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Capítulo Três

Nem sempre o silêncio é o sinônimo de paz.

Priscila K.

Valentina mal podia acreditar nas palavras que ele proferiu. Os batimentos cardíacos provocaram uma leve fisgada nos órgãos internos à medida que fitava aquele par de olhos penetrantes.

Conseguiu escorar-se na parede fria de mármore e antes que ousasse pensar em correr, fortes braços bloquearam a passagem, deixando-a em estado de desespero.

— Por favor, não faça isso, Theo. — Implorou, debatendo-se em vão.

— Agora, repita novamente o que você disse dentro do avião. — Com uma das mãos, ele serpenteava o corpo voluptuoso dela, apreciando a textura do pano do vestido junto á pele.

Valentina parou de esmurrar o peitoral musculoso, sentindo-se esgotada. Ele era mais forte e mesmo que gritasse, ninguém a viria socorrer.

— Eu...disse algumas verdades. — Respirou fundo.

Theo sorriu de lado vendo que ela não possuía mais resistência. Direcionou um olhar analítico em direção a cama de casal coberta por lençóis persianeses e voltou a fixar os olhos nela.

— Então, eu vou refrescar sua memória. — Sibilou, conduzindo-a para o lugar aonde desejava saciar seus deleites.

Como se despertasse diante de um estalo ensurdecedor, Valentina compreendeu para onde estava sendo arrastada. A trilha de beijos ardentes que Theo percorria por toda a extensão do pescoço, quase a paralisa por completo. De novo aquelas sensações temíveis. Frio na barriga. Borboletas no estômago. Agora, pernas bambas. Compreendia a consequência de tal ato. Ele queria somente o prazer, mas ela fez a promessa de se entregar somente se houvesse sentimentos mútuos.

Theo sorria internamente, convencido de que cumpriria a consumação do matrimônio naquela noite. Podia sentí-la frágil nos seus braços e era isso que ele pretendia causar. No seu pensamento, ela seria apenas mais uma de interminável lista. Antes de deitá-la na cama, Theo afastou uma das mãos para desabotoar os botões da camisa, e aquilo foi o impasse para Valentina agir. Reunindo todas as forças, ela ergueu um dos joelhos e acertou-lhe dolorosamente nas partes íntimas.

Theo se dobrou no chão tamanho choque excruciante com a dor e a cor se esvaiu do rosto.

— Sua...Ah! — Ele ficou imóvel, contorcendo-se de raiva e pavor. — Por quê fez isso?

— Não sou um brinquedinho para você usar bem quando quiser. — Contestou nervosa.

Afastou-se dele, pegando a bolsa misturada com as maletas. Ao vê-lo se levantar do chão com certa dificuldade, apanhou o spray de pimenta e esperou qual seria a reação seguinte.

— Você me paga, sua selvagem. — Rosnou, ameaçando avançar na direção dela.

— Nem mais um passo, senão...

— Senão o quê, vadia?

Valentina sentiu o peso da ofensa, e esqueceu a compostura. No quesito temperamento assemelhava-se á Clarice, embora esta fosse mais impulsiva. Às vezes, conseguia controlar, mas ser chamada daquilo passou dos limites.

— Do que você me chamou? — Valentina avançou na sua direção, enquanto ele borbulhava de fúria. Não se atentou para o objeto na mão dela; estava alterado ao excesso. A região atingida ainda difundia a dor lancinante.

— Você pode até fingir ser uma santa, garota. Mas vai se revelar como todas as outras parecendo cadelas no cio.

 

Sem pensar muito, ela alvejou os olhos dele com todo o conteúdo de pimenta na lata de spray.

— Ai, meus olhos. — Berrou, rangendo os dentes, sentindo o gosto aquém do picante no paladar. Começou a tossir enquanto tateava as paredes e móveis á sua frente.

— Isso é para você aprender a me respeitar. Tudo o que eu pedi foi respeito quanto á minha pessoa.

— Você me paga, selvagem.

— Algum dia você vai se arrepender amargamente de sua crueldade. — Avisou, magoada. — Vou dormir em outro lugar.

— Já foi tarde. — Ele se dirigiu às cegas para o banheiro e fechou a porta atrás de si.

As lágrimas banhavam o rosto de Valentina. Não queria que a noite terminasse assim. Esperava, pelo menos uma conversa pacífica, embora, conturbada por se alfinetarem o tempo inteiro. Mas, não conhecia o idioma estrangeiro. Dormiria no corredor do hotel?

