Já no dia seguinte, oficialmente meu primeiro dia desde que eu havia chegado aqui, não estava mais suportando olhar um segundo sequer para essas paredes brancas e sem graça que me cercavam no quarto em que me colocaram. Eu estava realmente, realmente enlouquecendo. Deixando cada vez mais, sem ter escolha, esse castigo que me colocaram me subir a cabeça. É como aquelas vezes quando somos crianças e nossas mães, pais, tias e até professores nos colocam de castigo para “pensar no que fizemos” enquanto olhamos pra parede, e você nunca quer pensar no que fez pois na sua cabeça, você não está errada.
Mas acontece que olhar pra parede é chato, e você não tem escolha a não ser pensar em tudo que te vier na mente.
Eu também fiquei andando de um lado pro outro, alonguei todos os meus músculos, joguei minha m*****a bolinha de uma parede a outra e tentei, tentei muito me concentrar em um dos livros que eu havia trago, mas a falta do que fazer me deixava agitada, com energia acumula até as bordas e eu não conseguia me focar por muito tempo nas frases. Minha perna inquieta sendo minha maior distração
Antes que eu percebesse, estava repetindo várias e várias vezes a mesma palavra até que simplesmente jogava a leitura de lado e voltava a buscar outras coisas pra fazer.
Depois do que pareceram eras, milênios ou até mesmo uma eternidade, mas na verdade foram apenas algumas horas trancada, eu finalmente ganhei uma coisa que o Dr. bundovisk chamou de “um gostinho de liberdade para que eu possa saber o que meus comportamentos inapropriados me fazem perder”, sendo que na verdade ele apenas me deu permissão de ir até o refeitório comum e depois voltar com escolta. Há, e é claro, em um horário que não esteja ninguém lá, pois aparentemente é muito cedo pra que eu comece a participar de divertidas atividades em grupo, como me sentar em um refeitório com uma porção de pessoas muito estranhas e falar sobre…seja lá o que elas falariam, e isso seria, na cabeça dele, a atividade que eu mais tinha aguardado em toda a minha vida.
Mas independente disso, só o fato de não ter que ficar trancada naquele cubículo já foi um alívio tão grande. Poder andar, mesmo que seja um único corredor, esticar minhas pernas e poder respirar era algo que eu estava precisando muito.
Já tinha passado exatamente duas horas depois do horário de almoço quando alguém chegou para me escoltar. Um enfermeiro e apenas. Pelo menos não enviaram uma brigada para me conter ou me obrigaram a usar algemas.
Pelo que o meu “médico responsável” fala de mim, pensei que pra sair do quarto iriam me obrigar até a usar camisa de força.
Mas foi só isso, um longo passeio por corredores brancos e entediantes. Uma moça limpava o chão com cera e um esfregão durante o caminho, deixando mais limpo que um espelho. Não duvido que eu conseguiria ver meu reflexo nele se tentasse. Também havia placas de silêncio, posteres ridículos com frases motivacionais e mais alguns blablablás de avisos, como os que pediam para não correr nos corredores. Estava silencioso e vazio.
Nós chegamos, me empurraram uma sopa simples de refeição, que não estava de todo mal (pelo preço que minha tia deve pagar por esse lugar, o mínimo de se esperar é que a comida não fosse intragável), e foi no momento que terminei o meu prato e olhei pro enfermeiro que me escoltava que uma lâmpada se acendeu na minha cabeça.
O homem não parecia muito satisfeito em estar ali. Ele segurava frouxamente um livro de capa escura, dura e sem qualquer indício na capa do que se tratava a história, e como teve aquela situação de não terem me colocado em um colete de forças, resolvi arriscar uma jogada.
.-Escute, preciso ir ao banheiro. Emergência feminina. -Eu disse enrolação. Quanto mais direta eu fosse, menos suspeita eu pareceria. Pelo menos eu acho.
-Vá rápido, eu te arrasto pelos cabelos pra cá de volta se não estiver aqui em 20 minutos.
-Ok…
Ok, foi bem mais fácil do que eu achei que seria, mas algo na fala dele não pareceu nada legal pra mim. Ele estava brincando ou foi uma ameaça? Eu realmente não sei.. Sem hesitação me levantei e fui na direção da saída do refeitório, onde também tinha banheiros então, mesmo que estivesse olhando não pareceria suspeito. Não demoraria mais do que esses 20 minutos, pra não dar sorte ao azar.
O lugar realmente estava completamente vazio. Não sei onde poderiam estar as pessoas nesse horário, no meio da tarde. Mas eu não ouvia vozes e também não sabia onde poderiam estar. De certa forma, caminhar pelo lugar vazio me trazia um certo alívio, pois não tenho ideia se estou pronta para conhecer qualquer pessoa daqui. A ansiedade social só de imaginar ter a possibilidade de algum estranho daqui conversar comigo, ter que interagir sem nem saber onde enfiar minha cabeça. Não quero isso, estou muito bem com esse castigo, contanto que eu ainda consiga dar algumas escapadas e ter minhas rédeas afrouxadas.
