Capítulo 5

POV CEDRIC

Os dedos ansiosos de Cedrik  batucavam incessantemente na parede. Suas  pernas estavam  pro alto totalmente descontraídas no seu familiar quarto branco. E não era o quarto branco tradicional em que era obrigado a passar seus dias, mas sim  outro quarto branco. O que colocavam os que passavam da linha.

Nesse lugar esquecido,só tinha um colchão e aquelas paredes que te encaravam de volta quando você as encarava por muito tempo. 

Ele já  tinha tido muitas chances de sair de lá, tantas oportunidades que no final valeram menos que nada, mas decidiu aceitar o destino a qual foi encaminhado, e se tivesse que passar seus  dias apodrecendo aqui por causa desse destino, é isso mesmo que ia fazer. Essa era a sua punição e ele já tinha aceitado ela há muito tempo. Mesmo que enlouqueça de verdade por nunca encontrar sua companheira fora daqui, mesmo que nunca mais sinta o vento da liberdade ou possa assumir sua forma de lobo, e fazer tudo que ele tinha sido feito pra fazer. 

Fazia 5 anos desde que tinha sido trancado. 5 anos desde que toda a sua alcateia tinha  sido morta em uma guerra que ele não tinha começado, mas sim o outro alfa que tinha sido o responsável por jogar ele lá dentro. Isso não tirava sua parcela de culpa, que o consumia como um membro fantasma. 

Depois de muitas outras coisas, não havia nada que pudesse fazer por si  mesmo. Ele era o único alfa dentro da casa de reabilitação boa esperança, mas com certeza não era o único desgarrado, sem matilha, que em algum momento acabaram se perdendo.

Um lobo é sua matilha e sua liberdade,  acima disso só está sua companheira, isso se ele tem a sorte de encontrá-la. Ele não tinha nenhuma dessas coisas e nem pretendia ter. 

Hoje era só mais um dia igual a todos os outros, mais um dia com ele trancado dentro daquelas paredes e mais nada, assobiando para o teto. Do seu lado um exemplar de “Os irmãos Karamazov” de Dostoievski aberto no meio, a leitura pausada por que no andar de cima, passinhos irritantes não deixam que ele se concentre em nada. Esse lugar era pra ser seu isolamento, quem diabos vem aqui? 

Ele está encarando curioso a saída de ar acima de sua cabeça, de onde os passos vem, quando de repente suas narinas se abrem, ele congela e seus pelos da nuca começam a se arrepiar quando ele sente um cheiro que nunca havia sentido antes. 

Um forte aroma de baunilha fresca, doce que faz a sua boca salivar e algo primitivo dentro dele falar. 

Meu. 

Tudo que ele quer, tudo que ele pensa, algo que nunca sentiu igual.

Ele se levanta de uma vez,  ficando de pé no colchão com a cabeça quase encostando na tampa do duto, a fonte do cheiro.

-Quem está aí? - Sua voz é rouca e mais difícil de sair do que ele se lembrava. Seu foco vai totalmente para os mínimos sons vindo de cima, e ele se concentra o suficiente para começar a ouvir a respiração de quem quer que esteja lá. Seja quem for, está assustado, e não há nada que ele possa fazer quando essa pessoa começa a correr pra longe, o som mais alto agora dos passos se afastando. 

Novo, tem que ser alguém novo. Ele saberia se estivesse dividindo o mesmo teto com a fonte desse cheiro bem antes. 

Ela não devia ter vindo pra cá, não deveria ter estado aqui e deveria menos ainda ter saído correndo assim como uma gatinha assustada. Independente de qualquer outra coisa, pela primeira vez em muito tempo, ele quer algo. 

POV ODETTE

Ser teoricamente ameaçada e ouvir um som misterioso vindo de um corredor vazio foram coisas que mexeram com a minha cabeça. Acho que mexeriam com a de qualquer um pra ser sincera. 

Mais tarde naquela noite, tive sonhos confusos, embaralhados e eu tinha quase certeza que havia um lobo neles, me esperando em algum lugar. Mas não lembrei de nada quando acordei, mesmo isso sendo rato pra mim, pois geralmente sempre me lembro de meus sonhos.

Mas uma coisa era certa: Depois dessas experiências, eu senti um pouco de coragem florescendo em mim. Coragem essa que eu tinha quando cheguei aqui, mas  que vinha morrendo com o passar das horas, se desgastando como uma borracha velha usada durante muitos anos escolares. Parecia que esse era objetivo das pessoas que criaram esse lugar, que era  pra isso que ele tinha sido feito. Nos tirar o pouco que temos, independente de quanto for. Pelo menos foi a impressão que tive, eu adoraria perguntar pra outra pessoa sobre sua perspectiva sobre essas paredes, mas ainda não achei ninguém, e o enfermeiro me causava uma sensação estranha, me recusava a falar com ele mais do que o necessário. Perguntei seu nome na tarde do dia anterior quando ele me levava para a minha cela/quarto e ele respondeu “Oliver” com uma voz cansada e desinteressada.

Mas apesar de tudo, depois de hoje, minha falta de convívio com outras pessoas estava prestes a mudar e ainda não sei como me sinto sobre isso.

Desesperada? Apavorada? Nervosa? Feliz ou ansiosa? 

Oliver chegou mais cedo com meu café da manhã (um mingal bem meia boca) e uma mensagem do meu terapeuta responsável (O idiota). Pelo visto, graças ao meu “bom comportamento” (bem entre aspas, pois na verdade eu só não tinha visto  ele pessoalmente, e não tive a oportunidade de chutar as suas bolas, mesmo sabendo que isso só estenderia meu castigo) , eu ganhei o direito de ir a um dos grupos de terapia. Consegue sentir a animação que eu sinto com isso? O clube do livro, estou pulando de alegria. (deu pra detectar o sarcasmo?Deu mesmo? ) . 

Mesmo achando que ler é a melhor coisa que eu posso fazer por mim mesma, na verdade que qualquer um pode fazer por si mesmo, (Depois, é claro, de se balançar o mais alto que conseguir em algum balanço)  conseguindo ir pra tantos lugares em tão pouco tempo sem nem sair da cama ou de uma cadeira, é simplesmente fantástico. Porém tenho alguns pontos  para serem feitos: Eu duvido que eu vá me interessar em qualquer atividade que o Sr. Bundovisk teve a “bondade” de me colocar. Além disso, tenho a sensação que esse não vai ser como um daqueles grupos de leitura, ou clube do livro como se vê nos filmes, onde várias pessoas se reúnem no sagrado coração de Jane Austen e discorrem sobre como suas obras são profundas e minuciosas.

Talvez seja pessimismo da minha parte, mas é uma sensação que tenho. Que vou odiar cada segundo, mas mesmo assim tenho a certeza que estar  lá vai ser melhor que ficar trancada no quarto…pelo menos é o que eu espero.

Meia hora depois de eu ter chegado no local e me sentado em uma cadeira qualquer…e eu percebo que minhas expectativas realmente não estavam baixas o suficiente.

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