"Lógico que não, sua tonta. Eles jamais permitiriam isso." Pensou, angustiada.

Mesmo assim, saiu do quarto "imperial" e andou, perdida pelos corredores. Estancou os pés no chão ao avistar a pessoa que jamais imaginaria reencontrar. Porém, estava acompanhado por uma mulher alta e loira. Ambos riam de alguma coisa juntos, e Valentina achou aquela cena linda. Realmente, formavam um belo casal — o antônimo dela.

— Valentina. — Ela havia virado as costas para voltar quando escutou a voz dele a chamando.

— Ah, oi, Jonas. — Disse, sem graça. — Que coincidência te encontrar aqui.

— É Cristoscidência. — Corrigiu, rindo.

Valentina divagou em meio aos questionamentos.

— Você...também, é cristão?

— Sou. Embora, eu esteja sempre á buscar a perfeição em Cristo.

— Eu também. — Ela retribuiu o sorriso, olhando para a loira ao lado que assistia em silêncio.

— Ah, essa é minha irmã Luna. Acabamos de voltar da igreja. — Referiu-se à moça. — E Luna, essa é a Valentina.

A loira estendeu a mão, simpática. A jovem retribuiu o cumprimento, sentindo-se aliviada por ter conhecido mais alguém.

— Então, você veio sozinha? — Questionou Luna, desconfiada do semblante abatido estampado no rosto.

— Ah, não, eu...vim com...

— O marido dela. — Completou Jonas, percebendo a tensão de Valentina. — Vocês...uh...estão brigados?

Ela exalou o ar preso nos pulmões, cruzando os braços acuada como um animal indefeso buscando proteção.

— Desculpe pela intromissão, Valentina.  — Suspirou ele, encolhendo os ombros— Eu só...

— Tudo bem. — Disse, impedindo ele de continuar a falar. — Estamos só com alguns problemas...eu...vou escolher outro quarto para dormir.

Um silêncio instaurou-se sobre eles. Os olhares examinadores a perturbaram. Logo, após, os dois se entreolharam como se tramassem algo entre si.

— Olha...se você quiser, pode dormir na nossa suíte. Ficaremos aqui apenas três dias e depois voltaremos para nossa cidade. —  Ofereceu Luna, animada. — Jonas vai ficar no divã e eu e você dividimos a cama.

Valentina arqueou uma das sobrancelhas, pensativa. A vantagem seria de não precisar causar certo transtorno no meio da noite — por outro lado, se incomodaria caso, estivesse atrapalhando-lhes.

— Eu não quero atrapalhar vocês...

— Você não vai atrapalhar. —  Disseram Luna e Jonas em uníssono.

— E me parece que você não jantou, ainda. — Observou Luna, segurando na mão dela. — Vamos lá. Assim, iremos nos conhecer melhor.

— Tudo bem. — Valentina acabou cedendo e acompanhando eles para a suíte. — Pensei que morassem no Brasil.

— Ah, não. — Explicou Jonas. — Eu estava visitando nossa mãe em São Paulo, aproveitando que tirei férias.

— Entendi.

— Jonas e eu moramos juntos. — Completou Luna. — Ele veio pra cá primeiro, e como sempre quis ser escritora, concluí a faculdade no Brasil e me especializei no inglês. Graças a Deus aqui você encontra muita oportunidade e projetos para desenvolver.

— Isso é ótimo, Luna. Eu ainda não sei falar inglês mas pretendo aprender.

— Quem sabe você não venha morar com a gente. — Brincou Jonas, embora a seriedade na expressão foi proposital para irritar sua irmã.

— Não seja talarico, Jonas. — Ela ignorou as risadas dele, se voltando para a nova conhecida. — Realmente você pode vir se quiser. Só vai ter que tolerar as palhaçadas do meu irmão.

Do outro lado do corredor, os punhos dele arremedavam ao aço envergado. As veias poderiam saltar para fora de tanto apertar as mãos contra a palma. As mandíbulas se contraíram rigidamente. Ele não gostou nada de ter sido deixado sozinho.

....

Valentina esqueceu-se por um momento do ocorrido diante de tanta conversa e brincadeira com os novos conhecidos. Sentia-se bem melhor, longe de brigas e confusões. Embora, estivesse sorrindo, aquele aperto no coração retornou, aguçando a audição numa perfeita e ajustável sintonia mediante ao desvio do assunto.

