Capítulo 3

POV ODETTE 

E pronto, depois disso acho que já dá pra imaginar o que aconteceu, não é? O homem berrou e berrou, e de repente tinha enfermeiros me arrastando pelo corredor. É óbvio que eu me debati, o máximo que pude, afinal, mesmo que eu soubesse que eles não me soltariam assim, não podia deixar ser levada tão facilmente. Questão de orgulho.

 Mas quando eu fui trancada naquele quarto branco que seria minhas acomodações pelos próximos  não sei quanto tempo, não pude deixar de pensar que valeu a pena quando vi a cara de espanto do homem e seu rosto ficando cada vez mais vermelho, como se ele fosse explodir em milhares de pedacinhos depois de ter sido irritado. 

Mas depois disso, tudo foi só ladeira abaixo. Eu podia listar a quantidade significativa de coisas que eu passei as últimas semanas tentando evitar e que simplesmente aconteceram praticamente fora do meu controle. 

Minha Tia havia me internado em um hospital psiquiátrico. Pra que? Ora, ficar com a droga do dinheiro que eu tenho de herança desde os meus 18 anos. Acontece que ser considerada como “incapaz mentalmente” torna ela a minha responsável legal e responsável pelo meu patrimônio financeiro. Acontece que quando eu tinha menos de 18 não era interessante pra ela ser minha responsável  legal (coisa que ela foi bem porcamente, mas foi) e agora de repente se tornou interessante.  Não foi difícil forjar laudos. Até porque eu admito que alguns já existiam. Eu tenho os meus problemas, tá bem? Eu tenho meus diagnósticos, mas não sou nem nunca fui um perigo pra ninguém e nem muito pra mim mesma…na maioria das vezes. Mas então, veio pra ela o que ela mais esperava: um grande surto meu, quando eu botei tudo a perder e ela finalmente conseguiu que um juiz a ouvisse, e também lesse todas as provas fajutas dela. Foi só uma vez, e pronto! Enfiada aqui nessa merda, com o “melhor tratamento que o dinheiro pode me pagar.”. Me trouxeram de ambulância, me tiraram  meus cadarços e  até mesmo minhas xuxinhas de cabelo, mas pelo menos eu consegui trazer algumas roupas. 

E agora, haviam me colocado de castigo, pelo visto. 

Aparentemente esse castigo era: Eu vou ficar trancada nesse quarto, que tem grades nas janelas por sei lá quanto tempo. Vou comer aqui, ser forçada a tomar remédios aqui, tomar meus banhos aqui em um banheiro minúsculo e é isso. Até eles decidirem que eu “mereço” sair e “aproveitar os benefícios desta bela instituição”. Isso tudo pra mim é uma grande palhaçada. Não tenho vontade alguma de sair ou socializar com ninguém daqui, sério mesmo. Deixaram PELO MENOS eu entrar com alguns livros, papel, caneta e uma bolinha, que eu estou neste exato momento jogando na parede , daí ela volta pra mim eu jogo de novo. Eu não duvido nada que seja estar aqui o que vai me induzir a ficar louca de verdade. Não tenho ideia de quanto tempo eu vou aguentar e faz exatamente 15 minutos que me trancaram aqui dentro desse quarto e estou esperando algo acontecer. 

Eu também não tenho a droga de um celular, e se eu quiser uma TV pelo visto é outra coisa que eu preciso “merecer”. Eu sou realmente uma presidiária sem nem ter tido o prazer de cometer algum crime. 

Talvez estar aqui dentro seja minha oportunidade de fazer isso e tornar as coisas mais justas. 

Tem outra coisa, havia  mais algo sobre o senhor Bundovisk, ou o senhor (agora usando seu nome real) Leclerc. Ele não era só por coincidência o meu terapeuta encarregado, que aleatoriamente se tornou o responsável por mim enquanto eu tinha meus pés dentro desta instituição. Ele também é o idiota que a minha tia pagou pra emitir laudos falsos. Foram muitas e muitas sessões com ele ao longo da minha vida até eu fazer 18 para nunca mais, ou assim eu pensava. Nunca conheci um profissional pior em toda a minha vida. Nunca me ouvia em nada, sempre tinha alguma opinião sobre como o problema estava em mim. E depois que eu pensei que finalmente estaria livre dele, ele simplesmente me dá a facada final, que eu nunca imaginei que viria: aquele maldito laudo médico que fez minha tia sambar para lá e para cá na frente de toda uma delegação de juizes:

Laudo Psiquiátrico

Paciente: Odette Lovett

Psiquiatra: Dr. LeClerc Diniz

Histórico Clínico: A paciente apresenta um histórico de comportamento errático e impulsivo, com episódios frequentes de agressividade verbal e física. Relatos de familiares indicam um padrão de isolamento social e desconfiança excessiva, além de uma tendência a interpretar eventos cotidianos como ameaças pessoais.

Sintomas Observados:

Comportamento paranoico, acreditando que está sendo constantemente vigiada e perseguida.

Episódios de alucinações auditivas, relatando ouvir vozes que a incitam a cometer atos violentos.

Tendência à automutilação, com várias cicatrizes visíveis nos braços e pernas.

