-E que dom…seria esse? -Eu pergunto, e ela pisca uma vez, duas e três vezes só me encarando. Deve pensar que eu sou a maior idiota de todos os tempos, que depois de uma expicação tão longa dela, seria impossível até mesmo para uma pedra não entender. Eu entendi muito bem, mas preciso que ela diga as palavras. Sem rodeio, sem conversa. Apenas quero as palavras.-Vidência, minha querida. -Ela fala, e um sorriso brota dos seus lábios enquanto me encara. Eu olho para xícara de chá quase intocada em minhas mãos e sinto meu estômago se revirar. Não sei o que pensar, sinto todas as emoções colidindo ao mesmo tempo uma na outra e ainda não decidi se isso é a pior coisa que ela poderia ter dito, ou a melhor coisa que ela poderia ter dito. Eu não quero ser especial, eu quero ser básica, ter uma vida básica mas feliz e confortável, e não ter que me preocupar com ESSE tipo de esqueleto dentro do armário. Mesmo que talvez a ideia de lobisomens passe muito longe do básico, não precisava dessa hist
Agatha, provando que não estava brincando quando disse que seus sentidos eram um pouco melhores que os meus, como consequência por ter um deles em falta, anunciou a chegada de Cedric para mim antes que eu pudesse ouvi-lo. Foi em poucos segundos depois desse anúncio dela que eu consegui ouvir. Ele não estava sendo nada silencioso, e eu sabia que quando ele queria, conseguia sim não fazer nem o mínimo som enquanto andava ou corria. Sempre achei meio estranho que seus passos fossem tão silenciosos, quase como se fosse de forma sobrenatural. Mas essa era uma situação em que eu tinha certeza que ele queria ser ouvido, queria que soubéssemos que estava vindo para cá. Isso foi confirmado quando a porta se abriu em uma explosão que a levou ao chão, e então, aquele lobo que eu havia visto tão poucas vezes pessoalmente mas já conhecia tão bem no fundo do meu coração estava lá mais uma vez, em toda a sua glória. Aqueles olhos dourados de primeira vista muito furiosos, foram perdendo toda essa
O risco de entrar uma mosca na minha boca do jeito que ela estava aberta enquanto eu encarava Cedric, era astronômico. Será que o problema era eu? Que talvez agisse de mais como se estivesse pisando em ovos com as pessoas, ou era Cedric que realmente fazia o contrário muito além da conta, e saia massacrando esses ovos imaginários com as botas de um solado incrivelmente pesado?Talvez um pouco dos dois. Agatha também encarava ele, mas o que ela estava pensando eu não tinha nem como imaginar, pelo menos até que, de repente ela começou a gargalhar de uma forma bem escandalosa. Eu fiquei sem entender por que ela estava rindo, e Cedric parecia do mesmo jeito que eu, mas em poucos segundos ela finalmente parou, e passou uma das mãos embaixo dos olhos para secar as lágrimas que tinham escorrido depois de uma crise de risos como aquela. -Vocês realmente não tem muita coisa em que são parecidos, chega a ser engraçado ver como essas coisas acontecem. - É claro que com esse comentário, eu con
Eu respiro fundo, uma e duas vezes, na verdade mais tentando adiar a minha história. Cedric deve ter percebido isso mesmo sem que eu tenha dito nada, pois seus olhos me encararam com intensidade. Ele não fala absolutamente nada, apenas espera que eu tome iniciativa de começar. E eu enfim tomo essa porcaria de iniciativa, já estava mais do que na hora.-Antes de eu entrar no Boa Esperança, nada nunca tinha sido às mil maravilhas. Meus pais foram mortos num incêndio quando eu tinha…uns cinco anos, eu acho? Eu não me lembro muito bem. Só sei que fui morar com a minha tia. Ela já tinha 4 filhos na época, 3 deles mais velhos do que eu, e estava no seu quinto marido. Eu sempre aprendi que nunca poderia reclamar muito abertamente de qualquer situação de vida que eu tenha me metido,sempre me falavam pra ser grata por tudo e qualquer coisa, e que não importa o quanto o dia tinha sido ruim, sempre deveríamos nos sentar à mesa, rezar e agradecer por termos mais um dia, já que uma quantidade absu