— Valentina, eu sei que não é da minha conta a sua vida...conjugal. — Expressou Luna, um tanto receosa. — Mas, por acaso seu marido te...bate?

Ela esbugalhou os olhos, quase se engasgando com o suco de maracujá.

— Oh, não. — Negou, reparando no olhar fixo de Jonas sobre si. — Isso, nunca. Nós só tivemos um desentendimento.

— Não me surpreenderia se o bilionário Theo Maldonaro te agredisse. — Sibilou ele, cerrando os punhos por baixo da mesa. Os resquícios contidos no tom de voz, indicou indignação e desejo de proteção. 

— Pera aí — A voz de Luna soou histérica. — Você é casada com Theo Maldonaro?

— Sim — Ela deu de ombros, demonstrando desinteresse pela pessoa referida.

Valentina imaginou o futuro diferente do que lhe sucedera. As cenas criadas pelos pensamentos tão sonhadores tornaram-se borrões, deixando um gosto amargo em suas expectativas quebradas.

— Olha, eu nem sei como dizer isso, Valentina. — Interveio Luna, dissipando o silêncio constrangedor. — Mesmo que seja difícil lidar com ele...espere no tempo de Deus. Ele nunca falhou e não será agora que irá falhar. Às vezes, embora estejamos certos, precisamos ficar em silêncio e nunca revidar na mesma moeda.

Aquelas palavras fizeram Valentina ruminar profusamente. Era exatamente o que precisava ouvir para acalentar o coração aflito e conturbado. As batalhas se vencem na oração e com muita perseverança. Existem vários exemplos disso, contidos na bíblia sagrada. Ana, sendo estéril, orou constantemente mesmo suportando as provocações de Penina que possuía filhos. Mas no tempo favorável, ela concebeu um menino que mais tarde viria a ser profeta de Israel. A resposta divina se revela na ocasião certa e nisto, não sucede erros.

— Aprenda filho! A vida nunca facilitará as fases para você. — O homem esguio acariciava o couro cabeludo liso e volumoso do menino. Eram a melhor companhia um do outro desde a morte da adjutora do lar...bem, a criança o desconsiderava bom. O que presenciou naquele dia silenciou quaisquer interação social; de extrovertido tornou-se introvertido. Os conselhos transmitidos para o cérebro infantil, perpetuavam cada palavra na memória e coração. Uma criança envolta no mundo sombrio e coberto de maldade, despertava o lado curioso de querer desencobrir o encoberto e descobrir a verdade sem máscaras.

— Venha, Theo. — A grande mão estendida, convidava-lhe para explorar os segredos daquela velha casa de madeira. Distava-se quilômetros afora da cidade e ele nunca compreendeu qual a finalidade de um trabalho rural.

A ausência do pai o oprimia ao pensamento de fuga daquele ardil sofrimento. Não podia contestar — prova disso, eram as marcas de chibatadas cicatrizadas nas costas. A figura paternal explicava que o motivo era para o bem. Pudera! A criança estranhava tamanha crueldade, mas foi ensinado a ser impiedoso e sanguíneo para sobreviver, agindo quando fosse necessário e não perdoar ninguém.

— Papai. — os pequenos olhos do menino se encheram de lágrimas ao ver no interior da casa, um homem nu e pendurado em grossas correntes de aço de cabeça pra baixo. O sangue jorrava do estômago entreaberto pelo corte de bisturi.

Três brutamontes sorriram ao vê-los entrar. Theo conhecia muito bem o sexto mandamento* que dizia: não matarás. Sua mãe sempre o ensinou sobre os preceitos de Deus, contrariando a vontade do marido.

— Preste atenção, filho. — O homem empurrou o menino para perto dos outros três. — Quando alguém te prejudica, você revida de outra maneira.

— Mas isso é errado, papai. — O impacto no rosto o derrubou no chão. Ele se encolheu, trêmulo e chorando.

— Ainda, ousa me contestar, Theo? De punição, hoje, serão mais vinte chibatadas.

A criança arregalou os olhos, balançando a cabeça, freneticamente.

— Não, papai, por favor. Me desculpe.

A expressão irada, estampou a cor vermelha escarlate desde as íris dos olhos até a pele pálida. Theo o viu como um demônio soltando fogo pelas ventas. Relutou ante o toque frio e brutal no braço arroxeado pela queda.

— Você é teimoso igual sua mãe, garotinho. Vou te moldar para suceder meu legado.

— Me deixa em paz! Não!

