Cecilia sempre foi o alicerce do pai. Desde que a mãe morreu, ela assumiu o papel de cuidadora com uma devoção que ia além do dever filial — era amor puro, incondicional. Pietro Romano seu pai seu herói, mesmo nos dias mais confusos, ainda enxergava a filha como sua maior alegria.
Nos bons momentos, ele a chamava para sentar no jardim e contava histórias do tempo em que servia à máfia com honra. Falava dos amigos que se tornaram irmãos e de como o código de lealdade era tudo para ele. Cecilia ouvia cada palavra com atenção, mesmo que já conhecesse as histórias de cor. Ela sorria, concordava, fazia perguntas — tudo para prolongar aqueles momentos de lucidez que pareciam se dissipar cada vez mais rápido.
Nos dias ruins, porém, era como se Pietro se perdesse dentro de si mesmo. Havia vezes em que ele não reconhecia Cecilia, a olhando com desconfiança ou chamando-a pelo nome da falecida esposa. Isso dilacerava a alma dela, mas, ao invés de se afastar, ela se agarrava ainda mais a ele. Trocava as lágrimas por beijos na testa, palavras doces e músicas antigas que ele gostava de ouvir.
Ela se recusava a desistir dele, mesmo quando a doença o fazia esquecer como andar ou se alimentar. Cecilia aprendia sobre cada nova fase do Alzheimer com uma determinação feroz, quase obsessiva. Ela lia artigos, assistia a vídeos, perguntava tudo aos médicos enviados pelo Dom. Sentia que, se entendesse a doença, poderia encontrar uma maneira de resgatar o pai, nem que fosse por alguns minutos a mais.
Nos raros momentos de clareza, Pietro olhava para ela com os olhos marejados.
— Você é forte como sua mãe — ele dizia, com a voz trêmula. — Mas não se esqueça de viver a sua vida, minha menina.Cecilia sorria, mesmo que aquelas palavras a machucassem. Porque, no fundo, ela sentia que sua vida era ele. E talvez fosse por isso que ela se agarrava tanto a Fellipo — porque, de alguma forma, o subchefe da máfia a fazia sentir que ela ainda existia para além do papel de filha e cuidadora.
Mas quanto mais ela tentava equilibrar as duas coisas, mais cansada ficava. Era como carregar dois mundos pesados demais nos ombros. E ela sabia que, se continuasse assim, uma hora acabaria quebrando.
Os dias de Pietro oscilavam como as marés. Às vezes, ele acordava com um brilho nos olhos, reconhecendo Cecilia, chamando-a de “minha menina”. Em outras, ele se perdia em um labirinto de memórias, e o olhar vazio dele doía mais do que qualquer golpe físico.
Naquela tarde, Cecilia voltava da cozinha carregando uma bandeja com o chá preferido do pai quando parou na porta do jardim. A visão a fez congelar. Pietro estava sentado sob a sombra de uma árvore, com um cigarro entre os dedos trêmulos — mesmo proibido pelos médicos — e, ao lado dele, Fellipo.
O subchefe, sempre tão fechado e sombrio, estava relaxado, soprando a fumaça para o céu, ouvindo atentamente as palavras do velho soldado. Pietro falava com animação, gesticulando, como se estivesse contando a maior façanha da vida.
A enfermeira, encostada no batente, ria baixo da cena inusitada. Cecilia tentou se acalmar, respirando fundo. Mas, quando os olhos do pai se voltaram para ela, seu mundo desmoronou.
— Quem é você? — Pietro perguntou, franzindo a testa.
Cecilia sentiu como se o coração tivesse parado de bater. Os olhos dela se encheram de lágrimas, mas ela as engoliu, apertando a bandeja contra o peito.
— Eu sou... uma amiga — respondeu, a voz embargada.Ele sorriu, satisfeito com a resposta, e fez um gesto para que ela se aproximasse.
— Venha, sente-se. Estou contando para o rapaz aqui como conheci o amor da minha vida.Cecilia olhou para Fellipo, que a observava com atenção. Ele percebeu o tremor nos dedos dela, a forma como ela lutava para manter o controle. Sem dizer nada, ele estendeu a mão para ela, com um gesto simples, mas carregado de significados.
Ela hesitou por um segundo, mas depois largou a bandeja sobre a mesinha e segurou a mão dele. A pele áspera de Fellipo era um ancoradouro, um lembrete de que ela não estava sozinha.
Sentou-se ao lado do pai, ouvindo-o falar sobre a mãe com os olhos brilhando, como se ela ainda estivesse viva. Pietro descrevia o primeiro encontro deles, o jeito que ela ria, como usava um vestido azul que ele dizia ser a cor do céu mais bonito que já vira.