Não abro nenhuma porta ou janela, gostaria muito de passar despercebida, mesmo que os corredores sejam todos iguais, monótonos e entediantes. Então eu só dou o meu passeio enquanto penso na morte da bezerra, e o que eu faria pra ocupar o resto do meu dia quando tivesse que voltar para o meu quarto.
Eu estava prestes a dar meia volta e só voltar para o refeitório. Eu tinha chegado em alguma ala bem diferente das outras. Vi pelo menos duas luzes quebradas, poeira no chão e várias evidências de que aquela parte do edifício estaria tendo obras. Isso combinado ao silêncio, em que eu só conseguia ouvir o barulho da minha própria respiração e dos meus sapatos contra o piso, faziam parecer que eu estava em um local assombrado, deserto, a quilômetros de tudo. Não havia meu reflexo no piso como os corredores perto da ala médica, ou qualquer sinal de limpeza e cuidado.
Eu poderia facilmente me perder por ali e esquecer que eu estava na civilização. Fingir que o mundo havia se consumido nas chamas do apocalipse e era isso que restava, apenas lugares como esse abandonados e esquecidos.
Só que depois de mais alguns passos, eu comecei a ouvir um assobio. Começou bem baixo mas quando mais eu avançava, mais alto o som ficava. Era estranho, não parecia vir de algum lugar do corredor exatamente, mas eu me pus a seguir com muita curiosidade, até que parei na frente de um velho duto de ar, com as grades enferrujadas. O assobio vinha de lá, e ecoava pelo corredor como uma prece fantasmagórica. De onde vinha, eu não sabia e nem tinha como saber, se tinha uma coisa que eu sabia era que não passaria o dia de hoje perseguindo sons em dutos, mesmo que esse fosse até o momento, o único sinal de outras pessoas (que não fossem funcionários) que eu tinha encontrado até agora.
-Quem está aí? - Disse uma voz grave, vindo do duto. Me assustei e quase dei um pulo pra trás. O assobiador estava falando comigo? Eu tinha certeza que não estava falando comigo. Afinal, como poderia saber que eu estava aqui? Um pouco assustada, como se tivesse sido pega fazendo algo que não devia, voltei correndo pelo corredor que tinha vindo, de volta ao refeitório, pronta pra fingir que nada disso tinha acontecido.
POV CEDRICOs dedos ansiosos de Cedrik batucavam incessantemente na parede. Suas pernas estavam pro alto totalmente descontraídas no seu familiar quarto branco. E não era o quarto branco tradicional em que era obrigado a passar seus dias, mas sim outro quarto branco. O que colocavam os que passavam da linha.Nesse lugar esquecido,só tinha um colchão e aquelas paredes que te encaravam de volta quando você as encarava por muito tempo. Ele já tinha tido muitas chances de sair de lá, tantas oportunidades que no final valeram menos que nada, mas decidiu aceitar o destino a qual foi encaminhado, e se tivesse que passar seus dias apodrecendo aqui por causa desse destino, é isso mesmo que ia fazer. Essa era a sua punição e ele já tinha aceitado ela há muito tempo. Mesmo que enlouqueça de verdade por nunca encontrar sua companheira fora daqui, mesmo que nunca mais sinta o vento da liberdade ou possa assumir sua forma de lobo, e fazer tudo que ele tinha sido feito pra fazer. Fazia 5 ano
Para começo de conversa, a aberração literária que estavamos sendo obrigados a ler era uma espécie de alto ajuda para crianças, sobre dois ratos que perdem o seu queijo precioso e não sabem o que fazer a respeito disso. Um dos livros mais chatos e entediantes disfarçados de conto juvenil que eu vi na minha vida. Só a mínima discussão sobre a proposta inicial me faz bocejar, rolar de um lado pro outro na cadeira extremamente desconfortável e balançar os pés inquietamente querendo ir embora. Passei mais tempo prestando atenção nos arredores do que na explicação da senhora alta que estava na ponta da roda,comentando sobre a proposta do grupo, da leitura e todo o blábláblá que parece que não acaba. Ela passa um tempo desnecessariamente longo repetindo palavras e falando frases que pra mim são a mesma coisa, como por um exemplo: “a mudança é uma coisa crucial para nós como seres humanos”, “devemos lidar com isso”e mais blá blá blás que passei anos ouvindo de terapeutas medíocres.Eu mud
POV CEDRICDepois de mais de um dia trancado, Cedric estava em fim sendo levado pro seu quarto. Horas infernais que ele jurava ter se acostumado, mas descobriu do pior jeito que não.A m*****a “sala de repouso” ou o quarto branco como chamavam por aqui.Tinha tido a sua prova final. Era pra ser mais um dia comum, mais uma passagem de tempo como qualquer outra, mas nada era mais como antes, nem nunca mais seria. Se ele se concentrasse um pouco, ainda conseguia sentir aquele cheiro, que mudou tudo.Agora ele olha pra todos os lados dos corredores enquanto segue, procurando. Tudo sempre continua tão igual, mas de repente se tornando tão diferente.Ele sabia que a essa hora a maior parte do pessoal estava lá fora aproveitando um dia de sol, ou dentro dos quartos esquecendo que existe um lado de fora, ou qualquer outra coisa além daqui. Mas mesmo assim, era uma tarefa impossível pra ele, parar de esperar que em algum lugar vá sentir de novo aquele aroma, e que ao virar um corredor vai enc
