CAP-4

Naquela noite, depois de colocar o pai para dormir e conferir se Thor estava tranquilo aos pés da cama, Cecilia se recolheu ao quarto. O cansaço pesava nos ombros, mas a mente girava sem parar — revivendo cada palavra dita pelo pai, cada olhar silencioso que Fellipo lançava para ela.

Ela se deitou, abraçada ao travesseiro, tentando se convencer de que estava tudo bem. Que ela era forte. Que conseguia carregar aquele fardo sozinha. Mas, antes que o sono a vencesse, ouviu três batidas suaves na porta.

Era sempre assim.

Cecilia levantou, o coração acelerado, e abriu a porta. Fellipo estava lá, com a postura descontraída de sempre, mas os olhos escuros denunciavam algo mais profundo. Ele não disse nada — apenas segurou o rosto dela com uma mão firme, puxando-a para um beijo intenso, como se aquilo fosse a única maneira de dizer o que sentia.

Depois, abaixou-se para acariciar Thor, que já o conhecia o suficiente para abanar o rabo, satisfeito. Só depois disso, Fellipo entrou, sentando-se no sofá com o corpo jogado para trás, as pernas abertas e o olhar cravado nela.

Ele a observava em silêncio, como se quisesse decifrá-la. Cecilia, ainda com a respiração descompassada pelo beijo, ficou na outra ponta do sofá, abraçando os próprios joelhos, sem saber o que dizer. Era sempre assim — eles se procuravam, se tocavam, mas nunca falavam sobre o que aquilo significava.

Mas, naquela noite, algo estava diferente.

Fellipo não aguentou ficar longe dela. Se moveu, puxando-a para o colo sem esforço, como se ela fosse feita para estar ali. Cecilia se aninhou contra o peito dele, sentindo o cheiro amadeirado do perfume, o calor da pele, e, pela primeira vez no dia, conseguiu respirar fundo.

Ele não perguntou se ela estava bem. Ele sabia que não estava. Então, ao invés de palavras, ele ofereceu presença — beijou cada pedaço dela, com uma intensidade que misturava desejo e cuidado, como se quisesse apagar todas as dores do dia com o próprio corpo.

Cecilia se entregou. E naquela entrega, encontrou um tipo de consolo que só Fellipo sabia dar. A maneira como ele a tocava, a forma como ele a fazia gemer sem se importar se alguém ouviria, era quase desesperada — como se, no fundo, ele precisasse dela tanto quanto ela precisava dele.

Quando tudo acabou, Cecilia deitou no peito dele, o coração ainda batendo rápido, mas agora de outro jeito. Não era mais só pelo prazer — era pela sensação de segurança que invadia seu corpo sempre que ele estava ali. Como se, nos braços de Fellipo, o peso do mundo se tornasse um pouco mais suportável.

O quarto estava escuro, iluminado apenas pela luz suave que escapava pela fresta da porta. A respiração de Fellipo era calma, e ele passava os dedos pelos cabelos dela com movimentos lentos, quase hipnóticos. Cecilia sentia-se pequena contra ele, como se pudesse desaparecer naquele calor que ele emanava.

Ela fechou os olhos, tentando se agarrar à paz momentânea. Mas a mente ainda zumbia com a cena do jardim — o olhar vazio do pai, a pergunta que a dilacerou: “Quem é você?”

Foi então que Fellipo quebrou o silêncio.

— Seu pai lembra de você — ele disse, a voz rouca cortando o ar como uma lâmina.

Cecilia abriu os olhos, o coração dando um salto no peito. Ela ergueu a cabeça para olhar para ele, as sobrancelhas franzidas.

— O quê? — murmurou, a voz quase sumindo.

Ele manteve o olhar fixo no teto, a mandíbula tensa, como se estivesse lutando contra as próprias palavras.

— Se ele não te reconhecesse, de verdade, ele seria agressivo — explicou, apertando levemente o abraço. — Alzheimer faz isso. A pessoa se sente ameaçada por estranhos, reage com medo ou raiva. Mas ele nunca te trata assim, não é?

Cecilia sentiu um nó se formar na garganta. Não... nunca. Nos piores dias, quando o pai não sabia quem ela era, ele ainda aceitava seus cuidados. Nunca gritou, nunca afastou suas mãos, nunca recusou o carinho dela.

— Não se esquece quem ama — Fellipo completou, num sussurro quase imperceptível.

Depois disso, ele voltou a ficar calado, os dedos deslizando pelo cabelo dela com a mesma paciência de antes. Mas aquelas palavras ficaram ecoando dentro de Cecilia como um trovão.

Ela se desfez, as lágrimas vieram sem controle. Enterrou o rosto no peito dele e chorou baixinho, deixando toda a dor, o cansaço e o alívio escorrerem ao mesmo tempo. Fellipo não disse nada — apenas a segurou mais forte, como se a abraçasse por dentro também.

E, naquele instante, Cecilia percebeu que talvez ele entendesse suas dores mais do que ela imaginava. Talvez Fellipo soubesse o que era amar alguém de maneira incondicional, mesmo que nunca falasse sobre isso.

Ela não agradeceu. Não precisava. Porque, pela primeira vez, ela sentiu que ele estava ali não só pelo desejo — mas porque, de alguma forma, ele queria ser o porto seguro dela.

E isso a assustava tanto quanto a confortava.

Ele não foi embora. Ficou com ela, acariciando seus cabelos até que o sono finalmente a vencesse. E, enquanto Cecilia adormecia, não viu que Fellipo a observava com um olhar que misturava desejo, culpa e algo que ele se recusava a nomear — porque admitir que estava se apaixonando seria assumir que, um dia, poderia perdê-la.

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