Cecilia colocou os fones e deu play na sua playlist de romances favoritos. As melodias suaves e as letras sobre amores que superavam tudo enchiam sua cabeça, criando uma bolha onde ela podia se esconder.Ela caminhou devagar pelas ruas silenciosas ao redor da mansão, com Thor trotando animado ao lado, a língua de fora, como se nada no mundo pudesse abalá-lo. A inocência dele, a felicidade simples de correr atrás de folhas secas e rolar na grama, fazia o peito de Cecilia se apertar ainda mais.Depois de um tempo, ela achou um banco na pequena praça do bairro e se sentou, observando o cachorro brincar com um graveto, balançando o rabo como se tivesse acabado de encontrar o maior tesouro do mundo.Cecilia sorriu, mas era um sorriso triste.Ela olhou para o céu, onde a lua estava cheia e iluminava tudo com uma luz prateada. As músicas continuavam tocando nos fones, e ela se permitiu fechar os olhos por alguns segundos, tentando se transportar para as histórias que ouvia. Para os finais fe
Os dias se transformaram em semanas, e a ausência de Fellipo virou parte da rotina de Cecilia. Ele não aparecia mais à noite, não a esperava depois do expediente, e quando se cruzavam — raramente — ele desviava o olhar como se ela fosse invisível.A única coisa que ela sabia sobre ele vinha pela enfermeira do pai.— Ele tentou brincar com Thor quando veio ver o senhor Pietro — contou a mulher, enquanto preparava o chá do senhor. — Mas o cachorro rosnou tão feio que achei que ia atacar.Cecilia suspirou, acariciando as orelhas de Thor, que descansava com a cabeça no colo dela.— Depois converso com ele — murmurou, porque sabia que Fellipo amava aquele cachorro.Mas ela nunca conversava.Sempre adiava, como se enfrentar isso significasse reabrir a ferida que ela lutava para cicatrizar.Em vez disso, mergulhava no trabalho. Ela e Samara finalmente terminaram a decoração do quarto do bebê — um ambiente aconchegante, com tons suaves e uma poltrona onde Samara já imaginava passar horas emb
Fellipo ficou parado no jardim, os punhos cerrados nos bolsos do jeans, sentindo o sangue ferver enquanto observava Cecilia se afastar com Fernando.Ela ria de algo que Fernando disse, os ombros relaxados, como se aquele pequeno passeio fosse o ponto alto do dia dela. E Thor, o cachorro que costumava ser grudado nele, trotava feliz ao lado de Fernando, abanando o rabo como se ele fosse o dono.Era ridículo.Fellipo passou as mãos pelos cabelos, tentando conter o impulso de atravessar o portão e arrancar Fernando dali.Mas ele sabia que não tinha esse direito.Ele quem criou a distância. Ele quem a machucou. foi para o bem dela mesmo que agora ela não entendesse.E agora ela estava construindo uma muralha que ele talvez nunca mais conseguisse escalar. Enquanto isso, no mercado...Cecilia escolhia frutas, tentando se concentrar no que precisava para a mansão, mas a presença de Fellipo ainda pesava no peito.— Vai me contar o que tá rolando ou vou ter que arrancar à força? — Fe
Já faz mais de uma semana que estou me afastando da Cecilia, e a cada dia que passa, abro uma ferida nova em mim. Sei que nela também. Cada vez que vejo os olhos dela evitarem os meus, sinto como se estivesse arrancando pedaços do próprio peito.Mas é melhor assim.Antes que o Dom tome as dores dela. Antes que a Samara me olhe com aquele desprezo silencioso que fere mais do que um soco.Antes que eu destrua a Cecilia do mesmo jeito que meu pai destruiu minha mãe.Sei que vou traí-la. Sei que não vou conseguir ser fiel, porque o sangue doente do meu pai corre nas minhas veias.E só de lembrar do sofrimento da minha mãe...Lembro dela no quarto, chorando baixinho, as mãos trêmulas alisando o vestido para esconder a barriga que ela achava grande demais. Porque ele tinha dito:"Você tá ficando gorda."Ou penteando o cabelo com tanta força que arrancava fios, porque ele falou:"Esse cabelo tá horrível."Ela foi se apagando, se encolhendo, até virar uma sombra.E eu jurei que nunca seria co
