Naquela noite, depois de colocar o pai para dormir e conferir se Thor estava tranquilo aos pés da cama, Cecilia se recolheu ao quarto. O cansaço pesava nos ombros, mas a mente girava sem parar — revivendo cada palavra dita pelo pai, cada olhar silencioso que Fellipo lançava para ela.
Ela se deitou, abraçada ao travesseiro, tentando se convencer de que estava tudo bem. Que ela era forte. Que conseguia carregar aquele fardo sozinha. Mas, antes que o sono a vencesse, ouviu três batidas suaves na porta.
Era sempre assim.
Cecilia levantou, o coração acelerado, e abriu a porta. Fellipo estava lá, com a postura descontraída de sempre, mas os olhos escuros denunciavam algo mais profundo. Ele não disse nada — apenas segurou o rosto dela com uma mão firme, puxando-a para um beijo intenso, como se aquilo fosse a única maneira de dizer o que sentia.
Depois, abaixou-se para acariciar Thor, que já o conhecia o suficiente para abanar o rabo, satisfeito. Só depois disso, Fellipo entrou, sentando-se no sofá com o corpo jogado para trás, as pernas abertas e o olhar cravado nela.
Ele a observava em silêncio, como se quisesse decifrá-la. Cecilia, ainda com a respiração descompassada pelo beijo, ficou na outra ponta do sofá, abraçando os próprios joelhos, sem saber o que dizer. Era sempre assim — eles se procuravam, se tocavam, mas nunca falavam sobre o que aquilo significava.
Mas, naquela noite, algo estava diferente.
Fellipo não aguentou ficar longe dela. Se moveu, puxando-a para o colo sem esforço, como se ela fosse feita para estar ali. Cecilia se aninhou contra o peito dele, sentindo o cheiro amadeirado do perfume, o calor da pele, e, pela primeira vez no dia, conseguiu respirar fundo.
Ele não perguntou se ela estava bem. Ele sabia que não estava. Então, ao invés de palavras, ele ofereceu presença — beijou cada pedaço dela, com uma intensidade que misturava desejo e cuidado, como se quisesse apagar todas as dores do dia com o próprio corpo.
Cecilia se entregou. E naquela entrega, encontrou um tipo de consolo que só Fellipo sabia dar. A maneira como ele a tocava, a forma como ele a fazia gemer sem se importar se alguém ouviria, era quase desesperada — como se, no fundo, ele precisasse dela tanto quanto ela precisava dele.
Quando tudo acabou, Cecilia deitou no peito dele, o coração ainda batendo rápido, mas agora de outro jeito. Não era mais só pelo prazer — era pela sensação de segurança que invadia seu corpo sempre que ele estava ali. Como se, nos braços de Fellipo, o peso do mundo se tornasse um pouco mais suportável.
O quarto estava escuro, iluminado apenas pela luz suave que escapava pela fresta da porta. A respiração de Fellipo era calma, e ele passava os dedos pelos cabelos dela com movimentos lentos, quase hipnóticos. Cecilia sentia-se pequena contra ele, como se pudesse desaparecer naquele calor que ele emanava.
Ela fechou os olhos, tentando se agarrar à paz momentânea. Mas a mente ainda zumbia com a cena do jardim — o olhar vazio do pai, a pergunta que a dilacerou: “Quem é você?”
Foi então que Fellipo quebrou o silêncio.
— Seu pai lembra de você — ele disse, a voz rouca cortando o ar como uma lâmina.
Cecilia abriu os olhos, o coração dando um salto no peito. Ela ergueu a cabeça para olhar para ele, as sobrancelhas franzidas.
— O quê? — murmurou, a voz quase sumindo.Ele manteve o olhar fixo no teto, a mandíbula tensa, como se estivesse lutando contra as próprias palavras.
— Se ele não te reconhecesse, de verdade, ele seria agressivo — explicou, apertando levemente o abraço. — Alzheimer faz isso. A pessoa se sente ameaçada por estranhos, reage com medo ou raiva. Mas ele nunca te trata assim, não é?Cecilia sentiu um nó se formar na garganta. Não... nunca. Nos piores dias, quando o pai não sabia quem ela era, ele ainda aceitava seus cuidados. Nunca gritou, nunca afastou suas mãos, nunca recusou o carinho dela.
— Não se esquece quem ama — Fellipo completou, num sussurro quase imperceptível.
Depois disso, ele voltou a ficar calado, os dedos deslizando pelo cabelo dela com a mesma paciência de antes. Mas aquelas palavras ficaram ecoando dentro de Cecilia como um trovão.
Ela se desfez, as lágrimas vieram sem controle. Enterrou o rosto no peito dele e chorou baixinho, deixando toda a dor, o cansaço e o alívio escorrerem ao mesmo tempo. Fellipo não disse nada — apenas a segurou mais forte, como se a abraçasse por dentro também.
