DOIS

NINA

Perla não compareceu à faculdade, ela tem um evento para ir com seu marido, segundo ela, seu plano é ser a mulher mais bonita desse evento. Encomendou seu vestido em Nova York para não passar pelo constrangimento de ter outra pessoa vestida como ela, e claro, arrasar.

Saio da faculdade, distraída, olho em volta e meu motorista não está, acho estranho não ter nenhum soldado me aguardando. Meus olhos me levam para o outro lado da rua, em que um sedan preto está estacionado. A porta de trás se abre, um homem alto e loiro, vestido em um elegante terno e de óculos escuros saí do carro e se põe de pé, encostado nele.

Não consigo tirar meus olhos dele, há algo familiar, algo nele além de sua forma máscula e sua beleza que me remete à familiaridade. Seus braços estão cruzados. Mesmo de óculos escuros percebo que seu olhar está direcionado a mim. Ficamos alguns segundos inertes, até que ele retira seus óculos.

Seus olhos me acertam como flecha.

Apesar de o seu corpo estar maior, seu cabelo com corte moderno, e sua barba grande, sei de quem se trata. Seus olhos e a forma que ele me olha não mudou. É ele. O único homem que amei e amo.

Enrico Ferri.

O homem a quem me entreguei. O homem por quem me apaixonei desde quando era criança. O homem que me fez mulher. O homem que foi expulso pelo meu pai, um dia antes de dizermos à nossa família que nos amávamos. O homem que depois do mal-entendido ter se resolvido, não voltou para meus braços.

Saio da minha inércia e caminho em sua direção, paro a alguns centímetros na sua frente. Meus sentimentos não são claros. Sinto saudade, amor, raiva, medo, desejo. Quero sua boca na minha, seu corpo sobre o meu. Quero bater nele até que minhas forças se esvaiam. Quero fingir que não o conheço, mesmo sabendo que é impossível.

Pensando bem, faz quatro anos que minha mãe se foi, ela morreu uma semana depois que ele foi embora. Realmente, esse Enrico lindo, imponente, ameaçador, que está na minha frente, não conheço.

— Nina. — Sua voz rouca e grossa, me tira do turbilhão que está minha mente.

— Enrico — digo e permaneço presa em seu olhar.

— Estava com saudade.

— Acho estranho que você tenha sentido minha falta, depois de tantos anos — digo, com raiva. Ele fica sério, não consigo descrever seu olhar. Antes saberia dizer o que ele estava pensando através dos seus olhos.

— Podemos conversar?

— Já estamos conversando. — Ele grunhe. Sei que estou agindo como uma garota mimada, mas foda-se. Ele aparece depois de quatro anos, lindo pra caralho, e diz que estava com saudade.

— Nina, você não é mais aquela garotinha que conheci, pare de agir como tal. A gente precisa conversar. Estou voltando para Itália, não queria fazer isso, sem antes conversar com você

Descruzo meus braços, nem reparei que estava não só falando, mas também agindo como uma garotinha. Merda.

— Preciso ligar para meu motorista e avisar que ele não precisa vir.

— Eu o dispensei. — Minha vontade é de perguntar com ordem de quem, mas engulo e não digo nada.

Ele abre a porta do carro, faz sinal para que eu entre. Me acomodo na poltrona de couro confortável, ele dá a volta no carro e entra pelo outro lado. O carro anda por volta de uns quinze minutos, durante toda a viagem permanecemos em silêncio, algumas vezes o vejo me observando pelo reflexo do vidro da janela.

O carro estaciona na garagem de um hotel, meu coração acelera, fico nervosa, não sei se vou conseguir permanecer distante em um lugar como este, mas tenho que conseguir, faz quatro anos que ele não me procura. Nunca me ligou, nenhuma mensagem.

— Achei melhor te trazer onde estou hospedado para que possamos ter mais privacidade.

Não digo nada com medo da minha voz me entregar, apenas aceno com a cabeça.

Subimos para o quarto, uma suíte grande e luxuosa como sua roupa. Ele deve ter subido de cargo na máfia, nunca me interessei por esses assuntos, por isso não sei dizer como está a vida dele.

Depois que foi embora e não me procurou, não quis saber nada sobre ele, nem de sua família.

Olho para a cama enorme à minha frente, e tento me manter impassível, ele não pode perceber o quanto me afeta. Me sento em um pequeno sofá, ele tira seu paletó, se serve de uma dose de uísque, me oferece e eu peço água. Me entrega uma garrafa de água e se senta na poltrona à minha frente.

— Não sei se Lorenzo te disse...

— Não converso nada sobre a máfia com minha família, principalmente sobre sua família. Desde que você foi embora e nunca mais me procurou, não quis ficar informada sobre nada a respeito de vocês — o interrompo.

Ele fecha os olhos, quando abre consigo ver raiva, desta vez ele não consegue esconder. Quem deveria estar com raiva sou eu, ele disse que me amava, me entreguei para ele. Depois que meu pai descobriu toda verdade e reintegrou a família dele à nossa, ele não me procurou, não cumpriu o que me prometeu. Ele respira fundo e continua:

— Bom. Minha família continuou trabalhando para a sua, durante esses anos em que estávamos morando em Nova Iorque. Graças ao Lorenzo, que descobriu toda a armação feita para acusar nossa família, na verdade, eles nos queriam longe para darem o golpe que resultou na morte da sua mãe. — Fico surpresa com suas palavras. — Seu irmão nos convenceu a voltarmos para Itália, minha família e eu devemos muito a ele, Lorenzo foi o único que confiou em nós, confiou no meu pai — ele diz, com rancor, me sinto afetada. — Não queria voltar sem que você soubesse. — Ele suaviza a voz. — Sei que estive ausente, mas você tem que se colocar em meu lugar, não foi fácil, ver minha vida, a vida que eu tinha, ser tirada de mim de uma hora para outra.

Enrico se levanta e se serve de outra dose de uísque, ele fica de costas, mas continua falando:

— Eu sempre te amei, Nina, fiquei muito magoado quando você não quis ir embora comigo... — Ameaço a falar, mas ele me interrompe: — Não precisa dizer nada, demorei muito para entender seu lado, mas entendi. Não vou dizer que foi fácil, me senti traído por você

— Eu não podia fazer nada, eu era apenas uma garota apaixonada, que tinha acabado de fazer dezoito anos, não entendia direito o que estava acontecendo, era minha família, eu não podia abandonar tudo, simplesmente ir embora. — Ele me olha sério e depois com ternura.

— Já disse que agora eu entendo, só quero que você compreenda o quanto foi difícil ver meu pai ser humilhado e ouvir tudo o que ouvi aquele dia. Acordei o homem mais feliz do mundo, tinha feito mulher o amor da minha vida, de repente, tudo mudou. Perdi tudo. Sempre amei você, Nina, quero que a gente continue de onde paramos.

Ele se senta ao meu lado e segura minhas mãos, não sei o que dizer.

— Não precisa me responder agora, sei que você deve estar confusa, mas quero que você saiba que, em breve, estarei de volta. Se sua resposta for positiva, vou pedir a sua mão em casamento para seu pai, porém, antes vou contar tudo ao seu irmão.

Enrico se levanta, me levantando junto, dá um beijo em minha testa, solta minhas mãos, pega o seu celular e pede alguém para vir me buscar, deve ser o mesmo homem que nos trouxe. Vou embora sem dizer nada, ainda mais confusa de que quando cheguei.

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