Depois da tristeza vem a alegria,
Depois da alegria vem a tristeza.
Estamos sempre na instabilidade entre a esperança e o medo.
John Owen
Valentina ficou extremamente incomodada por ser a única mulher assentada á mesa. Vez e outra observava outras madames, certamente esposas dos executivos, reunidas numa espécime de roda alguns metros de distância. E tinha Refourld que traduzia os diálogos para ela e Theo quando o príncipe falava em árabe, afinal, alguns dos poderosos ali levaram também um intérprete.
— Hã...por quê as esposas deles não ficam aqui também? — Valentina perguntou para Theo em tom de voz baixo.
— Por que só atrapalhariam.
— Sério? Me sinto deslocada aqui.
Theo arqueou a sobrancelha, colocando uma das mãos sobre a coxa dela.
— Vamos embora antes do evento terminar.
Disfarçadamente ela afastou o toque dele. Pegou um aperitivo servido pelo garçom, apreciando a leve massa recheada. Escolheu um coquetel de frutas por não ingerir álcool por opção própria.
Almir, vez ou outra, mirava a jovem quando dirigia alguma palavra à Theo. Analisava disfarçadamente os movimentos delicados dela ao segurar a taça, talheres e até no gesto de levar a comida à boca. Aproveitou quando o celular de Theo tocou e o mesmo saiu para atender. Todos conversavam entre si avidamente, alguns persistindo elevando o tom de voz nos momentos de discussão.
Mas a águia perspicaz apreciava sua caça, aproveitando estar perto dela, mudou para a cadeira ao lado sem considerar os observadores de plantão.
— Então, Valentina. É a primeira vez que está conhecendo meu país? — Ela o olhou, espantada.
— Sim, senhor... — Franziu a testa, a língua coçando para satisfazer a curiosidade. — Se me permite perguntar...como aprendeu a falar tão bem o português?
Almir sorriu, revelando a fileira de dentes brancos perfeitos.
— Na adolescência morei no Brasil junto com minha mãe durante cinco anos. Tive ótimos tutores.
— E aonde estão seus pais? — Questionou, inocentemente.
— Meu pai adoeceu e minha mãe... morreu.
— Eu sinto muito.
— É a vida, Valentina. Ele se apaixonou pela brasileira e acabei saindo mestiço.
Ela acenou com a cabeça, desviando os olhos dele para o centro do salão, enquanto levava a borda da taça de coquetel de frutas aos lábios.
— Sabe, se você quiser vir uma próxima vez pode comparecer ao palácio Abdu. Será um prazer te recepcionar.
Valentina fez uma expressão confusa no rosto, encabulada por aquilo ter soado um flerte. Avistou Theo retornando com uma expressão raivosa estampada no rosto. Percebeu que ele estava tenso demais — distante dali.
— Obrigada, alteza.
Ele estava sendo literalmente ignorado por ela. Ele, atraía todos os olhares mas aquela jovem não mostrava interesse algum.
— Pode me chamar de Almir, eu não ligo. Bom, preciso conduzir um breve discurso. Foi muito bom conversar com você, jawhrat jamila (bela jóia) — Declarou Almir, levantando-se da cadeira. Antes, esboçou um sorriso deslumbrante para Valentina sem importar com o marido dela se aproximando.
— Tão rápido assim? — Rosnou Theo, fuzilando o árabe que acabara de subir no palanque.
— O quê? — Ela franziu o cenho, notando Refourld escutando a discussão.
— És cega, mulher? Este árabe te paquera na maior cara dura e você não diz nada?
— Foi você quem disse para eu me manter calada durante o evento. —Revidou ela, sentindo uma enorme vontade de estapeá-lo. — Por que não vai reclamar com ele, então?
Theo emudeceu, sob alguns olhares curiosos dos convidados. Para disfarçar a tensão, contornou seus ombros, aspirando o perfume no pescoço dela e sorrindo ao vê-la arrepiar-se pelo toque.
— É melhor não me provocar, meu brinquedinho de estimação ou te punirei do jeito que eu gosto. Agora, sorria e me beije. — Sussurrou ele, fazendo carícias circulares no braço da garota.
Valentina estremeceu por dentro, reparando no príncipe que iniciou o discurso. Temerosa, virou-se e apenas selou seus lábios rapidamente. Theo queria um beijo aprofundado, mas conteve-se. Fitou Almir de volta, ansioso para tudo aquilo terminar, logo.
— Tem certeza que não vão ficar até o final? Eu posso reservar no meu palácio um quarto para vocês. — Almir retribuiu o aperto de mão ao receber parabenizações de Theo.
— Agradeço pelo convite mas não será possível. — Respondeu Theo. — Valentina e eu precisamos acertar algumas responsabilidades pessoais.