— Eu vou te matar, desgraçado! — Theo acordou num sobressalto, olhando para os lados e pronto para desferir um golpe quem estivesse à sua frente. Respirou fundo, aliviado por se ver inteiro.

As lembranças penetravam nos sonhos, perturbando-o cada vez mais. Acendeu a luz do abajur, e com certa dificuldade, levantou-se da cama. Esfregou os olhos, paralisado quando fixou o olhar no divã. Ela dormia serenamente, enquanto segurava a bíblia aberta no colo. Theo relembrou da briga que tiveram e admitiu que a jovem era astuta. De tantos lugares frequentados e conhecendo muitas mulheres, Valentina era a primeira que o fazia literalmente se dobrar de admiração.

Óbvio, estava acostumado com garotas oferecidas; preferiam vender o próprio corpo por uma noite de prazer do quê se valorizarem. Com todo o cuidado, ele pegou o cobertor reserva, guardado dentro do closet e cobriu a garota, retirando primeiro a bíblia do seu colo. Respirou fundo, petrificado; se viu tentado em acariciar a pele macia e aveludada.

"Droga! Mil vezes, droga."  Pensou, travando uma disputa ferrenha contra o consciência.

Mas, então, porquê a presença dela o desarmava? Porquê a sensação de culpa insistia em lhe visitar?

— Besteira. — Riu consigo mesmo.

Pensava no melhor jeito de não se render aos encantos da esposa de fachada. Decidiu afastar-se e planejar o dia que despontava no horizonte.

Valentina espreguiçou-se, bocejando em seguida. Olhou para si, franzindo a testa sabendo que não pegara nenhum cobertor na noite passada. Após os conselhos de Luna, ela pretendia conversar com Theo de maneira tranquila, mas o viu dormindo na cama e optou pelo divã espaçoso.

Ficou estática só de imaginá-lo a cobrindo com o cobertor. Seria peso na consciência ou uma forma de pedir desculpas? Olhou para a mesinha ao lado aonde estava sua bíblia aberta na mesma passagem que lera. Abandonando o confortável descanso, sentiu fome.

— Vejo que dormiu bem. — A figura  medonha materializou do lado do banheiro. Valentina pulou para trás no susto.

— Quase me mata do coração. — Bufou, irritada.

Theo apenas sorriu de lado, fechando o último botão da camisa.

— O café da manhã vai chegar daqui a pouco. Depois disso, iremos conhecer a cidade.

Ela juntou as sobrancelhas, desconfiada da placidez sem agitação alguma.

— Que bicho te mordeu á noite, Theo?

— Um bem selvagem. De duas patas e sagaz. — Falou num tom debochado.

— Bobo! Eu não sou um bicho. — Inevitavelmente um sorriso surgiu no canto dos lábios dela. — Obrigada por você ter pêgo um cobertor pra mim.

Theo nada disse. Permaneceu fitando a morena, hipnotizado.

— Ei...não me olhe assim! — Protestou ela, interpretando o silêncio dele como uma acusação pela sua ausência de horas atrás. — Eu reencontrei o Jonas e conheci a irmã dele. Fui convidada para jantar e dormir lá mas, eu voltei após a refeição.

Ele mordeu a bochecha interna, recompondo a sanidade. Forçou um sorriso amarelo, se dirigindo à porta quando batidas foram ouvidas.

— Temos meia-hora, querida. — Informou, trazendo o carrinho com três bandejas prateadas cheio de guloseimas. — Você pode escolher no guia informativo as principais atrações.

Valentina enroscou as mãos entre o braço estendido de Theo ao chegarem nas ruas canadenses, presenciando a exuberância refletida no estilo de vida das pessoas. Sua empolgação depois de ter visitado um museu e parque reacendeu o êxtase de conhecer mais pontos turísticos. As horas haviam passado muito rápido e pelo desgaste de energia ela sentiu mais fome que o marido.

Escolheram um restaurante por perto. O anseio de provar da culinária canadense  fazia Valentina suspirar e não reparar o que acontecia ao seu redor. À medida que andavam, ele contraía as mandíbulas diante dos olhares cobiçosos para sua esposa. Se pudesse, a tornaria invisível para mais ninguém vê-la. Instintivamente, analisou a roupa dela; estava vestida normalmente, nada chamativo numa expressão dita: vulgar. Mesmo assim, ela parecia um imã, prendendo e hipnotizando o que estivesse à sua frente.

