POV ODETTE
E pronto, depois disso acho que já dá pra imaginar o que aconteceu, não é? O homem berrou e berrou, e de repente tinha enfermeiros me arrastando pelo corredor. É óbvio que eu me debati, o máximo que pude, afinal, mesmo que eu soubesse que eles não me soltariam assim, não podia deixar ser levada tão facilmente. Questão de orgulho.
Mas quando eu fui trancada naquele quarto branco que seria minhas acomodações pelos próximos não sei quanto tempo, não pude deixar de pensar que valeu a pena quando vi a cara de espanto do homem e seu rosto ficando cada vez mais vermelho, como se ele fosse explodir em milhares de pedacinhos depois de ter sido irritado.
Mas depois disso, tudo foi só ladeira abaixo. Eu podia listar a quantidade significativa de coisas que eu passei as últimas semanas tentando evitar e que simplesmente aconteceram praticamente fora do meu controle.
Minha Tia havia me internado em um hospital psiquiátrico. Pra que? Ora, ficar com a droga do dinheiro que eu tenho de herança desde os meus 18 anos. Acontece que ser considerada como “incapaz mentalmente” torna ela a minha responsável legal e responsável pelo meu patrimônio financeiro. Acontece que quando eu tinha menos de 18 não era interessante pra ela ser minha responsável legal (coisa que ela foi bem porcamente, mas foi) e agora de repente se tornou interessante. Não foi difícil forjar laudos. Até porque eu admito que alguns já existiam. Eu tenho os meus problemas, tá bem? Eu tenho meus diagnósticos, mas não sou nem nunca fui um perigo pra ninguém e nem muito pra mim mesma…na maioria das vezes. Mas então, veio pra ela o que ela mais esperava: um grande surto meu, quando eu botei tudo a perder e ela finalmente conseguiu que um juiz a ouvisse, e também lesse todas as provas fajutas dela. Foi só uma vez, e pronto! Enfiada aqui nessa merda, com o “melhor tratamento que o dinheiro pode me pagar.”. Me trouxeram de ambulância, me tiraram meus cadarços e até mesmo minhas xuxinhas de cabelo, mas pelo menos eu consegui trazer algumas roupas.
E agora, haviam me colocado de castigo, pelo visto.
Aparentemente esse castigo era: Eu vou ficar trancada nesse quarto, que tem grades nas janelas por sei lá quanto tempo. Vou comer aqui, ser forçada a tomar remédios aqui, tomar meus banhos aqui em um banheiro minúsculo e é isso. Até eles decidirem que eu “mereço” sair e “aproveitar os benefícios desta bela instituição”. Isso tudo pra mim é uma grande palhaçada. Não tenho vontade alguma de sair ou socializar com ninguém daqui, sério mesmo. Deixaram PELO MENOS eu entrar com alguns livros, papel, caneta e uma bolinha, que eu estou neste exato momento jogando na parede , daí ela volta pra mim eu jogo de novo. Eu não duvido nada que seja estar aqui o que vai me induzir a ficar louca de verdade. Não tenho ideia de quanto tempo eu vou aguentar e faz exatamente 15 minutos que me trancaram aqui dentro desse quarto e estou esperando algo acontecer.
Eu também não tenho a droga de um celular, e se eu quiser uma TV pelo visto é outra coisa que eu preciso “merecer”. Eu sou realmente uma presidiária sem nem ter tido o prazer de cometer algum crime.
Talvez estar aqui dentro seja minha oportunidade de fazer isso e tornar as coisas mais justas.
Tem outra coisa, havia mais algo sobre o senhor Bundovisk, ou o senhor (agora usando seu nome real) Leclerc. Ele não era só por coincidência o meu terapeuta encarregado, que aleatoriamente se tornou o responsável por mim enquanto eu tinha meus pés dentro desta instituição. Ele também é o idiota que a minha tia pagou pra emitir laudos falsos. Foram muitas e muitas sessões com ele ao longo da minha vida até eu fazer 18 para nunca mais, ou assim eu pensava. Nunca conheci um profissional pior em toda a minha vida. Nunca me ouvia em nada, sempre tinha alguma opinião sobre como o problema estava em mim. E depois que eu pensei que finalmente estaria livre dele, ele simplesmente me dá a facada final, que eu nunca imaginei que viria: aquele maldito laudo médico que fez minha tia sambar para lá e para cá na frente de toda uma delegação de juizes:
Laudo Psiquiátrico
Paciente: Odette Lovett
Psiquiatra: Dr. LeClerc DinizHistórico Clínico: A paciente apresenta um histórico de comportamento errático e impulsivo, com episódios frequentes de agressividade verbal e física. Relatos de familiares indicam um padrão de isolamento social e desconfiança excessiva, além de uma tendência a interpretar eventos cotidianos como ameaças pessoais.