— Ah, sim. — O olhar penetrante dele fixou na figura feminina outra vez. — Que Alá me abençoe com a mesma sorte que te abençoou.
Valentina sorriu sem mostrar os dentes, notando os músculos de seu marido retesarem. Theo soltou uma risada nervosa, daquelas usadas em linguagem figurada que traduzia: "tira o olho, miserável."
— Certamente sou abençoado por isso.— Disse ele, apertando mais um pouco a cintura dela. — Valentina é minha razão de viver.
Almir arqueou a sobrancelha, capturando no "ar" a provocação clara do homem. Ele o estava alertando para parar de cobiçá-la.
— Meus parabéns pelo novo projeto inaugurado. — Interveio Valentina para dissipar a tensão. — Fico feliz por ter firmado várias parcerias.
— Estou lisonjeado. — Exibiu o sorriso sedutor. Virou-se para o rapaz que mantinha a carranca no rosto. — Sua esposa não é igual as outras. És um homem de sorte.
— Claro que sou.
Sabendo que o bilionário estava irritado, Almir continuou conversando por pouco período de tempo até vê-los se retirarem do salão junto com Refourld e seus olhos sagazes gravarem pela última vez todos os detalhes físicos dela — deveras, ela era muito mais que um belo conjunto de curvas, pensou consigo.
"Oi, Jonas, não pude te responder antes. Depois você me manda aquelas indicações de livros no ramo da psicologia."
Ela apertou a tecla "enviar" e mandou outra mensagem para Luna. Observou Theo adormecido profundamente, reclinado na poltrona do avião. Refourld também dormia longe deles. Sua atenção voltou-se para o marido, lembrando-se de ter sido chamada: brinquedinho de estimação. Raivosa, sentiu as veias expostas no dorso das mãos. A cota de crueldade dele só aumentava. Mesmo sendo um monstro o cretino era lindo. Não iria ceder à esses pensamentos. Do quê adiantava uma bela estética e a alma podre?
Tirou os olhos dele quando o celular vibrou, iniciando uma chamada insistente. No visor, era o pai. Franzindo a testa, ficou preocupada se algo tinha acontecido com sua família.
— Pai, vocês estão bem? — Notou que Theo remexeu na poltrona, mas permaneceu de olhos fechados.
A risada dele no outro lado da linha repuxou um sorriso dos lábios dela.
— Sim, minha princesa. Estamos bem. Só liguei porque eu e sua mãe estamos com muitas saudades. Quando virá nos ver?
— Estou voltando de uma viagem, pai. Podemos marcar um almoço no domingo. O que acha?
— Perfeito, filha. Imagino como deve ser a rotina de vocês. — Suspirou profundamente. — Queria voltar no tempo para consertar meu erro. Sei que isso é clichê...mas eu realmente estou arrasado por você estar passando por isso. Pelo menos ele te trata bem?
Valentina hesitou um pouco para responder. Estava entre a cruz e o punhal — impossível relatar as frequentes agressões e abusos sofridos pelo marido.
Mordeu o lábio inferior, encontrando com um par de olhos azuis emaranhados de névoa e tempestuosidade. Quase engasga com a própria saliva. Ele sempre fazia isso quando desconfiava de algo.
— Está tudo bem, pai. — Falou ela, nervosa pelo sondar do rapaz. — Preciso descansar, mas manda um abraço para a mãe, por favor.
— Mas...
Valentina percebeu a desconfiança dele.
— Eu te ligo mais tarde, tudo bem? Eu amo você e mamãe. Abraços.
— Também te amo. — Ela encerra a ligação, desviando dos olhos de Theo.
— O que ele queria? — A voz rouca dele a fez revirar os olhos pra cima.
— Conversar. Domingo iremos almoçar na casa dele.
— Oh, sim. Meu sogro é tão atencioso. — Sorriu, irônico.
Valentina decidiu ignorá-lo, farta de tantas discussões.
— Valentina — Ele se levantou da poltrona e ocupou o assento do lado dela. A jovem respirou fundo, trincando o maxilar. — Olhe para mim.
— Por favor, Theo. Eu quero ficar em paz.
Indelicadamente, os dedos ásperos do mesmo forçaram o rosto dela para encará-lo.
— Aquele árabe mexeu com você. — Acusou, destilando fúria através do semblante rígido.
— Você está delirando. Só estou pensando nos meus pais.
— Mentiras não me convencem, garota. Conheço esses árabes. Quando encontram alguma mulher bonita oferecem dinheiro para ser esposa deles.
Refourld parecia estar no terceiro sono. Nem com o elevar da voz grossa acordou.
— E por acaso você fala verdade, Theo?— Explodiu ela. — Está me confundindo com suas meretrizes. Eu sei muito bem que você satisfaz suas vontades longe dos holofotes e coloca uma máscara diante da mídia, fingindo ser alguém que não é.