Saí da mansão e fui para as ruas.Caçei qualquer desgraçado que estivesse devendo para a Trindade, qualquer verme que pudesse me dar uma desculpa para descontar a raiva que estava me consumindo por dentro.Encontrei dois traficantes que deviam meses para o Dom. Não dei chance para eles falarem nada. Só parti para cima, com os punhos e a violência transbordando pelos poros.Eu queria sentir dor.Queria apagar Cecilia da minha cabeça nem que fosse à base de sangue.A cada soco, eu pensava nela.A cada chute, eu via o sorriso dela.E quanto mais eu batia, mais a imagem dela se misturava com os gritos.Ela, rindo.Ela, me olhando com ternura.Ela, gemendo meu nome.Ela, correndo de mim.Quando terminei, estava coberto de sangue — dos outros e meu.Joguei os corpos no rio, voltei para o galpão e me tranquei no escritório.Mas não adiantou.O cheiro de sangue não apagou o cheiro dela que estava impregnado na minha pele.Eu não consegui arrancar ela de mim.E, no silêncio da madrugada, quand
O sol já estava alto quando Fellipo finalmente se levantou do sofá. A cabeça latejava, o corpo pesado, e o gosto amargo do uísque ainda estava na boca.Ele foi até a pia, jogou água no rosto e se encarou no espelho.Olhos vermelhos. O maxilar travado.Parecia um fantasma.Pegou o celular e viu as notificações: nenhuma mensagem de Cecilia.Ela realmente tinha desistido dele.Ele apertou o aparelho com força, os nós dos dedos ficando brancos. Parte dele queria que ela mandasse pelo menos um insulto, que gritasse com ele, que o xingasse por tudo que fez.Mas ela estava em silêncio.E isso doía mais do que qualquer coisa.Ele saiu do apartamento, sem se importar com a ressaca, e foi direto para o galpão da máfia.Passou o dia inteiro espancando quem devia para a Trindade, descontando toda a raiva acumulada. Quando a noite caiu, ele estava coberto de sangue — nenhum dele próprio.Mas a dor interna ainda estava lá.Fellipo dirigiu sem rumo pela cidade, até que, por reflexo, parou na frente
Fellipo virou uma máquina de destruição.Qualquer missão, qualquer problema, qualquer ameaça que surgisse, ele era o primeiro a se voluntariar montar as equipes e sair para a missão. Não importava o nível de risco, não importava se ele saía inteiro ou não. Na verdade, parecia que ele procurava ser machucado, como se cada ferimento fosse uma punição que ele achava merecer.Fernando já tinha costurado o braço dele três vezes. E, na última, perdeu a paciência.— Por que você não se mata de uma vez, então? que porra nós estamos aqui — gritou, jogando a gaze ensanguentada no chão do galpão. — Porque, do jeito que tá indo, é questão de tempo!Fellipo riu, mas o riso foi vazio.— Que dramático, Fernando.— Dramático é você se enfiar na linha de tiro como se fosse de ferro! — Fernando estava vermelho de raiva. — Você acha que eu não sei que isso é por causa da Cecilia? Porque é óbvio! e não adianta negar .O nome dela bateu como um soco.Fellipo desviou o olhar, mordendo o lábio até sentir g
Nos dias seguintes, Fellipo virou uma sombra do que já foi.Ele saía para as missões mais brutais, caçando qualquer um que ousasse atravessar o caminho da Trindade. Se não houvesse inimigos suficientes, ele inventava. Se não houvesse sangue para derramar, ele provocava até que houvesse.Fernando teve que costurar Fellipo mais vezes, cada corte mais profundo que o outro.— Qual é o seu problema? — Fernando explodiu uma noite, jogando a agulha na mesa com raiva. — Tá difícil se matar?Fellipo só riu, com o cigarro pendurado no canto da boca e o sangue escorrendo pelo braço.— Eu tô me mantendo vivo — respondeu, com uma expressão vazia. — Do meu jeito. por que assim eu penso menos.Ele não voltava mais para a mansão só as vezes ou no café da manhã ou almoço pegava sua dose diária do perfume dela eia embora. Ficava no apartamento imundo, bebendo até desmaiar, acordando com pesadelos da mãe chorando no banheiro, as palavras cruéis do pai ecoando na mente dele.E, mesmo assim, o pior de tu