Capítulo 2

POV CEDRIC

Cedric Bellini não estava tendo um bom dia. Mas sendo sincero consigo mesmo, nenhum dos seus dias  no “Centro de reabilitação Boa Esperança” era um bom dia. Na verdade eram todos como o inferno na terra, ao contrário do que o nome sugere. 

Pra começar, ele era um alfa. Ou ele tinha sido há muito tempo atrás. Um alfa em uma situação como essa não é algo que se vê todo dia. 

Aqui não era e nem nunca seria  lugar para alguém como ele, apesar de não ser o único da sua espécie aqui  dentro. Se você tem dinheiro e inimigos, no final é aqui que todos vão parar. Era bem  mais fácil ser trancado aqui dentro esquecido e largado do que qualquer outra coisa. Você nem precisa ter feito nada de muito errado. Só basta  ter um inimigo, esperto o suficiente para armar contra você e pronto, você conseguiria um ingresso só de ida pra essa academia de loucos. 

Sendo um alfa de sangue quente 24 horas por dia, sem nada pra fazer a não ser aceitar a vida na qual foi submetido. Bom, “aceitar”. Pois isso não significava que ele só iria ficar sentado e nunca mais fazer nada na vida. 

Sentia muita falta  da liberdade, mas  também sabia que não merecia mais ela desde muito tempo.Não se achava mais digno,  Então se torturava o quanto podia com isso.

Se manter na coleira, trancado como um cachorro, sem reclamar nem fazer nada a respeito. Ele sentia merecer todo e qualquer castigo que venha como consequência do seu passado. 

Nos dias em que a raiva é demais pra aguentar, como uma maldição que veio junto com seu lobo, quando se mete em brigas e soca a cara de alguém, é sabendo que vai receber de volta, e ele quase nunca revidou uma segunda vez. A não ser, é claro, que a pessoa faça por merecer. 

Não era nem um pouco difícil tirá-lo do sério.

E por isso que mais uma vez acaba  sendo levado para o que eles gostam de chamar aqui de “castigo”. Só por ter socado a cara de um dos enfermeiros depois de ele arrastar uma das pacientes que não queria sair do quarto porta afora.  Injustiças com certeza estavam na lista de coisas que o tirava do sério. 

É assim que eles tratavam todos aqui, como animais. O problema é que alguns realmente são como animais, dizendo por ele  mesmo. Devia fazer tanto tempo que não falava com ninguém desde que foi trancado aqui. Não fazia questão de ver pessoas, e o local ser bem  exclusivo e quase vazio de pacientes, se você considerar seu tamanho, era só um fato que facilitava todo o resto.  Ele não precisava falar, não precisava fazer o mínimo esforço para parecer humano. 

Ele poderia esquecer do som da sua própria voz que não faria diferença.

É como se  voluntariamente estivesse desgastado toda a humanidade que um dia  já teve, bem aos poucos sem que perceba. Apenas esquecendo dela e se entregando a uma fera interior que só age por seus instintos. Mesmo que não precise muito deles aqui dentro.  Por isso ultimamente vive mais trancado do que solto, realmente como um maldito animal. 

Há dois enfermeiros agora, escoltando ele  por cada braço para o lugar onde seria  casa nos próximos dias. Um lugar em que está acostumado a frequentar desde as pequenas confusões até olhar feio para os superiores. No começo, quando só ficava na dele e de vez em quando escorregava, eles não o mandavam para lá. Agora é diferente, ele é problema e vem dando muita dor de cabeça.

Ninguém aqui dentro gosta de dor de cabeça, então o que você faz? Guarda tudo na gaveta, bem fechada. 

Mas diferente das outras vezes, sons altos que ecoam pelo corredor chamam sua atenção.

Ele estava  bem longe da confusão que estava  acontecendo no corredor logo atrás, e como estava indo pra direção oposta,não conseguiu ver nada,  apenas ouvir os gritos vindos da sala de uma das referências, que é como chamam os médicos e terapeutas responsáveis por pacientes de forma individual. São eles que pensam nos  tratamentos e são os responsáveis por piorar a  estadia de todos aqui o máximo possível, apesar de insistirem que é ao contrário. 

-PRO INFERNO TUDO ISSO! VOCÊ PARA O INFERNO, MINHA TIA PRO INFERNO, VOCÊS TODOS PRA MERDA DO INFERNO! FIQUE SABENDO QUE EU NÃO ESTOU FORA DAS MINHAS MALDITAS FACULDADES MENTAIS SEUS DESGRAÇADOS.. EU ESTOU EM MINHAS PLENAS CAPACIDADES E CAPAZ DE FALAR POR MIM MESMA. ESSA VÍBORA ARMOU PRA MIM, VOCÊS DOIS ARMARAM QUE EU SEI,  COM LAUDOS FALSOS E TUDO MAIS QUE PODIAM ARRANJAR. E FOI SÓ EU ME DESCONTROLAR UM POUQUINHO EMOCIONALMENTE, EU DAR UMA DESLIZADA E PRONTO. JOGADA AQUI DENTRO PARA APODRECER COMO UM PEDAÇO DE LIXO, ENQUANTO ELA DANÇA E SAMBA POR AÍ COM O DINHEIRO DO MEU FALECIDO PAI..

Quando ele ouvisse, os cantos de sua boca começaram a se levantar quase sozinhos e automaticamente com a diversão. É estranho sentir graça de alguma coisa de forma tão espontânea aqui dentro. Não que ele tenha chamado  a raiva e amargura desse discurso  engraçados, pelo contrário. Um desconforto também lhe subiu à garganta quando ouviu  essa voz de  uma forma que não sabia explicar o motivo. Talvez seja empatia? Mas seria estranho sentir isso por alguém desconhecido. De toda forma, não conseguiu evitar o sentimento de que, seja lá com quem essa mulher estivesse gritando, ele mereceu muito, e ele desejou poder ser uma mosquinha pra entrar dentro daquela sala e ver o que estava acontecendo. 

 Ele não deveria conseguir entender o que ela disse a essa distância, mas a sua  audição um pouco melhor do que a maioria das pessoas ou de outros lobos era uma de suas  aliadas, e ele  também ouviu quando ela manda seu terapeuta enfiar o castigo no rabo. 

Depois disso, veio uma cascata, e seu sorriso se transformou em risadas, que ele tentou disfarçar e engolir de volta. Os dois enfermeiros putos começam a empurrá-lo  pra eu andar mais uma vez. Nunca tem nada de interessante acontecendo  aqui dentro, então é sempre um espetáculo quando tem alguém que faz as coisas esquentarem. Ninguém aqui dentro responderia nada com um fogo como esse. A maioria das pessoas só escolhem desistir, se entregar e dançar conforme a música. Ele  não vê o rosto da mulher que falou aquelas coisas, nem vê ela sendo arrastada aos gritos e chutes para fora da sala, apesar de querer muito, de uma forma até estranha.

Mas com isso, chega também a forte sensação de que as coisas estão prestes a ficar muito interessantes por aqui, e sua torcida é  para que os dois possam se esbarrar, seja lá quem ela seja.  

Depois disso, ele é  apenas levado para o seu quarto particular, sem portas e janelas, como um grande e branco armário de limpeza. Por algum motivo, não esquece o que aconteceu nesse dia mais cedo.

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