Theo semicerrou os olhos, sabendo que era tudo verdade.
— Você disse que eu era sua garantia de pagamento. Isso te coloca no mesmo patamar que esses árabes ou qualquer outro insensível. — Valentina meneou a cabeça, demonstrando tristeza através dos olhos marejados. — Por que?
— Porque sempre consigo o que quero. — Sibilou, depositando uma das mãos na altura da coxa dela. — Nem Almir e nem ninguém vai te tirar de mim.
— Deus pode. Tire as mãos de mim e me deixe em paz. — Falou, afastando-se do toque ardiloso de Theo.
— Meu brinquedinho de estimação. — Disse ele, soltando uma gargalhada diabólica.
Valentina queria chorar de raiva, e fazê-lo sentir na pele o que era o sofrimento. Começou a remoer tremores internos, relembrando da noite que a marcou para sempre. Dramaturgo tinha um dispositivo de alarme preso no relógio de pulso. Quando vibrava uma vez e despontava uma luzinha vermelha, significava que o patrão havia chegado, detectado pelo sensor do lado de fora.
Prontamente, atravessou pela porta principal para recebê-los. Surpreendeu-se ao ver Theo sussurrar alguma coisa no ouvido da mulher e ela desferir um tapa no rosto dele.
— Isso é por você me chamar de brinquedinho de estimação e me desrespeitar. — Vociferou Valentina, correndo para dentro da casa sem cumprimentar o mordomo.
Aquela cena foi presenciada apenas por Dramaturgo e o chofer. Ele irou-se — jamais havia sido tratado daquela forma na frente dos empregados.
— Senhor, você está bem? — Manifestou o chofer, espantado.
— Sim. — A face dele ainda latejava. — Dramaturgo, leve as malas.
— Sim, senhor. — O homem se moveu para o veículo, atônito pela ousadia de Valentina. Nunca presenciou tal cena de uma mulher agir assim com seu chefe. Nem a ex dele que já foi humilhada várias vezes na frente dos empregados agiu assim — ela acatava tudo e ainda dizia amar o jeito bruto dele.
Valentina trancou-se dentro do quarto de hóspedes. A primeira porta que encontrou aberta, desejou esconder-se do monstro. Seu corpo inteiro tremia, mas não se conteve de ouvir as provocações ofensivas.
Batidas raivosas na porta a fizeram arregalar os olhos.
— Se você não abrir eu vou arrombar essa merda. — Arguiu, furioso.
Ela viu a suíte do banheiro e no desespero se trancou lá.
— Você vai se arrepender por isso. — Um silêncio instaurou-se, enquanto lágrimas rolavam pelo rosto dela.
— Deus, por favor... — Sussurrou, trêmula. O click da fechadura sendo destravada fez o coração da pobre garota acelerar intensamente. Os passos pesados no cômodo provaram a presença dele no lugar.
Quando ela escutou o mesmo click na fechadura próxima, encolheu-se perto da banheira. A maçaneta girando, a madeira cedendo a passagem da temível figura assombrou-a terrivelmente.
— Você pode tentar se esconder de mim à vontade. — Sorriu, aproximando-se dela. — Mas tenho cópias de todas as chaves dos cômodos.
— Me deixe, por favor.
— Oh, querida. A brincadeira está apenas começando e eu vou assinar outra cota de punição para você, gatinha arisca.