Outra vez, o sentimento de posse a despertou num salto quando sentiu os lábios de Theo lhe beijarem a nuca. Ele queria que os homens percebessem a indisponibilidade de desejarem possuí-la.

— Por que fez isso? — Questionou Valentina ao chegarem no restaurante menos movimentado.

— Está chamando atenção demais, querida. — Respondeu, insatisfeito. Num gesto de cavalheirismo, puxou a cadeira para ela.

— Nossa, obrigada. Se você fosse sempre assim, certamente eu já teria me apaixonado.

Embora, o comentário destilasse brincadeira e sarcasmo, o coração dele palpitou forte, e, por um instante, Theo imaginou sendo diferente com ela; os dois constituindo uma família e tendo boas recordações como qualquer outro casal apaixonado. Mas seu subconsciente o alertou. Eles jamais poderiam ultrapassar o contrato e a razão disso, o prendia em sua perspectiva distorcida pelo qual foi moldado a ser.

Um garçom se aproximou da mesa, estendendo o cardápio para os dois — encarou Valentina descaradamente sem ela perceber.

— If you do not want to lose your teeth, you better stop flirting with my wife. ( Se você não quiser perder os dentes, é melhor parar de paquerar minha mulher. ) — Avisou, cerrando os punhos. Mesmo não entendendo o idioma, Valentina percebeu a reação dele. Imediatamente segurou nas mãos ásperas e enrijecidas, tentando contê-lo.

— Sorry, sir. ( Desculpe, senhor.) O descarado do garçom sorriu encarando Valentina novamente.

— Your ... ( Seu... )

— Theo, quero esse aqui com a foto de pescados. Deve ser muito bom. — Ela apontou o menu para dissipar o clima. As pessoas do restaurante já estavam atentas á pequena discussão que se desenrolou.

Ele assentiu, ainda carrancudo. Fez o pedido fulminando o funcionário na força do ódio.

— As pessoas estão encarando. — Comentou Valentina, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— Ninguém mandou ele te paquerar. — Casualmente deu de ombros.

— Era só ignorar. Você não pode sair agredindo as pessoas só porquê te provocam.

— No seu mundinho te ensinaram assim. No meu, eu coloco a pessoa no seu devido lugar.

Ela arqueou a sobrancelha esboçando a expressão pacífica no rosto.

— Theo, sei que no fundo você não acredita assim.

A sombra da linha do sorriso cruel repuxou os lábios de forma unilateral enquanto a estudava simetricamente.

— Doce Val...sua ilusão me incentiva a te provar exatamente o contrário.

— Diz o tolo em seu coração: "não há Deus." Então, a ruína sobrevém quando se menos espera.

Em silêncio ele continuou a mirá-la, no entanto, a sombra do sorriso tornou-se uma linha rígida junto pelo súbito vinco no cenho que logo desapareceu.

Ela acreditava em algo que ele já acreditou algum dia. Antes de ser contaminado. Amoldado. Conformado. Afinal, o mundo é injusto, certo? Ou você cata os estilhaços no final ou transforma-os em facas para cortar. Mas por quê ela, apesar de iludida prendia tanto sua atenção? Por fazê-lo recordar vagamente dos dias de glória ou ela inteira o atraía?

Logo, os pedidos chegaram. Valentina agradeceu em pensamento pela comida antes de saborear. Sorrindo, encarou Theo que permanecia estático. Encontrar aquele olhar penetrante indecifrável...não sabia explicar se aquilo acontecia somente com ela ou se ele pelo menos sentia uma fração da corrente magnética emocional percorrendo pelo corpo inteiro e acelerando os batimentos cardíacos.

Valentina desfez do contato visual, envergonhada por vê-lo tão paralisado á sua frente.

— Está uma delícia. — Garantiu ela.

Theo respirou fundo, assustado pelo efeito que ela lhe causava. No seu íntimo, existia desejo de mudar e ser sensível, mas, como a névoa, esse sentimento passava, pois, ele desacreditava na própria mudança. Conseguia se convencer facilmente por conta dos atos cometidos. Contudo, ás vezes, ficava confuso e dividido com as frequentes brigas da razão e emoção. E o motivo era relativo àquela garota.

.... 

— Valentina! — Estavam prestes a entrarem na suíte quando uma voz conhecida a chamou. Theo revirou os olhos pra cima, reconhecendo a figura do sr. perfeição ao lado de uma loira sorridente.

— Olá, Luna. — Disse a jovem, em seguida, acenou para Jonas. — Estão de saída?

