Capítulo 4

Já no dia seguinte, oficialmente  meu primeiro dia desde que eu havia chegado aqui,  não estava mais suportando olhar um segundo sequer para essas paredes brancas e sem graça que me cercavam no quarto em que me colocaram. Eu estava realmente, realmente enlouquecendo. Deixando cada vez mais, sem ter escolha, esse castigo que me colocaram me subir a cabeça. É como aquelas vezes quando somos crianças e nossas mães, pais, tias e até professores nos colocam de castigo para “pensar no que fizemos” enquanto olhamos pra parede, e você nunca quer pensar no que fez pois na sua cabeça, você não está errada. 

Mas acontece que olhar pra parede é chato, e você não tem escolha a não ser pensar em tudo que te vier na mente. 

Eu também fiquei andando de um lado pro outro, alonguei todos os meus músculos, joguei minha m*****a bolinha de uma parede a outra e tentei, tentei muito me concentrar em um dos livros que eu havia trago, mas a falta do que fazer me deixava agitada, com energia acumula até as bordas e eu não conseguia me focar por muito tempo nas frases. Minha perna inquieta sendo minha maior distração

 Antes que eu percebesse, estava repetindo várias e várias vezes a mesma palavra até que simplesmente jogava a leitura de lado e voltava a buscar outras coisas pra fazer. 

Depois do que pareceram eras, milênios ou até mesmo uma eternidade, mas na verdade foram apenas algumas horas trancada, eu finalmente ganhei uma coisa que o Dr.  bundovisk chamou de “um gostinho de liberdade para que eu possa saber o que meus comportamentos inapropriados me fazem perder”, sendo que na verdade ele apenas me deu permissão de ir até o refeitório comum e depois voltar com escolta. Há, e é claro, em um horário que não esteja ninguém lá, pois aparentemente é muito cedo pra que eu comece a participar de divertidas atividades em grupo, como me sentar em um refeitório com uma porção de pessoas muito estranhas e falar sobre…seja lá o que elas falariam, e isso seria, na cabeça dele, a atividade que eu mais tinha aguardado em toda a minha vida. 

Mas independente disso, só o fato de não ter que ficar trancada naquele cubículo já foi um alívio tão grande. Poder andar, mesmo que seja um único corredor, esticar minhas pernas e poder respirar era algo que eu estava precisando muito.  

Já tinha passado exatamente duas horas depois do horário de almoço quando alguém chegou para me escoltar. Um enfermeiro e apenas. Pelo menos não enviaram uma brigada para me conter ou me obrigaram a usar algemas.

 Pelo que o meu “médico responsável” fala de mim, pensei que pra sair do quarto iriam me obrigar até a usar camisa de força.

Mas foi só isso, um longo passeio por corredores brancos e entediantes. Uma moça limpava o chão com cera e um esfregão durante o caminho, deixando mais limpo que um espelho. Não duvido que eu conseguiria ver meu reflexo nele se tentasse. Também havia placas de silêncio, posteres ridículos com frases motivacionais e mais alguns blablablás de avisos, como os que pediam para não correr nos corredores.  Estava silencioso e vazio. 

Nós chegamos, me empurraram uma sopa simples de refeição,  que não estava de todo mal (pelo preço que minha tia deve pagar por esse lugar, o mínimo de se esperar é que a comida não fosse intragável), e foi no momento que terminei o meu prato e olhei pro enfermeiro que me escoltava que uma lâmpada se acendeu na minha cabeça.

O homem não parecia muito satisfeito em estar ali. Ele segurava frouxamente um livro de capa escura, dura e sem qualquer indício na capa do que se tratava a história, e como teve aquela situação de não terem me colocado em um  colete de forças, resolvi arriscar uma jogada.

.-Escute, preciso ir ao banheiro. Emergência feminina. -Eu disse enrolação. Quanto mais direta eu fosse, menos suspeita eu pareceria. Pelo menos eu acho. 

-Vá rápido, eu te arrasto pelos cabelos pra cá de volta se não estiver aqui em 20 minutos. 

-Ok…

Ok, foi bem mais fácil do que eu achei que seria, mas algo na fala dele não pareceu nada legal pra mim. Ele estava brincando ou foi uma ameaça? Eu realmente não sei.. Sem hesitação me levantei e fui na direção da saída do refeitório, onde também tinha banheiros então, mesmo que estivesse olhando não pareceria suspeito. Não demoraria mais do que esses 20 minutos, pra não dar sorte ao azar. 

O lugar realmente estava completamente vazio. Não sei onde poderiam estar as pessoas nesse horário, no meio da tarde. Mas eu não ouvia vozes e também não sabia onde poderiam estar. De certa forma, caminhar pelo lugar vazio me trazia um certo alívio, pois não tenho ideia se estou pronta para conhecer qualquer pessoa daqui. A ansiedade social só de imaginar ter a possibilidade de algum estranho daqui conversar comigo, ter que interagir sem nem saber onde enfiar minha cabeça. Não quero isso, estou muito bem com esse castigo, contanto que eu ainda consiga dar algumas escapadas e ter minhas rédeas afrouxadas. 

Não abro nenhuma porta ou janela, gostaria muito de passar despercebida, mesmo que os corredores sejam todos iguais, monótonos e entediantes. Então eu só dou o meu passeio enquanto penso na morte da bezerra, e o que eu faria pra ocupar o resto do meu dia quando tivesse que voltar para o meu quarto. 

Eu estava prestes a dar meia volta e só voltar para o refeitório. Eu tinha chegado em alguma ala bem diferente das outras. Vi pelo menos duas luzes quebradas, poeira no chão e várias evidências de que aquela parte do edifício estaria tendo obras. Isso combinado ao silêncio, em que eu só conseguia ouvir o barulho da minha própria respiração e dos meus sapatos contra o piso, faziam parecer que eu estava em um local assombrado, deserto, a quilômetros de tudo. Não havia meu reflexo no piso como os corredores perto da ala médica, ou qualquer sinal de limpeza e cuidado. 

 Eu poderia facilmente me perder por ali e esquecer que eu estava na civilização. Fingir que o mundo havia se consumido nas chamas do apocalipse e era isso que restava, apenas lugares como esse abandonados e esquecidos. 

Só que depois de mais alguns passos, eu comecei a ouvir um assobio. Começou bem baixo mas quando mais eu avançava, mais alto o som ficava.  Era estranho, não parecia vir de algum lugar do corredor exatamente, mas eu me pus a seguir com muita curiosidade, até que parei na frente de um velho duto de ar, com as grades enferrujadas. O assobio vinha de lá, e ecoava pelo corredor como uma prece fantasmagórica. De onde vinha, eu não sabia e nem tinha como saber, se tinha uma coisa que eu sabia era que não passaria o dia de hoje perseguindo sons em dutos, mesmo que esse fosse até o momento, o único sinal de outras pessoas (que não fossem funcionários) que eu tinha encontrado até agora. 

-Quem está aí? - Disse uma voz grave, vindo do duto. Me assustei e quase dei um pulo pra trás. O assobiador estava falando comigo? Eu tinha certeza que não estava falando comigo. Afinal, como poderia saber que eu estava aqui? Um pouco assustada, como se tivesse sido pega fazendo algo que não devia, voltei correndo pelo corredor que tinha vindo, de volta ao refeitório, pronta pra fingir que nada disso tinha acontecido.

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