Sintomas Observados:
Comportamento paranoico, acreditando que está sendo constantemente vigiada e perseguida.
Episódios de alucinações auditivas, relatando ouvir vozes que a incitam a cometer atos violentos.
Tendência à automutilação, com várias cicatrizes visíveis nos braços e pernas.
Incapacidade de manter relacionamentos estáveis, tanto pessoais quanto profissionais.
Diagnóstico: Transtorno de Personalidade Paranoide com episódios psicóticos agudos. A paciente representa um risco significativo para si mesma e para os outros, necessitando de internação imediata para avaliação e tratamento intensivo.
Recomendações:
Internação involuntária em uma unidade psiquiátrica para monitoramento constante.
Tratamento com antipsicóticos e estabilizadores de humor.
Terapia cognitivo-comportamental para abordar os padrões de pensamento distorcidos e comportamentos autodestrutivos.
Conclusão: Devido à gravidade dos sintomas e ao risco iminente que a paciente representa, recomenda-se a internação imediata e a continuidade do tratamento sob supervisão médica rigorosa.
Essa merda de diagnóstico ferrou minha vida. Agora, “ATOS VIOLENTOS”, “EPISÓDIOS PSICÓTICOS AGUDOS”?? Fora as outras pataquadas que ele ainda menciona nesse documento, como se eu realmente fosse um perigo pra mim e pra sociedade??
Eu não estou me enganando quando eu digo que sei o que aconteceu, toda essa tramoia e o verdadeiro motivo dela. Só o que eu queria era continuar a minha vida, EM PAZ.
Sim, eu tomo remédios controlados desde meus 17 anos, e sim, eu tenho momentos mais difíceis que outros, mas eu jurar perante o juiz de que essa droga era completamente forjada não é mais confiável do que a palavra de um médico de prestígio. E foi assim que eu acabei aqui, tratada como uma prisioneira doente mental, sem ter direito a recorrer sobre meus próprios atos e sem ter a menor ideia de qualquer plano para sair daqui.
Eu ainda vou armar um, nem que eu tenha que jogar gasolina e acender um fósforo nesse lugar, mas eu vou sair daqui.
Depois que eu consegui acalmar os meus nervos, andar de um lado pro outro e deixar a calma passear pelas minhas veias mais uma vez. Ser dona das minhas emoções era uma boa sensação de novo. Eu ainda estava com muita raiva, mas guardei isso em uma das prateleiras vazias da minha mente que eu não precisava olhar por agora. Fui dormir quando o pequeno relógio digital na cômoda ao lado da cama marcava 22 horas. Eu havia chegado aqui era perto de umas 17hrs, sendo arrastada aos gritos pra dentro de uma ambulância sem mais nem menos, enquanto o sol ainda se punha e meus vizinhos viam tudo aquilo como se fosse algo que esperavam a muito tempo.
Bando de escrotos. Eu cuspiria na cara de todos eles.
Eu estava sonhando, sei que comecei a sonhar pois eu sempre me sinto mais leve dentro dos meus sonhos, como se não tivesse gravidade.
Mas com ou sem ela, eu caia, caia e caia por um buraco de coelho muito escuro. Eu conseguia ver a forma da terra ao meu redor, moldada como se tivesse sido cavada por patas enormes e monstruosas. Meu vestido que eu estava usando não me servia de paraquedas como acontece em desenhos, então eu só caia. Eu sentia o vento forte b**endo contra o meu nariz e respirar fazia tudo doer. Eu estava caindo e nada podia parar. Meus braços se agitavam ao meu redor, tentando em vão buscar algo para se agarrar. Minha mão b**e em alguma coisa e eu solto um gemido de dor quando vejo móveis subindo por mim. Eu passo por eles mas eles não estão caindo na mesma velocidade que eu, dando a impressão de que eles estão flutuando no espaço.
Eu ainda sinto a dor no braço que esbarrou em uma cadeira velha mesmo depois de ela ter desaparecido da minha vista. Eu estou gritando, meu coração pulsando desesperadamente dentro do meu peito mas não sai nada pela minha garganta, como se eu não tivesse voz.
A sensação de desespero vai aumentando e aumentando, até ficar quase insuportável respirar, e eu sinto dentro do meu âmago que estão chegando, que estou quase no fim dessa queda que em vários momentos jurei que nunca teria fim. Vou morrer espatifada no chão como uma panqueca. Vai doer terrivelmente e eu vou sentir cada parte disso. Eu sinto, eu sei.
