Um

ENRICO

Fui criado em meio à escuridão. Tudo à minha volta sempre foi negro, sombrio, cheirava a morte. Ainda pequeno, aprendi que um Ferri não chora feito mulherzinha. Que um Ferri domina e não é dominado. Que homens que servem a famiglia Mancinni, protegem os seus, se necessário for, com a própria vida.

Aos dez anos, a tortura e a morte me foram apresentadas.

Fui ao porão da minha casa pegar minhas armas de brinquedo, eu tinha várias delas. Como disse, meu mundo sempre foi escuro, esse era o tipo de presente que ganhava em meu aniversário e datas comemorativas. Junto com o presente, sempre vinha uma constatação. "Um dia você vai ter uma de verdade".

Ao chegar no porão, vi um homem sentado em uma cadeira, ele estava amarrado e sendo torturado pelo meu pai. Aquela imagem não me deu medo. Uma criança "normal" teria fugido, mas eu fiquei fascinado com o que via. Cada dedo do homem que meu pai cortava, me deixava ainda mais aficionado.

Não foi nem uma, nem duas vezes que vi meu pai com as mãos e a roupa suja de sangue, diversas vezes ele chegava em casa assim. Portanto, ver o sangue jorrando daquele homem não me causou estranheza.

Quando notou minha presença, meu pai sorriu e deu o golpe final. Com a espada arrancou a cabeça do homem que estava praticamente morto, devido aos seus ferimentos. Ele limpou suas mãos em um pano branco que não tirou todo o sangue, depois pediu para que eu me aproximasse. Se abaixou, ficando da minha altura, olhou nos meus olhos com sua seriedade de sempre e disse: “É isso que um Ferri faz com aqueles que traem a famiglia, os Mancinni, a nossa famiglia”.

Ter a lembrança desse dia, reforça o quanto Don Guiseppe foi complacente com meu pai quando ele foi acusado de traição. Qualquer outro não teria sobrevivido.

Minha alma é escura. Sombria.

Um dia cheguei a pensar que encontrei a luz em meio à tanta escuridão. Cheguei a acreditar que aquela garota de olhos cor de mel, corpo magro e cabelos castanhos, era minha luz. Minha, porra!

Estar com ela fazia meus dias serem mais leves. Contemplar sua beleza e sua alegria, me dava a falsa sensação de viver em outro mundo, um mundo onde havia somente ela e eu.

Sempre foi assim. Quando Nina nasceu, tudo mudou. Senti a necessidade de a proteger. Tinha um pouco mais de três anos a primeira vez que vi aqueles olhos que me encantaram. Todos diziam que eu cuidava dela mais do que seus irmãos, isso causava ciúme neles. Os meninos  e eu fomos criados juntos, éramos muito mais do que amigos, nos tratávamos como irmãos.

Nina era minha irmãzinha, alguém que precisava de mim, da minha proteção.

De repente, o amor puro que sentia por ela mudou. Me recriminei muito por não mais vê-la como uma irmã que eu amava e protegia. Passei a desejar beijar sua boca, andar de mãos dadas e dizer para todos que ela era minha namorada. Minha.

Nina era apenas uma garota, uma criança. Me transformei em um fodido de um pervertido.

Esse sentimento se apossou de mim quando eu tinha quatorze anos e ela apenas dez. Tentei esquecê-la. Passei a frequentar o clube da família com o Enzo. Nós dois temos a mesma idade, nossos pais nos apresentaram o sexo, nos dando de presente uma das garotas do clube.

Cada passo que eu dava com aquela mulher em direção ao quarto, me fazia me sentir um traidor do caralho. Era como eu estivesse a traindo. Porém estava determinado a fazer o que tinha que ser feito. Me tornar homem e, de uma vez por todas, tirá-la dos meus pensamentos. Apesar de ter apenas quatorze anos, me sentia um pedófilo, e isso fodia minha cabeça.

Depois da minha iniciação no sexo, fodi várias mulheres. Passei evitar a mansão, não conseguia mais olhar para Nina, sem me sentir culpado. Durante anos a vi se desabrochando, ficando cada vez mais linda. Minha mente doentia via sentimentos em seus olhos. Minhas tentativas de boicotar meus sentimentos por ela, eram inúteis. Podia foder com quantas mulheres fossem, mas nenhuma fazia meu coração acelerar como ela.

Nina me envolveu em sua teia, me deixou com a guarda baixa. Sua feição angelical funcionou como uma armadilha para me aprisionar. Fiquei preso, estou preso até hoje. Por motivos diferentes, mas estou.

Quando toquei seus lábios pela primeira vez, foi a minha perdição. Quando a fiz minha, foi a minha morte.

A luz que fazia minha alma menos escura, se apagou no momento que descobri sua verdadeira face. Descobri que Nina é uma diaba disfarçada de anjo. Ela me fez acreditar que eu não era o monstro que eu pensava ser. Que eu não era apenas um homem que matava. Um homem que, aos dezesseis anos, executou sua primeira vítima com requintes de crueldade, e sentiu prazer nisso.

Um soldado sempre pronto para o fronte.

Meu coração foi partido, estraçalhado. Foram anos de sentimentos jogados no lixo. Dor e decepção, foi o que recebi depois de tantos anos de dedicação. Dedicação à porra de um sentimento que só serve para foder com a gente. "Um Ferri não chora". Esse ensinamento que ouvi toda minha infância não serviu de nada. Foram dias pranteando escondido, no silêncio do meu quarto.

Foram noites em que as lembranças do amor que eu sentia e a decepção de ser abandonado se misturavam. Até o dia que dei um basta. Eu era um Ferri, soldado da famiglia Mancinni. A maior máfia da Itália, com ramificações por vários países. A dor e a decepção foram substituídas pelo ódio. Prometi a mim mesmo que um dia ela pagaria. Hoje sou um homem respeitado, Capo da minha famiglia, homem de confiança do Don Lorenzo.

O monstro em mim tomou força depois que a luz se apagou. Sou conhecido como Cruel, minha fama se espalhou por toda a máfia.

Todos me temem.

Aniquilar com um tiro é pouco para mim. Gosto de ver minha vítima sofrer. Sinto prazer com o jorrar do seu sangue.

Como Capo, não preciso executar, tenho homens para isso, mas o monstro em mim sente prazer em ver uma vida se apagando aos poucos.

Nina conheceu um garoto que, apesar de ter mais idade do que ela, foi ingênuo, se deixou envolver em sua teia. Agora, tudo mudou, ela vai conhecer o monstro que sempre ficou oculto em sua presença e vai se arrepender amargamente por isso.

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