Enquanto ele falava, Cecilia deixou as lágrimas silenciosas escorrerem pelo rosto. Doía saber que o pai não sabia quem ela era, mas também era reconfortante vê-lo sorrir, mesmo que fosse em um mundo onde o tempo corria de maneira diferente.
Fellipo não soltou sua mão. E, naquele momento, sem dizer nada, ele a segurava no sentido mais literal possível — não apenas a mão, mas a alma dela, como se estivesse dizendo que, mesmo que ela desmoronasse, ele estaria ali para sustentá-la.
E, por mais contraditório que fosse, naquele instante de dor, Cecilia sentiu-se feliz. Feliz por ouvir mais uma história, feliz por ver seu pai vivo dentro das memórias que restavam, e feliz por ter alguém ao lado dela, mesmo que esse alguém fosse o homem que mais confundia seus sentimentos.
Naquela noite, depois de colocar o pai para dormir e conferir se Thor estava tranquilo aos pés da cama, Cecilia se recolheu ao quarto. O cansaço pesava nos ombros, mas a mente girava sem parar — revivendo cada palavra dita pelo pai, cada olhar silencioso que Fellipo lançava para ela.Ela se deitou, abraçada ao travesseiro, tentando se convencer de que estava tudo bem. Que ela era forte. Que conseguia carregar aquele fardo sozinha. Mas, antes que o sono a vencesse, ouviu três batidas suaves na porta.Era sempre assim.Cecilia levantou, o coração acelerado, e abriu a porta. Fellipo estava lá, com a postura descontraída de sempre, mas os olhos escuros denunciavam algo mais profundo. Ele não disse nada — apenas segurou o rosto dela com uma mão firme, puxando-a para um beijo intenso, como se aquilo fosse a única maneira de dizer o que sentia.Depois, abaixou-se para acariciar Thor, que já o conhecia o suficiente para abanar o rabo, satisfeito. Só depois disso, Fellipo entrou, sentando-se n
Depois de um tempo, os soluços de Cecilia foram diminuindo, e o corpo dela relaxou nos meus braços. O peito dele subia e descia devagar, como se quisesse ditar o ritmo para que ela se acalmasse.Ela ficou ali, de olhos fechados, sentindo o calor dele contra a pele. A mão de Fellipo continuava a deslizar pelos fios do cabelo dela com uma delicadeza que contrastava com a brutalidade que ele mostrava para o mundo ela tinha dormido no seu peito mais uma vez. Era como se, com ela, ele pudesse se permitir ser outra coisa. ela já tinha acordado fazia 4 minutos mais ele não a tirou do seu peito e quando ela falou :— Você deve me achar fraca — Cecilia sussurrou, quebrando o silêncio.Fellipo parou de acariciar o cabelo dela por um instante, mas logo retomou o movimento.— Fraca? — ele repetiu, com um tom de descrença. — Você segura o peso de duas vidas sozinha, Cecilia. Não tem nada de fraca nisso.Ela mordeu o lábio, sentindo as lágrimas voltarem a ameaçar cair.— Mas às vezes eu só queria..
Depois que tudo estava organizado e todos trabalhado, Cecilia ficou sentada por um tempo, olhando para o jardins. O peito ainda estava apertado, como se as palavras dele estivessem presas na pele dela. "Eu tô aqui." Mas até quando? A promessa parecia grande demais para quem se recusava a assumir o que sentiam.Mais tarde, Cecilia foi até o quarto de Samara. Assim que a amiga abriu a porta e viu o rosto cansado dela, não hesitou em puxá-la para dentro.— O que aconteceu? — Samara perguntou, fechando a porta e guiando Cecilia até a cama.Cecilia sentou-se, passando as mãos pelo rosto.— Eu não sei mais o que fazer com o Fellipo — confessou, a voz embargada. — Ele é tão... confuso. Parece que se importa, mas ao mesmo tempo foge de mim como se eu fosse algum tipo de ameaça.Samara franziu a testa, sentando-se de frente para ela.— Ele te trata mal? — perguntou, já com aquele tom protetor que Cecilia conhecia bem.— Não... é o contrário, na verdade — Cecilia murmurou, encarando as próprias
Cecilia guardou o celular sem terminar a mensagem para a clínica. Ela respirou fundo, tentando afastar a culpa que latejava no peito, e decidiu ir até o jardim onde o pai costumava ficar nas tardes mais tranquilas.Thor seguiu animado ao lado dela, mas assim que chegaram perto do banco de madeira sob a grande árvore, o cachorro diminuiu o ritmo, como se entendesse que precisava ser mais delicado. O pai de Cecilia estava sentado, olhando para as flores com um sorriso sereno, os dedos trêmulos acariciando o ar como se quisesse tocá-las de longe.— Papai? — Cecilia chamou baixinho, se aproximando devagar.Ele virou o rosto e, por um instante, o olhar pareceu perdido. Mas, então, ele olhou para Thor e os olhos brilharam de reconhecimento.— É o Thor! — ele disse, rindo. — Aquele grandão desajeitado.Cecilia sorriu, o coração apertado, mas grata pelo momento. Thor, como se soubesse que precisava ser gentil, deitou-se ao lado do banco e enfiou a cabeça sob a mão do pai dela, que começou a f