Theo clicou no dispositivo acoplado á parede que ativava o isolamento acústico nos quatro cantos do cômodo. Agindo conforme o medo e o instinto ela travou uma luta corporal contra ele para fugir no momento, ciente que a força dele era bem superior a sua.— Quer se machucar? Eu não me importo.Ele impediu o ataque dela justamente nas partes íntimas. Viu a tempo quando o joelho dobrou-se pronto para desferir o golpe. As unhas longas arrastaram pela extensão de seu peitoral desnudo fazendo-o grunhir de dor. Jogando-a na cama, a dominou completamente, um pouco incomodado pelo desespero da mesma. Imobilizada, ela tentava afastá-lo por meio das súplicas.— Eu não gosto de agredir mulheres, Valentina. — Disse, furioso. — Mas se levantar sua mão para mim novamente eu mesmo vou quebrá-la.— Foi culpa sua! Por ter me tratado como prostituta.As íris dos olhos dele escureceram de forma instantânea. A fixa
Não se deixe vencer pelo mal mas vence o mal com o bem.Romanos 12:5Os soluços causavam espasmos por todo o corpo de Valentina. Os ombros dela balançavam incontroláveis, e o choque emocional impediu-a de encará-lo.— Responda, droga! — Alterou-se Theo, fazendo-a recuar, assustada. — Quem mandou você entrar aqui?Nenhuma palavra foi pronunciada. Bem que ela queria respondê-lo e preparar-se para outra cota de punição; porém, o sistema imunológico travou completamente. Apenas o choro ecoava pelo quarto sombrio.— Vai aprender a não ser mais enxerida. Você nunca aprende seu lugar, não é? — Rosnou ele, erguendo a mão áspera para seg
— Finalmente à sós. — O perfume enjoativo e a voz irritante preencheu os olhos de Theo. Ele mal entrara no escritório e aquela mulher já o esperava.— Vai trabalhar. — Falou, rude.— Me dispensando, Sr. Maldonaro? — Ela sorriu, levantando-se da mesa, caminhando na direção focada e passando a chave na fechadura para trancá-la.Passou as mãos pelos ombros largos do homem, retirando o terno que ele vestia. Vendo-o petrificado, de semblante rígido e carrancudo, exibiu seu corpo para atraí-lo.— Amor, aposto que sua mulher não te satisfaz como eu. — Provocou. Theo quase riu dela; Valentina ganhava em todos os aspecto
Tudo é considerado impossível, até acontecer.Nelson Mandela— Que segredo? — Valentina continuou sendo alimentada por ele. O silêncio frustrante chegava a ser um incômodo, aterrorizando o coração doentio da pobre garota.— Antes de eu te contar quero saber o porquê sua mãe veio aqui. — O tom soou meio rude no início, logo retesou diante do olhar duro dela.Ela revirou os olhos pra cima, voltando a encará-lo em seguida.— Se você acha que eu contei nosso segredinho para ela pode ficar sossegado. Afinal, é difícil para um rico parar no xilindró.— Valentina, eu não quero brigar. — Falou com uma expressão abatida no rosto. — É lógico que precisamos manter nosso acordo, mas...quero te mostrar que sou diferente, agora.— Ainda nã
— Dramaturgo, quando Valentina acordar avise que precisei atender uma emergência de negócios mas que logo voltarei. — Dirigiu-se ao mordomo na saída.— Sim, senhor.Sua consciência o perturbou — torcia para que ela não desconfiasse da mentira. Theo estacionou o veículo esportivo num ponto isolado da área isolada e abandonada, para evitar negligências. Ajeitou o terno impecável no corpo másculo, dirigindo-se mata adentro.Seus parceiros haviam encontrado o cara perambulando num beco escuro próximo a taberna mais espelunca do bairro. Felipe já havia verificado antes se o local dispunha câmeras de seguranças — pelo nível do lugar nem vigilância existia. Usando o comumente golpe na altura do estômago para desmaiá-lo, logo o jogaram dentro do veículo atentos ás todos
O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! Lucas 18:13Valentina estranhou o mal-estar que sentiu naquele dia. Era difícil para ela adoecer, da infância á fase atual o máximo que havia sido acometida foi uma gripe. Já era a terceira vez que sentia aquela ânsia de vômito. Quando uma possibilidade passou por sua cabeça ela empalideceu. Correu para pegar a cartela de anticoncepcional guardada na caixinha de madeira contando quantos comprimidos faltavam.Franziu o cenho, tentando recordar em qual momento pôde ter falhado no uso diário. Se tomasse fora de hora o efeito seria nulo — o medo cresceu dentro dela. No dia em que acordou na cama do hotel em Canadá ela não tomou dentro do horário estipulado. Imóvel, ela ficou pensando se cancelaria o almoço na casa dos pais,
Se não queres que ninguém saiba, não o faças. Provérbio ChinêsValentina piscou várias vezes, incrédula pela ameaça que recebera. A vontade de rasgar o papel aumentou, mas preferiu guardar, poderia ser útil posteriormente. Deixou a carta debaixo do travesseiro, ainda prolongando as perguntas que se formavam na mente. Quem seria essa pessoa que afirmava conhecê
Dulce preparou mais um de seus banquetes pela manhã. O aroma penetrava em cada fresta nos cômodos da mansão. Valentina havia despertado mais cedo para realizar seu devocional. Depois do clima tenso da noite anterior ela perdeu boa parte do sono.Olhou para Theo que ainda dormia, surpresa por vê-lo já que o mesmo acordava assim que o sol despontava no horizonte. Alguns fios lisos estavam caídos na testa e os músculos delineados acompanhavam o ritmo da respiração, movendo-se lentamente. Por um momento ela repensou sobre as coisas que ele disse.A mudança dele era agradável, porém, muito suspeito. Como alguém mudaria bruscamente e além disso, manteria a calma diante de tantos desaforos? E por qual motivo ele era chamado de monstro do lado Ness? Sacudindo a cabeça para dispersar tais questionamentos, Valentina reparou que os pedaços de papel rasgados por Theo foram jogados no lixo."Deve ter sido ele." Concluiu, indo para o banhe