— Estamos indo para a cafeteria Tim Hortons. — Informou Jonas, sustentando o olhar ameaçador de Theo.

— Ah, que bom. — Valentina percebeu o semblante rígido do marido. — Esse é Theo, meu esposo. E Theo, essa é Luna, a irmã de Jonas.

Luna acenou com a cabeça, utilizando o sorriso cortês.

— Entendi. —  Curto e grosso Theo não esboçou nenhuma reação diferente. —Se não se importam eu e minha mulher temos negócios a tratar.

Ele fez questão de enfatizar a palavra "mulher" e olhando bem nos olhos de Jonas.

— Valentina, se você quiser ir no culto á noite com a gente é só me chamar até ás dezoito horas. — Luna ignorou a grosseria do rapaz e continuou a conversar.

— Você também está convidado. — Manifestou Jonas direcionando a palavra ao rapaz.

Antes que Theo formulasse resposta, Valentina adiantou-se.

— Avisarei, sim.

— Tchau, Valentina. — Ela despediu-se e virou as costas.

— Tchau, Val. — Jonas sorriu e seguiu a irmã.

Theo bufou, contendo a vontade de esmurrar o psicólogo engomadinho.

— Val. — Repetiu, encaminhando para a cozinha. — Desde quando permitiu essa intimidade toda?

— Pare com isso. — Ela fechou a porta, cansada do jeito possessivo dele. — Vamos assistir algum filme e comer pizza?

Theo desviou os olhos das guloseimas abarrotadas dentro da geladeira e franziu a testa.

— Eu queria fazer outra coisa! — Exprimiu, insinuando a atenção para o corpo dela. Valentina enrubesceu completamente, transparecendo indignação e vergonha.

— Você só sabe pensar nisso? Pelo amor de Deus.

Ele acompanhou o movimento das curvas torneadas e volumosas quando ela virou as costas e saiu. Sorriu, apreciando a postura de durona dela. Pegou o celular do bolso da calça e discou o número da recepção, pedindo a massa gordurosa que a mulher tanto queria comer. Aproveitou para escolher o sabor do refrigerante no freezer, enquanto atendeu uma ligação restrita. Franziu os lábios, sentindo as mandíbulas doerem. Nem avisando-os que estaria numa viagem de lua-de-mel e que não deveriam contatá-lo, eles não o escutaram.

— Eu falei para não me ligar enquanto estivesse de viagem. — Sibilou, esgueirando-se no umbral da porta para verificar se Valentina estava por perto. Pra sua sorte, ela ainda escolhia algum filme no canal Netflix da televisão.

— Você vai gostar de ouvir isso. — A voz era de Rafael do outro lado da linha. — Lembra que você alega nunca ter visto o corpo de sua mãe mesmo depois...daquilo?

— Lembro.

— Talvez...ela esteja viva.

— Baseado em quê?

— Posso estar enganado mas eu e Felipe dirigimos até aquele cemitério abandonado para livrarmos o corpo de Aroldo.

— Sei, o tira corrupto.

— Acredite ou não...mas vimos por breves segundos uma pessoa que se parece com sua mãe. Mesmo com o rosto deformado.

Theo engoliu em seco, fechando os olhos tentando espairecer as lembranças.

—  Deformado? Minha mãe não estava assim quando a vi morta...supostamente.

— Fomos atrás dela para conferir mas ela havia desaparecido. Deve ter se escondido em algum ponto cego. Avisaremos, caso encontrarmos algo.

— Okay. Depois você me fala mais.

Theo rangeu os dentes. Se a mulher vista por eles fosse realmente sua mãe, ele precisava descobrir o mais rápido possível. Nesse momento, batidas na porta ecoaram pelo ambiente. Atendeu o chamado antes de Valentina surgir.

— Hum...estou até com água na boca. - Os olhos de Valentina brilharam ao sentir o cheiro delicioso da massa envolver as narinas. Quando viu Theo se aproximar com a caixa em mãos, estalou um beijo na bochecha dele no impulso. — Obrigada. Estou mesmo com muita fome.

— Estou vendo. — Murmurou, deixando a comida para ela. — Vou buscar o refrigerante.

Theo parou no limiar da porta quando uma nova mensagem bipou no celular. Suspirou, lendo o conteúdo com uma crescente irritação aflorando á pele.

"Oi, amor. Estou com saudades de você. Quando vai voltar?"

— Theo, o que significa isso?

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