Eu fecho meus olhos em uma oração silenciosa pra uma divindade que não acredito nem nunca acreditei, mas mesmo assim é o que escolho fazer nos meus momentos finais.
Mas então, de repente, tudo para, congelado e eu paro de cair. Ao meu redor, braços fortes me seguraram antes que eu tivesse chegado ao chão. São quentes, fortes e me embalam suavemente. Eu olho pra cima, pra ver o rosto de meu salvador, mas a única coisa que consigo enxergar no fundo daquele buraco de coelho são dois olhos amarelos ardentes.
Eu acordo, no meu primeiro dia com meu coração ainda batendo descontroladamente no peito, com a sensação de que eu havia caído realmente de um lugar muito muito alto, mas dessa vez pousado na cama com um susto que me despertou de uma vez. Meu braço esquerdo doía, por algum motivo desconhecido, mas eu resolvi acreditar na parte de mim que dizia que ainda estava sonhando, então voltei a dormir. Dessa vez um sono pacato sem qualquer sonho.
Já no dia seguinte, oficialmente meu primeiro dia desde que eu havia chegado aqui, não estava mais suportando olhar um segundo sequer para essas paredes brancas e sem graça que me cercavam no quarto em que me colocaram. Eu estava realmente, realmente enlouquecendo. Deixando cada vez mais, sem ter escolha, esse castigo que me colocaram me subir a cabeça. É como aquelas vezes quando somos crianças e nossas mães, pais, tias e até professores nos colocam de castigo para “pensar no que fizemos” enquanto olhamos pra parede, e você nunca quer pensar no que fez pois na sua cabeça, você não está errada. Mas acontece que olhar pra parede é chato, e você não tem escolha a não ser pensar em tudo que te vier na mente. Eu também fiquei andando de um lado pro outro, alonguei todos os meus músculos, joguei minha maldita bolinha de uma parede a outra e tentei, tentei muito me concentrar em um dos livros que eu havia trago, mas a falta do que fazer me deixava agitada, com energia acumula até as bor
POV CEDRICOs dedos ansiosos de Cedrik batucavam incessantemente na parede. Suas pernas estavam pro alto totalmente descontraídas no seu familiar quarto branco. E não era o quarto branco tradicional em que era obrigado a passar seus dias, mas sim outro quarto branco. O que colocavam os que passavam da linha.Nesse lugar esquecido,só tinha um colchão e aquelas paredes que te encaravam de volta quando você as encarava por muito tempo. Ele já tinha tido muitas chances de sair de lá, tantas oportunidades que no final valeram menos que nada, mas decidiu aceitar o destino a qual foi encaminhado, e se tivesse que passar seus dias apodrecendo aqui por causa desse destino, é isso mesmo que ia fazer. Essa era a sua punição e ele já tinha aceitado ela há muito tempo. Mesmo que enlouqueça de verdade por nunca encontrar sua companheira fora daqui, mesmo que nunca mais sinta o vento da liberdade ou possa assumir sua forma de lobo, e fazer tudo que ele tinha sido feito pra fazer. Fazia 5 ano
Para começo de conversa, a aberração literária que estavamos sendo obrigados a ler era uma espécie de alto ajuda para crianças, sobre dois ratos que perdem o seu queijo precioso e não sabem o que fazer a respeito disso. Um dos livros mais chatos e entediantes disfarçados de conto juvenil que eu vi na minha vida. Só a mínima discussão sobre a proposta inicial me faz bocejar, rolar de um lado pro outro na cadeira extremamente desconfortável e balançar os pés inquietamente querendo ir embora. Passei mais tempo prestando atenção nos arredores do que na explicação da senhora alta que estava na ponta da roda,comentando sobre a proposta do grupo, da leitura e todo o blábláblá que parece que não acaba. Ela passa um tempo desnecessariamente longo repetindo palavras e falando frases que pra mim são a mesma coisa, como por um exemplo: “a mudança é uma coisa crucial para nós como seres humanos”, “devemos lidar com isso”e mais blá blá blás que passei anos ouvindo de terapeutas medíocres.Eu mud