Depois de passarem um tempo no jardim, os três foram para a cozinha, onde Cecilia preparou o café da manhã. Ela montou a mesa com calma, tentando estender aquele momento simples, mas precioso.Fellipo se sentou ao lado do pai dela, enquanto Thor se deitava aos pés da mesa, sempre atento. Eles comeram juntos, conversando sobre trivialidades — ou, melhor, Cecilia e Fellipo conversavam. O pai dela divagava entre memórias confusas e momentos de lucidez, mas, mesmo assim, sorria.— Você gosta de cozinhar, menina? — o pai de Cecilia perguntou, como se não a conhecesse.Ela sorriu com gentileza, já acostumada com as perguntas repetidas. — Gosto, sim, senhor.Ele assentiu, pensativo, depois apontou para Fellipo com a xícara de café. — E esse aí? Seu namorado?Fellipo engasgou com o café, tossindo, enquanto Cecilia ficava vermelha como um tomate. — Ele é meu amigo — ela disse, desviando o olhar.O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho. — Sei.Fellipo limpou a boca com o guardanapo e m
Depois de passarem um tempo no jardim, os três foram para a cozinha, onde Cecilia preparou o café da manhã. Ela montou a mesa com calma, tentando estender aquele momento simples, mas precioso.Fellipo se sentou ao lado do pai dela, enquanto Thor se deitava aos pés da mesa, sempre atento. Eles comeram juntos, conversando sobre trivialidades — ou, melhor, Cecilia e Fellipo conversavam. O pai dela divagava entre memórias confusas e momentos de lucidez, mas, mesmo assim, sorria.— Você gosta de cozinhar, menina? — o pai de Cecilia perguntou, como se não a conhecesse.Ela sorriu com gentileza, já acostumada com as perguntas repetidas.— Gosto, sim, senhor.Ele assentiu, pensativo, depois apontou para Fellipo com a xícara de café.— E esse aí? Seu namorado?Fellipo engasgou com o café, tossindo, enquanto Cecilia ficava vermelha como um tomate.— Ele é meu amigo — ela disse, desviando o olhar.O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho.— Sei.Fellipo limpou a boca com o guardanapo e mudou
Cecilia passou a noite virando de um lado para o outro na cama, com Thor deitado aos pés, respirando pesado no sono tranquilo de quem não carregava o peso de um coração partido.Ela havia preparado o quarto, tomado banho, arrumado os cabelos, na esperança de que Fellipo aparecesse como fazia todas as noites. Mas o tempo passou, e a madrugada engoliu sua expectativa. Quando o sol começou a invadir as frestas da cortina, ela desistiu de lutar contra o cansaço.Por volta das cinco da manhã, o barulho do portão da mansão abriu seus olhos de súbito. Cecilia vestiu uma blusa qualquer e desceu as escadas devagar. A cena que encontrou a fez sentir o estômago revirar.Fellipo atravessava o hall, a camisa branca amassada, marcada por uma mancha de batom vermelho. O cheiro forte de perfume doce e barato impregnava o ar ao redor dele. Os cabelos bagunçados denunciavam uma noite que ele, claramente, não passara sozinho.Ele percebeu a presença dela, mas não levantou o olhar.— Tá acordada cedo — m
Cecilia colocou os fones e deu play na sua playlist de romances favoritos. As melodias suaves e as letras sobre amores que superavam tudo enchiam sua cabeça, criando uma bolha onde ela podia se esconder.Ela caminhou devagar pelas ruas silenciosas ao redor da mansão, com Thor trotando animado ao lado, a língua de fora, como se nada no mundo pudesse abalá-lo. A inocência dele, a felicidade simples de correr atrás de folhas secas e rolar na grama, fazia o peito de Cecilia se apertar ainda mais.Depois de um tempo, ela achou um banco na pequena praça do bairro e se sentou, observando o cachorro brincar com um graveto, balançando o rabo como se tivesse acabado de encontrar o maior tesouro do mundo.Cecilia sorriu, mas era um sorriso triste.Ela olhou para o céu, onde a lua estava cheia e iluminava tudo com uma luz prateada. As músicas continuavam tocando nos fones, e ela se permitiu fechar os olhos por alguns segundos, tentando se transportar para as histórias que ouvia. Para os finais fe