Cecilia guardou o celular sem terminar a mensagem para a clínica. Ela respirou fundo, tentando afastar a culpa que latejava no peito, e decidiu ir até o jardim onde o pai costumava ficar nas tardes mais tranquilas.Thor seguiu animado ao lado dela, mas assim que chegaram perto do banco de madeira sob a grande árvore, o cachorro diminuiu o ritmo, como se entendesse que precisava ser mais delicado. O pai de Cecilia estava sentado, olhando para as flores com um sorriso sereno, os dedos trêmulos acariciando o ar como se quisesse tocá-las de longe.— Papai? — Cecilia chamou baixinho, se aproximando devagar.Ele virou o rosto e, por um instante, o olhar pareceu perdido. Mas, então, ele olhou para Thor e os olhos brilharam de reconhecimento.— É o Thor! — ele disse, rindo. — Aquele grandão desajeitado.Cecilia sorriu, o coração apertado, mas grata pelo momento. Thor, como se soubesse que precisava ser gentil, deitou-se ao lado do banco e enfiou a cabeça sob a mão do pai dela, que começou a f
Depois de passarem um tempo no jardim, os três foram para a cozinha, onde Cecilia preparou o café da manhã. Ela montou a mesa com calma, tentando estender aquele momento simples, mas precioso.Fellipo se sentou ao lado do pai dela, enquanto Thor se deitava aos pés da mesa, sempre atento. Eles comeram juntos, conversando sobre trivialidades — ou, melhor, Cecilia e Fellipo conversavam. O pai dela divagava entre memórias confusas e momentos de lucidez, mas, mesmo assim, sorria.— Você gosta de cozinhar, menina? — o pai de Cecilia perguntou, como se não a conhecesse.Ela sorriu com gentileza, já acostumada com as perguntas repetidas. — Gosto, sim, senhor.Ele assentiu, pensativo, depois apontou para Fellipo com a xícara de café. — E esse aí? Seu namorado?Fellipo engasgou com o café, tossindo, enquanto Cecilia ficava vermelha como um tomate. — Ele é meu amigo — ela disse, desviando o olhar.O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho. — Sei.Fellipo limpou a boca com o guardanapo e m
Depois de passarem um tempo no jardim, os três foram para a cozinha, onde Cecilia preparou o café da manhã. Ela montou a mesa com calma, tentando estender aquele momento simples, mas precioso.Fellipo se sentou ao lado do pai dela, enquanto Thor se deitava aos pés da mesa, sempre atento. Eles comeram juntos, conversando sobre trivialidades — ou, melhor, Cecilia e Fellipo conversavam. O pai dela divagava entre memórias confusas e momentos de lucidez, mas, mesmo assim, sorria.— Você gosta de cozinhar, menina? — o pai de Cecilia perguntou, como se não a conhecesse.Ela sorriu com gentileza, já acostumada com as perguntas repetidas.— Gosto, sim, senhor.Ele assentiu, pensativo, depois apontou para Fellipo com a xícara de café.— E esse aí? Seu namorado?Fellipo engasgou com o café, tossindo, enquanto Cecilia ficava vermelha como um tomate.— Ele é meu amigo — ela disse, desviando o olhar.O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho.— Sei.Fellipo limpou a boca com o guardanapo e mudou
Cecilia passou a noite virando de um lado para o outro na cama, com Thor deitado aos pés, respirando pesado no sono tranquilo de quem não carregava o peso de um coração partido.Ela havia preparado o quarto, tomado banho, arrumado os cabelos, na esperança de que Fellipo aparecesse como fazia todas as noites. Mas o tempo passou, e a madrugada engoliu sua expectativa. Quando o sol começou a invadir as frestas da cortina, ela desistiu de lutar contra o cansaço.Por volta das cinco da manhã, o barulho do portão da mansão abriu seus olhos de súbito. Cecilia vestiu uma blusa qualquer e desceu as escadas devagar. A cena que encontrou a fez sentir o estômago revirar.Fellipo atravessava o hall, a camisa branca amassada, marcada por uma mancha de batom vermelho. O cheiro forte de perfume doce e barato impregnava o ar ao redor dele. Os cabelos bagunçados denunciavam uma noite que ele, claramente, não passara sozinho.Ele percebeu a presença dela, mas não levantou o olhar.— Tá acordada cedo — m
