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David

DIAS ATUAIS...

— Cara, você precisa ver a novata do RH. — Caio Alcântara, meu primo e sócio diz entrando na minha sala, sem ao menos bater na porta. Ergo minha cabeça acima da tela do computador e encaro o rosto sorridente do homem vestido de maneira informal. — Loira, alta e aqueles olhos verdes? Deus do céu! — O carinha se senta na cadeira de frente para a minha mesa e eu me afasto da mesma, encostando-me na cadeira e começo a gira-la lentamente de um lado para o outro, sem tirar os meus olhos de cima dessa figura.

— Você não devia estar em uma reunião agora? — Ignoro o seu comentário sobre a nossa funcionária e incomodado, ele revira os olhos para mim. Eu adoro o meu primo! Sempre fomos melhores amigos, mesmo com uma diferença de idade grande. Caio sempre foi um garoto esperto demais para a sua idade e a única coisa que me incomoda nele, é esse seu comportamento e a sua vida promíscua movida de farras e de mulheres que frequentam o nosso apartamento todas as noites.

— Relaxa cara, ainda tenho meia hora livre. — Ele ralha. Franzo a testa para o seu segundo comentário do dia. — Abriu o seu e-mail hoje? — pergunta, mudando completamente de assunto.

— Não sei se percebeu, mas estou trabalhando nele agora — rebato com um sarcasmo que o faz sorrir e me mostra seu dedo do meio.

— Estou falando do seu e-mail pessoal, ôh, ignorante! — rebate com humor. Não seguro uma boa gargalhada.

— Você sabe que faz tempo que não o abro. O que teria de interessante lá para mim? — questiono. Ele dá de ombros.

— Um convite, David Lacerda. Na verdade, é O CONVITE. Turma de 98, lembra? — Bufo em resposta.

— Isso é perda de tempo, Caio. Não pretendo voltar ao Brasil só por causa de uma festa besta, com ex-alunos que mal vão se lembrar de mim — resmungo com desdém.

— Sabe o que eu penso sobre isso? Acho que você está com medo de voltar. — Arqueio as sobrancelhas para ele.

— Medo, de quê, idiota? — Tento brincar com o rumo dessa conversa sem cabimento, mas ele percebe a minha inquietude.

— Não sei, me diga você. Desde que chegamos aqui, você tem evitado alguns contatos. Mudou o número do telefone, não mexeu mais em seu e-mail e ainda tem esse fato de evitar ir ao Brasil. — Encaro o meu primo em silêncio por uma questão de segundos e após respirar fundo, me ajeito na cadeira e rebato com um tom áspero pra ele.

— Talvez você tenha razão, Caio. Mas, quer saber? Isso não é da sua conta e eu acho que a sua reunião já está para começar — rosno com um tom seco demais.

— Uou! Quanta hostilidade, meu caro primo! Não queria tocar em sua ferida, mas se doeu é porque tem caroço angu. Só quero que saiba que se você não consertar seja lá o que deixou para trás, isso ainda vai doer muito com o passar do tempo.

— O que você sabe da vida, pirralho? — ralho hostil. — Agora me deixe trabalhar! — resmungo, enfiando a cara na tela do computador e aguardo que ele saia da minha sala, para que eu possa enfim respirar aliviado.

Escuto o som da porta se fechando e me afasto do computador e com uma respiração profunda. levo as mãos ao rosto, o esfregando. Uma tentativa frustrada de me acalmar e logo volto a mexer no teclado. Curioso, abro o meu e-mail pessoal, encontrando nele apenas uma mensagem dela e outras de Júlio Dantas, um amigo do colegial. Com meu coração batendo descompassado, passo o mouse em cima da mensagem de Yaides e penso em abri-la, mas a coragem me falta. Então, abro a mensagem seguinte.

Um flash de luz se abre na tela e em seguida um envelope negro surge, se abrindo e revelando um convite com a foto da turma reunida com trajes de formandos. Suspiro quando os meus olhos pararam na imagem que tem me perseguido por anos em meus sonhos. Yaides Velásquez era uma garota especial para mim e tínhamos muita coisa em comum. Para começo de história, ela foi adotada, assim como eu e foi trazida pelos Velásquez para morar no Brasil. Tinha também os nossos gostos por filmes, músicas e alguns assuntos. Éramos muito parecidos. Eu realmente não entendo o que deu errado. Em uma noite havíamos feito planos e no dia seguinte, ela me deixou.

Irritado com esses pensamentos, fecho o e-mail, sem ao menos confirmar a minha presença no evento. O telefone começa a tocar em cima da minha mesa e eu observo o ramal verde piscando. Aperto o botão e o atendo.

— Senhor Lacerda, os documentos da compra do restaurante já chegaram. Gostaria de analisá-los agora? — Judith, minha secretária pergunta ao telefone.

— Claro Judith, pode trazê-los. — Quando criança aprendi muito com o meu pai sobre tecnologia e empreendimentos, e o curso de Administração de Empresas e Economia só me fizeram ampliar os meus horizontes. Junto com o Caio criamos o nosso primeiro protótipo de nano chips e este fez o maior sucesso. Com a venda do nosso primeiro projeto, abrimos a nossa empresa, a D.C. Technological Developments. Uma empresa que compra empresas a beira da falência e as erguemos novamente, lucrando absurdos em dinheiro. Você deve estar se perguntando, porque Kevin Lacerda ou Luís Renato Alcântara _ nossos pais, não nos ajudaram no início de tudo? Eles até tentaram, mas acredite, não seria nosso de verdade se começássemos com o dinheiro dos nossos pais.

— Aqui está, senhor Lacerda. — Judith diz entrando na minha sala, depois de bater levemente na porta. Ela me estende uma pasta de papel verde e eu a seguro, esperando que ela me deixe a sós.

— Obrigado, Judith! — A bela e jovem morena, de cabelos escuros e ondulados me abre um sorriso profissional e sai, fechando a porta atrás de si. Tento me concentrar no documento e em suas cláusulas. O restaurante que compramos já foi um cinco estrelas nos anos 80 e teve a sua brilhantina. Mas bastou um erro do seu herdeiro, para levá-lo a essa posição fracassada. Sem alternativas, o jovem empreendedor teve que vendê-lo ou perderia tudo e a D.C não perdeu tempo. Com algumas reformas e uma nova decoração, levaremos essa nova empresa ao auge. Após enfrentar uma reunião de pelo menos duas horas, estou exausto, mas sei que nem esse cansaço poderá aplacar a dor que oprime o meu peito ao longo desses anos. Sim, apesar de toda a minha força de vontade, de toda a minha luta interna, não sou capaz de esquecer um grande amor do passado. Yaides Velásquez ainda não sabe e talvez nunca ela saberá, mas quando optou por ficar no Brasil com a pessoa que eu mais admirava nesse mundo, esqueceu de me devolver o meu coração e por esse motivo, não tenho a capacidade de amar outra mulher, e não sei se um dia serei capaz de amar outra vez.  Entro em minha sala e encaro o céu escuro através dos janelões de vidro transparente, depois sigo direto para a minha mesa, pego o meu terno que está apoiado no encosto da cadeira, o meu celular e as chaves dentro de uma gaveta e saio da sala em seguida.

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