Quando fecho os olhos naquela noite e me deixo ser levada pelo sono, estou em um jardim. Um jardim que no fundo da minha mente tenho a lembrança de já ter o visto antes em outros sonhos, mas algo está diferente. Reconheço campânulas, rosas e não-me-esqueças. Há outras variedades, e libélulas voam pela grama alta, que roça meu tornozelo e eu sinto cócegas. Sinto cócegas? Não se pode sentir cócegas enquanto sonha. Mas eu sinto. Independente disso tenho certeza que estou sonhando, com cócegas ou sem cócegas.Sabe quando se olha para um objeto dentro de um sonho? Ele não parece real. Não tem detalhes, e sua forma não é muito parecida a como ela é na realidade. Às vezes a textura até se mexe enquanto você está olhando. Causa uma sensação esquisita, mas é crucial que exista esses pontos para que haja diferença do sonho pra realidade.Quando eu olho para uma das não- me-esqueças, é isso que acontece. Uma hora ela tem 5 pétalas, mas logo depois tem 6, depois 7, e depois 5 de novo. Sua cor
Algo tinha ficado claro pra mim: Para o Dr. LeClerc, eu não era mais do que um insetinho e algo pra que ele pudesse se vangloriar, mostrar poder e dominância, além de todo aquele discurso chato de “Sou eu que mando aqui e você não decide nada.”.Como ele é o responsável pela minha internação em partes, e foi com certeza o responsável por forjar um laudo fraudulento que foi a minha porta de entrada pra cá, então ele sabe mais do que ninguém que, por ser um laudo FRAUDULENTO, eu com certeza não precisava estar aqui, e muito menos fazer qualquer uma das atividades propostas.Isso só aumenta a minha raiva. Eu não vi a cara dele ainda depois da minha cusparada. Mas ainda assim, ele deixa claro que cada pontinho de liberdade que eu ganho &ea
A minha missão foi um sucesso no fim das contas, depois de muito analisar e escolher uma pessoa com o maior cuidado que pude, Comecei dizendo um “oi” e agradeci aos céus quando a menina de cabelos rosa da aula do livro, não saiu correndo de mim ou me olhou como se eu tivesse duas cabeças. É uma reação que eu esperaria de algumas pessoas daqui, então eu só prova que eu tive sorte.O universo estava do meu lado. Melody era uma graça.Ela foi simpática comigo, se apresentou quando eu perguntei se poderia me sentar com ela para o almoço e a conversa só fluiu. Ela tem 23 anos e não está aqui de forma voluntária. Entupida até o talo de antidepressivos, ela não pode sair pois sua mãe trata depressão como se fosse uma doença contagiosa que ao mínimo descuido poderia passar para seu filho de ouro, o caçula da família. Com medo de Melody influenciá-lo negativ
Agora, uma coisa fazia mais sentido na minha cabeça. Isso não era pra ser algo como um centro de reabilitação/terapêutico/manicômio ou algo assim? Por que então, até agora, ninguém tinha me obrigado a sentar em uma sala enquanto alguém olhava pra mim segurando um caderninho e perguntando: “E então Odette, como você está se sentindo hoje?”. Ou então me mostrava aquelas figuras estranhas de tinta borrada, do famoso Rorschach e me perguntava o que eu via nelas? Fazia muito, mas muito sentido. A resposta era muito simples: ninguém ligava para como diabos eu estava me sentindo hoje. Os grupos de terapia, os passeios e toda liberdade que as pessoas têm aqui (a minha ainda sendo trabalhada), era tudo pensado da forma menos trabalhosa e mais barata o possível. Eu deveria ter um médico responsável, minha referência terapêutica (que seria o Dr. LeClerc), e um psicólogo que iria acompanhar meu suposto progresso terapêutico, isso pelo que eu sabia. Mas pelo visto, eu não sabia de nada, não é me
Tenho plena consciência de que minha própria mente é uma das coisas menos confiáveis que eu tenho, mas nunca fiquei tão intrigada com alguém a ponto de sonhar com a pessoa como aconteceu dessa vez. E tinha algo em particular, uma comichão bem no fundo, uma sensação, eu diria. Só não sei direito do que ainda, ou o que isso significava. E como eu não tinha realmente uma agenda apertada, aqui estava eu. Seguindo o homem dos meus sonhos (no sentido literal da palavra) como uma fã maluca ou algo assim.Eu definitivamente não sei o que esperava com isso, talvez descobrir por que ele tinha ficado tão gravado no meu subconsciente? Talvez seja a voz paranoica na minha cabeça que tinha vencido, e estava me convencendo que tinha alguma coisa de errado com ele e que eu deveria ir fundo nisso. Seja o que for, eu abracei essa ideia e estava pronta pra cair desse penhasco. Não seria a primeira ideia ruim e sem fundamentos que eu estava seguindo, e eu duvidava que seria a última. Eu só tinha que