E, naquele instante, Cecilia percebeu que talvez ele entendesse suas dores mais do que ela imaginava. Talvez Fellipo soubesse o que era amar alguém de maneira incondicional, mesmo que nunca falasse sobre isso.
Ela não agradeceu. Não precisava. Porque, pela primeira vez, ela sentiu que ele estava ali não só pelo desejo — mas porque, de alguma forma, ele queria ser o porto seguro dela.
E isso a assustava tanto quanto a confortava.
Ele não foi embora. Ficou com ela, acariciando seus cabelos até que o sono finalmente a vencesse. E, enquanto Cecilia adormecia, não viu que Fellipo a observava com um olhar que misturava desejo, culpa e algo que ele se recusava a nomear — porque admitir que estava se apaixonando seria assumir que, um dia, poderia perdê-la.
Depois de um tempo, os soluços de Cecilia foram diminuindo, e o corpo dela relaxou nos meus braços. O peito dele subia e descia devagar, como se quisesse ditar o ritmo para que ela se acalmasse.Ela ficou ali, de olhos fechados, sentindo o calor dele contra a pele. A mão de Fellipo continuava a deslizar pelos fios do cabelo dela com uma delicadeza que contrastava com a brutalidade que ele mostrava para o mundo ela tinha dormido no seu peito mais uma vez. Era como se, com ela, ele pudesse se permitir ser outra coisa. ela já tinha acordado fazia 4 minutos mais ele não a tirou do seu peito e quando ela falou :— Você deve me achar fraca — Cecilia sussurrou, quebrando o silêncio.Fellipo parou de acariciar o cabelo dela por um instante, mas logo retomou o movimento.— Fraca? — ele repetiu, com um tom de descrença. — Você segura o peso de duas vidas sozinha, Cecilia. Não tem nada de fraca nisso.Ela mordeu o lábio, sentindo as lágrimas voltarem a ameaçar cair.— Mas às vezes eu só queria..
Depois que tudo estava organizado e todos trabalhado, Cecilia ficou sentada por um tempo, olhando para o jardins. O peito ainda estava apertado, como se as palavras dele estivessem presas na pele dela. "Eu tô aqui." Mas até quando? A promessa parecia grande demais para quem se recusava a assumir o que sentiam.Mais tarde, Cecilia foi até o quarto de Samara. Assim que a amiga abriu a porta e viu o rosto cansado dela, não hesitou em puxá-la para dentro.— O que aconteceu? — Samara perguntou, fechando a porta e guiando Cecilia até a cama.Cecilia sentou-se, passando as mãos pelo rosto.— Eu não sei mais o que fazer com o Fellipo — confessou, a voz embargada. — Ele é tão... confuso. Parece que se importa, mas ao mesmo tempo foge de mim como se eu fosse algum tipo de ameaça.Samara franziu a testa, sentando-se de frente para ela.— Ele te trata mal? — perguntou, já com aquele tom protetor que Cecilia conhecia bem.— Não... é o contrário, na verdade — Cecilia murmurou, encarando as próprias
Cecilia guardou o celular sem terminar a mensagem para a clínica. Ela respirou fundo, tentando afastar a culpa que latejava no peito, e decidiu ir até o jardim onde o pai costumava ficar nas tardes mais tranquilas.Thor seguiu animado ao lado dela, mas assim que chegaram perto do banco de madeira sob a grande árvore, o cachorro diminuiu o ritmo, como se entendesse que precisava ser mais delicado. O pai de Cecilia estava sentado, olhando para as flores com um sorriso sereno, os dedos trêmulos acariciando o ar como se quisesse tocá-las de longe.— Papai? — Cecilia chamou baixinho, se aproximando devagar.Ele virou o rosto e, por um instante, o olhar pareceu perdido. Mas, então, ele olhou para Thor e os olhos brilharam de reconhecimento.— É o Thor! — ele disse, rindo. — Aquele grandão desajeitado.Cecilia sorriu, o coração apertado, mas grata pelo momento. Thor, como se soubesse que precisava ser gentil, deitou-se ao lado do banco e enfiou a cabeça sob a mão do pai dela, que começou a f
Depois de passarem um tempo no jardim, os três foram para a cozinha, onde Cecilia preparou o café da manhã. Ela montou a mesa com calma, tentando estender aquele momento simples, mas precioso.Fellipo se sentou ao lado do pai dela, enquanto Thor se deitava aos pés da mesa, sempre atento. Eles comeram juntos, conversando sobre trivialidades — ou, melhor, Cecilia e Fellipo conversavam. O pai dela divagava entre memórias confusas e momentos de lucidez, mas, mesmo assim, sorria.— Você gosta de cozinhar, menina? — o pai de Cecilia perguntou, como se não a conhecesse.Ela sorriu com gentileza, já acostumada com as perguntas repetidas. — Gosto, sim, senhor.Ele assentiu, pensativo, depois apontou para Fellipo com a xícara de café. — E esse aí? Seu namorado?Fellipo engasgou com o café, tossindo, enquanto Cecilia ficava vermelha como um tomate. — Ele é meu amigo — ela disse, desviando o olhar.O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho. — Sei.Fellipo limpou a boca com o guardanapo e m
