ajeitou o terno impecável no corpo másculo, dirigindo-se mata adentro.Seus parceiros haviam encontrado o cara perambulando num beco escuro próximo a taberna mais espelunca do bairro. Felipe já havia verificado antes se o local dispunha câmeras de seguranças — pelo nível do lugar nem vigilância existia. Usando o comumente golpe na altura do estômago para desmaiá-lo, logo o jogaram dentro do veículo atentos ás todos