Cecilia colocou os fones e deu play na sua playlist de romances favoritos. As melodias suaves e as letras sobre amores que superavam tudo enchiam sua cabeça, criando uma bolha onde ela podia se esconder.Ela caminhou devagar pelas ruas silenciosas ao redor da mansão, com Thor trotando animado ao lado, a língua de fora, como se nada no mundo pudesse abalá-lo. A inocência dele, a felicidade simples de correr atrás de folhas secas e rolar na grama, fazia o peito de Cecilia se apertar ainda mais.Depois de um tempo, ela achou um banco na pequena praça do bairro e se sentou, observando o cachorro brincar com um graveto, balançando o rabo como se tivesse acabado de encontrar o maior tesouro do mundo.Cecilia sorriu, mas era um sorriso triste.Ela olhou para o céu, onde a lua estava cheia e iluminava tudo com uma luz prateada. As músicas continuavam tocando nos fones, e ela se permitiu fechar os olhos por alguns segundos, tentando se transportar para as histórias que ouvia. Para os finais fe
Os dias se transformaram em semanas, e a ausência de Fellipo virou parte da rotina de Cecilia. Ele não aparecia mais à noite, não a esperava depois do expediente, e quando se cruzavam — raramente — ele desviava o olhar como se ela fosse invisível.A única coisa que ela sabia sobre ele vinha pela enfermeira do pai.— Ele tentou brincar com Thor quando veio ver o senhor Pietro — contou a mulher, enquanto preparava o chá do senhor. — Mas o cachorro rosnou tão feio que achei que ia atacar.Cecilia suspirou, acariciando as orelhas de Thor, que descansava com a cabeça no colo dela.— Depois converso com ele — murmurou, porque sabia que Fellipo amava aquele cachorro.Mas ela nunca conversava.Sempre adiava, como se enfrentar isso significasse reabrir a ferida que ela lutava para cicatrizar.Em vez disso, mergulhava no trabalho. Ela e Samara finalmente terminaram a decoração do quarto do bebê — um ambiente aconchegante, com tons suaves e uma poltrona onde Samara já imaginava passar horas emb
Fellipo ficou parado no jardim, os punhos cerrados nos bolsos do jeans, sentindo o sangue ferver enquanto observava Cecilia se afastar com Fernando.Ela ria de algo que Fernando disse, os ombros relaxados, como se aquele pequeno passeio fosse o ponto alto do dia dela. E Thor, o cachorro que costumava ser grudado nele, trotava feliz ao lado de Fernando, abanando o rabo como se ele fosse o dono.Era ridículo.Fellipo passou as mãos pelos cabelos, tentando conter o impulso de atravessar o portão e arrancar Fernando dali.Mas ele sabia que não tinha esse direito.Ele quem criou a distância. Ele quem a machucou. foi para o bem dela mesmo que agora ela não entendesse.E agora ela estava construindo uma muralha que ele talvez nunca mais conseguisse escalar. Enquanto isso, no mercado...Cecilia escolhia frutas, tentando se concentrar no que precisava para a mansão, mas a presença de Fellipo ainda pesava no peito.— Vai me contar o que tá rolando ou vou ter que arrancar à força? — Fe
Já faz mais de uma semana que estou me afastando da Cecilia, e a cada dia que passa, abro uma ferida nova em mim. Sei que nela também. Cada vez que vejo os olhos dela evitarem os meus, sinto como se estivesse arrancando pedaços do próprio peito.Mas é melhor assim.Antes que o Dom tome as dores dela. Antes que a Samara me olhe com aquele desprezo silencioso que fere mais do que um soco.Antes que eu destrua a Cecilia do mesmo jeito que meu pai destruiu minha mãe.Sei que vou traí-la. Sei que não vou conseguir ser fiel, porque o sangue doente do meu pai corre nas minhas veias.E só de lembrar do sofrimento da minha mãe...Lembro dela no quarto, chorando baixinho, as mãos trêmulas alisando o vestido para esconder a barriga que ela achava grande demais. Porque ele tinha dito:"Você tá ficando gorda."Ou penteando o cabelo com tanta força que arrancava fios, porque ele falou:"Esse cabelo tá horrível."Ela foi se apagando, se encolhendo, até virar uma sombra.E eu jurei que nunca seria co