Depois de passarem um tempo no jardim, os três foram para a cozinha, onde Cecilia preparou o café da manhã. Ela montou a mesa com calma, tentando estender aquele momento simples, mas precioso.Fellipo se sentou ao lado do pai dela, enquanto Thor se deitava aos pés da mesa, sempre atento. Eles comeram juntos, conversando sobre trivialidades — ou, melhor, Cecilia e Fellipo conversavam. O pai dela divagava entre memórias confusas e momentos de lucidez, mas, mesmo assim, sorria.— Você gosta de cozinhar, menina? — o pai de Cecilia perguntou, como se não a conhecesse.Ela sorriu com gentileza, já acostumada com as perguntas repetidas.— Gosto, sim, senhor.Ele assentiu, pensativo, depois apontou para Fellipo com a xícara de café.— E esse aí? Seu namorado?Fellipo engasgou com o café, tossindo, enquanto Cecilia ficava vermelha como um tomate.— Ele é meu amigo — ela disse, desviando o olhar.O pai dela balançou a cabeça, rindo baixinho.— Sei.Fellipo limpou a boca com o guardanapo e mudou
Cecilia passou a noite virando de um lado para o outro na cama, com Thor deitado aos pés, respirando pesado no sono tranquilo de quem não carregava o peso de um coração partido.Ela havia preparado o quarto, tomado banho, arrumado os cabelos, na esperança de que Fellipo aparecesse como fazia todas as noites. Mas o tempo passou, e a madrugada engoliu sua expectativa. Quando o sol começou a invadir as frestas da cortina, ela desistiu de lutar contra o cansaço.Por volta das cinco da manhã, o barulho do portão da mansão abriu seus olhos de súbito. Cecilia vestiu uma blusa qualquer e desceu as escadas devagar. A cena que encontrou a fez sentir o estômago revirar.Fellipo atravessava o hall, a camisa branca amassada, marcada por uma mancha de batom vermelho. O cheiro forte de perfume doce e barato impregnava o ar ao redor dele. Os cabelos bagunçados denunciavam uma noite que ele, claramente, não passara sozinho.Ele percebeu a presença dela, mas não levantou o olhar.— Tá acordada cedo — m
Cecilia colocou os fones e deu play na sua playlist de romances favoritos. As melodias suaves e as letras sobre amores que superavam tudo enchiam sua cabeça, criando uma bolha onde ela podia se esconder.Ela caminhou devagar pelas ruas silenciosas ao redor da mansão, com Thor trotando animado ao lado, a língua de fora, como se nada no mundo pudesse abalá-lo. A inocência dele, a felicidade simples de correr atrás de folhas secas e rolar na grama, fazia o peito de Cecilia se apertar ainda mais.Depois de um tempo, ela achou um banco na pequena praça do bairro e se sentou, observando o cachorro brincar com um graveto, balançando o rabo como se tivesse acabado de encontrar o maior tesouro do mundo.Cecilia sorriu, mas era um sorriso triste.Ela olhou para o céu, onde a lua estava cheia e iluminava tudo com uma luz prateada. As músicas continuavam tocando nos fones, e ela se permitiu fechar os olhos por alguns segundos, tentando se transportar para as histórias que ouvia. Para os finais fe
Os dias se transformaram em semanas, e a ausência de Fellipo virou parte da rotina de Cecilia. Ele não aparecia mais à noite, não a esperava depois do expediente, e quando se cruzavam — raramente — ele desviava o olhar como se ela fosse invisível.A única coisa que ela sabia sobre ele vinha pela enfermeira do pai.— Ele tentou brincar com Thor quando veio ver o senhor Pietro — contou a mulher, enquanto preparava o chá do senhor. — Mas o cachorro rosnou tão feio que achei que ia atacar.Cecilia suspirou, acariciando as orelhas de Thor, que descansava com a cabeça no colo dela.— Depois converso com ele — murmurou, porque sabia que Fellipo amava aquele cachorro.Mas ela nunca conversava.Sempre adiava, como se enfrentar isso significasse reabrir a ferida que ela lutava para cicatrizar.Em vez disso, mergulhava no trabalho. Ela e Samara finalmente terminaram a decoração do quarto do bebê — um ambiente aconchegante, com tons suaves e uma poltrona onde Samara já imaginava passar horas emb