Incapacidade de manter relacionamentos estáveis, tanto pessoais quanto profissionais.

Diagnóstico: Transtorno de Personalidade Paranoide com episódios psicóticos agudos. A paciente representa um risco significativo para si mesma e para os outros, necessitando de internação imediata para avaliação e tratamento intensivo.

Recomendações:

Internação involuntária em uma unidade psiquiátrica para monitoramento constante.

Tratamento com antipsicóticos e estabilizadores de humor.

Terapia cognitivo-comportamental para abordar os padrões de pensamento distorcidos e comportamentos autodestrutivos.

Conclusão: Devido à gravidade dos sintomas e ao risco iminente que a paciente representa, recomenda-se a internação imediata e a continuidade do tratamento sob supervisão médica rigorosa.

Essa merda de diagnóstico ferrou minha vida. Agora, “ATOS VIOLENTOS”, “EPISÓDIOS PSICÓTICOS AGUDOS”?? Fora as outras pataquadas que ele ainda menciona nesse documento, como se eu realmente fosse um perigo pra mim e pra sociedade?? 

Eu não estou me enganando quando eu digo que sei o que aconteceu, toda essa tramoia e o verdadeiro motivo dela. Só o que eu queria era continuar a minha vida, EM PAZ. 

Sim, eu tomo remédios controlados desde meus 17 anos, e sim, eu tenho momentos mais difíceis que outros, mas eu jurar perante o juiz de que essa droga era completamente forjada não é mais confiável do que a palavra de um médico de prestígio. E foi assim que eu acabei aqui, tratada como uma prisioneira doente mental, sem ter direito a recorrer sobre meus próprios atos e sem ter a menor ideia de qualquer plano para sair daqui.

 Eu ainda vou armar um, nem que eu tenha que jogar gasolina e acender um fósforo nesse lugar, mas eu vou sair daqui.  

Depois que eu consegui acalmar os meus nervos, andar de um lado pro outro e deixar a calma passear pelas minhas veias mais uma vez. Ser dona das minhas emoções era uma boa sensação de novo. Eu ainda estava com muita raiva, mas guardei isso em uma das prateleiras vazias da minha mente que eu não precisava olhar por agora. Fui dormir quando o pequeno relógio digital na cômoda ao lado da cama marcava 22 horas. Eu havia chegado aqui era perto de umas 17hrs, sendo arrastada aos gritos pra dentro de uma ambulância sem mais nem menos, enquanto o sol ainda se punha e meus vizinhos viam tudo aquilo como se fosse algo que esperavam a muito tempo. 

Bando de escrotos. Eu cuspiria na cara de todos eles. 

Eu estava sonhando, sei que comecei a sonhar pois eu sempre me sinto mais leve dentro dos meus sonhos, como se não tivesse gravidade. 

Mas com ou sem ela, eu caia, caia e caia por um buraco de coelho muito escuro. Eu conseguia ver a forma da terra ao meu redor, moldada como se tivesse sido cavada por patas enormes e monstruosas. Meu vestido que eu estava usando não me servia de paraquedas como acontece em desenhos, então eu só caia. Eu sentia o vento forte b**endo contra o meu nariz e respirar fazia tudo doer. Eu estava caindo e nada podia parar. Meus braços se agitavam ao meu redor, tentando em vão buscar algo para se agarrar. Minha mão b**e em alguma coisa e eu solto um gemido de dor quando vejo móveis subindo por mim. Eu passo por eles mas eles não estão caindo na mesma velocidade que eu, dando a impressão de que eles estão flutuando no espaço.

Eu ainda sinto a dor no braço que esbarrou em uma cadeira velha mesmo depois de ela ter desaparecido da minha vista. Eu estou gritando, meu coração pulsando desesperadamente dentro do meu peito mas não sai nada pela minha garganta, como se eu não tivesse voz. 

A sensação de desespero vai aumentando e aumentando, até ficar quase insuportável respirar, e eu sinto dentro do meu âmago que estão chegando, que estou quase no fim dessa queda que em vários momentos jurei que nunca teria fim. Vou morrer espatifada no chão como uma panqueca. Vai doer terrivelmente e eu vou sentir cada parte disso. Eu sinto, eu sei. 

Eu fecho meus olhos em uma oração silenciosa pra uma divindade que não acredito nem nunca acreditei, mas mesmo assim é o que escolho fazer nos meus momentos finais. 

Mas então, de repente, tudo para, congelado e eu paro de cair. Ao meu redor, braços fortes me seguraram antes que eu tivesse chegado ao chão. São quentes, fortes e me embalam suavemente. Eu olho pra cima, pra ver o rosto de meu salvador, mas a única coisa que consigo enxergar no fundo daquele buraco de coelho são dois olhos amarelos ardentes.

Eu acordo, no meu primeiro dia com meu coração ainda batendo descontroladamente no peito, com a sensação de que eu havia caído realmente de um lugar muito muito alto, mas dessa vez pousado na cama com um susto que me despertou de uma vez. Meu braço esquerdo doía, por algum motivo desconhecido, mas eu resolvi acreditar na parte de mim que dizia que ainda estava sonhando, então voltei a dormir. Dessa vez um sono pacato sem qualquer sonho.

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