-Bom, as coisas não estavam tão ruins pra quem olhasse do lado de fora, mas pra mim sempre pareceu que tinha alguma coisa errada com tudo ao meu redor. Eu nunca me senti no controle de mim mesma. Noites de sonambulismo e terrores noturnos que pareciam reais a ponto de que poderiam me engolir inteira mesmo depois de eu estar acordada, tinham virado rotina. Eu não fiquei quieta com isso, contei o máximo que pude do que estava acontecendo para a minha tia, mas nada que eu sentisse que iria fazer ela me olhar mais torto do que o necessário. Eu contei pra ela que ouvia algumas vozes e via pessoas que não estavam que eu sabia que não estavam lá de verdade. Mesmo contando isso a ela por minha vontade própria, eu realmente não esperava a reação que ela teve. Ela nunca foi muito carinhosa ou próxima de mim. Como eu tinha contado, nunca nem mexeu um dedo para me ajudar quando seu ex marido porco me batia. Mas naquela hora eu vi uma coisa em seus olhos, como se ela estivesse reconhecendo algo em
-Você não precisa - Ele me dá um beijo. - Nunca - Mais outro beijo. - Ter medo de me contar algo, ou de esconder seus demônios de mim. - Uma trilha de beijos que iam do meu rosto até as minhas clavículas. Suas mãos percorreram minha cintura em um aperto firme. Ele encostou sua testa na minha por um momento entre essa chuva de beijos. - Eu vou caçar cada um deles e fazê-los se arrepender, e os que eu não puder, por fazerem parte de você, eu vou adorar com a dedicação de um bom devoto. Seu rosto estava muito perto do meu e sem saber como reagir, eu fecho os meus olhos para não precisar encarar os seus, sinceros e profundos. -Nada no mundo te faria escapar de mim ou me faria pensar diferente, será que você ainda não entendeu? - Ele afasta nossos rostos por pouco tempo, e depois resolve continuar seu caminho de trilhas de beijos, e dessa vez começa a descer um pouco mais. -Eu estou começando…mas é difícil. - Eu digo e abro meus olhos mais uma vez. Ele ainda me olhava com o mesmo olhar.
Toda vez que nossa vida dá uma guinada, uma tomada nova de rumo, as coisas parecem muito assustadoras a princípio, desde nos mudarmos para um novo lugar ou talvez só descobrirmos algo novo sobre nós mesmos. Eu mesma estava nesse paradoxo agora, onde tudo parecia empolgante e ao mesmo tempo muito aterrorizante. Eu sentia ao mesmo tempo um coração acelerado de pavor e também borboletas no estômago de alegria.Eu tinha voltado para a casa da minha tia, a um tempo atrás só para descobrir que ela e toda a graciosa família tinham saído em uma belíssima viagem em conjunto. Se em algum momento eu pensei que ela estaria um pouco chateada com meu desaparecimento e possível morte aos olhos de qualquer investigação policial, não foi isso que aconteceu. Pelo visto, ela não tinha nada para impedir que ela vivesse sua vida perfeita pelo que eu vi. Isso, não posso mentir o quanto isso me deixou chateada. Fiquei com raiva, com certeza, e muita raiva, o suficiente para decidir que não pretendo deixar
Eu bato forte na mesa. Tão forte que na mesma hora sinto o arrependimento chegar em mim, quando aquela pontada dolorida se arrasta por todo o meu braço depois de ter batido o ossinho do meu cotovelo no carvalho duro. Mas não vou deixar que nenhum deles saiba disso, então engulo a dor enquanto pronuncio mentalmente todos os palavrões que consigo me lembrar, até os em outra língua.Ao meu lado está a querida minha tia por parte de pai. Uma vagabunda sem coração que chora e chora de uma forma muito teatral, apesar de nunca ter feito uma aula de teatro sequer em toda a sua vida. Na minha frente, o homem parrudo de grandes bochechas que mais parece o senhor bundovisk do filme “Meu malvado favorito” me analisando atentamente como se eu fosse uma criminosa. Seus olhos caídos me analisam por trás de óculos redondos de lentes grossas, que fazem seus olhos ficarem muito pequenos, e desproporcionais ao resto do seu rosto. A sala ao meu redor é cheia de quadros entediantes e cafonas, que prova