POV CEDRICDepois de mais de um dia trancado, Cedric estava em fim sendo levado pro seu quarto. Horas infernais que ele jurava ter se acostumado, mas descobriu do pior jeito que não.A m*****a “sala de repouso” ou o quarto branco como chamavam por aqui.Tinha tido a sua prova final. Era pra ser mais um dia comum, mais uma passagem de tempo como qualquer outra, mas nada era mais como antes, nem nunca mais seria. Se ele se concentrasse um pouco, ainda conseguia sentir aquele cheiro, que mudou tudo.Agora ele olha pra todos os lados dos corredores enquanto segue, procurando. Tudo sempre continua tão igual, mas de repente se tornando tão diferente.Ele sabia que a essa hora a maior parte do pessoal estava lá fora aproveitando um dia de sol, ou dentro dos quartos esquecendo que existe um lado de fora, ou qualquer outra coisa além daqui. Mas mesmo assim, era uma tarefa impossível pra ele, parar de esperar que em algum lugar vá sentir de novo aquele aroma, e que ao virar um corredor vai enc
Quando fecho os olhos naquela noite e me deixo ser levada pelo sono, estou em um jardim. Um jardim que no fundo da minha mente tenho a lembrança de já ter o visto antes em outros sonhos, mas algo está diferente. Reconheço campânulas, rosas e não-me-esqueças. Há outras variedades, e libélulas voam pela grama alta, que roça meu tornozelo e eu sinto cócegas. Sinto cócegas? Não se pode sentir cócegas enquanto sonha. Mas eu sinto. Independente disso tenho certeza que estou sonhando, com cócegas ou sem cócegas.Sabe quando se olha para um objeto dentro de um sonho? Ele não parece real. Não tem detalhes, e sua forma não é muito parecida a como ela é na realidade. Às vezes a textura até se mexe enquanto você está olhando. Causa uma sensação esquisita, mas é crucial que exista esses pontos para que haja diferença do sonho pra realidade.Quando eu olho para uma das não- me-esqueças, é isso que acontece. Uma hora ela tem 5 pétalas, mas logo depois tem 6, depois 7, e depois 5 de novo. Sua cor
Algo tinha ficado claro pra mim: Para o Dr. LeClerc, eu não era mais do que um insetinho e algo pra que ele pudesse se vangloriar, mostrar poder e dominância, além de todo aquele discurso chato de “Sou eu que mando aqui e você não decide nada.”.Como ele é o responsável pela minha internação em partes, e foi com certeza o responsável por forjar um laudo fraudulento que foi a minha porta de entrada pra cá, então ele sabe mais do que ninguém que, por ser um laudo FRAUDULENTO, eu com certeza não precisava estar aqui, e muito menos fazer qualquer uma das atividades propostas.Isso só aumenta a minha raiva. Eu não vi a cara dele ainda depois da minha cusparada. Mas ainda assim, ele deixa claro que cada pontinho de liberdade que eu ganho &ea
A minha missão foi um sucesso no fim das contas, depois de muito analisar e escolher uma pessoa com o maior cuidado que pude, Comecei dizendo um “oi” e agradeci aos céus quando a menina de cabelos rosa da aula do livro, não saiu correndo de mim ou me olhou como se eu tivesse duas cabeças. É uma reação que eu esperaria de algumas pessoas daqui, então eu só prova que eu tive sorte.O universo estava do meu lado. Melody era uma graça.Ela foi simpática comigo, se apresentou quando eu perguntei se poderia me sentar com ela para o almoço e a conversa só fluiu. Ela tem 23 anos e não está aqui de forma voluntária. Entupida até o talo de antidepressivos, ela não pode sair pois sua mãe trata depressão como se fosse uma doença contagiosa que ao mínimo descuido poderia passar para seu filho de ouro, o caçula da família. Com medo de Melody influenciá-lo negativ
Agora, uma coisa fazia mais sentido na minha cabeça. Isso não era pra ser algo como um centro de reabilitação/terapêutico/manicômio ou algo assim? Por que então, até agora, ninguém tinha me obrigado a sentar em uma sala enquanto alguém olhava pra mim segurando um caderninho e perguntando: “E então Odette, como você está se sentindo hoje?”. Ou então me mostrava aquelas figuras estranhas de tinta borrada, do famoso Rorschach e me perguntava o que eu via nelas? Fazia muito, mas muito sentido. A resposta era muito simples: ninguém ligava para como diabos eu estava me sentindo hoje. Os grupos de terapia, os passeios e toda liberdade que as pessoas têm aqui (a minha ainda sendo trabalhada), era tudo pensado da forma menos trabalhosa e mais barata o possível. Eu deveria ter um médico responsável, minha referência terapêutica (que seria o Dr. LeClerc), e um psicólogo que iria acompanhar meu suposto progresso terapêutico, isso pelo que eu sabia. Mas pelo visto, eu não sabia de nada, não é me