JILLIAN
Nem preciso dizer o tamanho da ressaca no dia seguinte, não é? Eu não fazia ideia de que horas eram, mas quando abri os olhos pela primeira vez, jurei que estava no inferno.
A dor de cabeça era insuportável, o gosto ruim na boca fazia com que eu acreditasse que tinha mastigado algo estragado e meu estômago se revirava, como se eu estivesse pronta para jogar tudo o que tinha comido na semana fora.
Meu corpo simplesmente não me obedecia. Meus olhos pesados mal conseguiam se abrir, por mais que eu quisesse ter alguma noção de onde estava. Minhas memórias estavam embaralhadas, mas eu começava a me lembrar mais ou menos do que tinha acontecido, principalmente com o idiota do Stuart O’Neil, que me agarrou e tentou me levar para algum lugar. Só de pensar nisso, já sentia um arrepio percorrer meu corpo, imaginando o que ele poderia ter feito comigo se não fosse por…
Andrew.
Meu Deus! Fora mesmo Andrew quem me salvara? Aquele cara que sempre me fez sentir me reticente, desconfortável, por mais que eu o conhecesse há muito tempo? Era difícil acreditar. Fosse como fosse, eu lhe devia algo, e isso, sem dúvidas, não me deixava mais tranquila, porque eu não duvidava que iria cobrar mais cedo ou mais tarde.
Tomei coragem e me levantei da cama, embora ela parecesse me abraçar de forma quase erótica. Cada movimento era um suplício, mas eu não poderia permanecer ali o dia inteiro. Quando finalmente consegui, depois de piscar mais de cem vezes, focar meus olhos no quarto ao meu redor, percebi que ele não me era familiar.
Eu obviamente estava no palácio, a julgar pela opulência do quarto ao meu redor, mas, sem dúvidas, não se tratava de um quarto de hóspedes. Eu conseguia enxergar algumas roupas masculinas, embora não bagunçadas, empilhadas sobre a escrivaninha, provavelmente recém lavadas. Eu poderia supor que se tratava do quarto de Richard se não fosse o pequeno detalhe de que eu o reconheceria facilmente, já que o frequentava constantemente. De forma completamente platônica, é claro.
O que me fazia acreditar que aquele quarto só podia pertencer a uma única pessoa.
Assim que esta realização atingiu minha mente, ouvi a maçaneta da porta sendo girada, e esta sendo aberta.
Sim, aquele quarto era de Andrew, e era ele mesmo que entrava.
Por um momento ele pareceu constrangido, recuando e quase saindo, cheio de desculpas.
— Eu achei que você ainda estava dormindo. Não deveria ter entrado assim, me desculpa...
— Espera... — Provavelmente seria muito mais confortável para mim se ele realmente fosse embora e me deixasse sozinha, porque sua presença me deixava completamente desconsertada, mas não havia muito que eu pudesse fazer. — É o seu quarto, não é?
— Sim, mas isso não me dá o direito de invadir seu espaço.
— Acho que é mais o contrário — tentei brincar, mas ele nem sequer sorriu. Na verdade, não tinha olhado em meus olhos nem por um momento, mas subitamente o fez, e eu não pude deixar de me sentir afetada.
Não podia negar que ele era uma visão e tanto. Se houvesse um live action na vida real de algum filme da Disney, sem dúvidas ele poderia ser cotado para ser um dos príncipes. E veja a ironia da vida... ele realmente era um. Bastardo ou não, Andrew era filho de um rei.
Os cabelos loiros no tom de trigo tinham um corte espetado que lhe davam um ar quase de bad boy, os olhos eram profundamente azuis, em contraste com a pele bem branquinha, e ele tinha os maxilares bem marcados. E era nesta direção que chegávamos à parte mais perfeita de Andrew ‒ sua boca. O lábio inferior era ligeiramente mais cheio do que o superior, e ela era larga, evidente, rosada, e seria totalmente beijável se eu tivesse qualquer interesse nele.
— O que aconteceu exatamente ontem à noite, Andrew? — perguntei, porque fazê-lo falar era melhor do que o silêncio que se instalara subitamente entre nós.
Antes que ele respondesse, percebi seu olhar recaindo de forma quase involuntária em minhas pernas e subitamente me dei conta do quão nuas elas estavam. Em meu corpo havia apenas uma blusa de botão, provavelmente dele mesmo, que mais parecia um vestido em mim, a julgar por nossa diferença de altura, mas, ainda assim, era o mesmo que nada.
Corri então para me enfiar novamente debaixo das cobertas, puxando o edredom para cima das minhas pernas, sentindo-me um pouco menos constrangida. Se é que era possível, pela forma como ele ainda me olhava.
Na verdade, Andrew sempre me olhara daquela forma. Eu não saberia interpretar suas intenções, mas às vezes seus olhares eram tão intensos que até eu, que não costumava me constranger tão facilmente, acabava sentindo necessidade de desviar o olhar.
— Afinal, você vai responder ou vou ter que tirar minhas próprias conclusões? — indaguei com autoridade daquela vez.
— Depende do quanto você se lembra. — Ele deu de ombros.
— Da parte da boate eu me lembro de tudo. Mas as memórias de quando chegamos ao palácio ainda estão turvas.
Andrew balançou a cabeça, parecendo querer ganhar tempo para as explicações.
— Nós íamos te levar para a sua casa, mas você pediu que não fizéssemos isso para que seu pai não te visse no estado em que estava. — Ok, era bem possível. Começamos bem.
— Ainda não explica o porquê de eu estar no seu quarto. Por que não em um de hóspedes?
— Bem… eu te carreguei para um deles, e você começou a chorar dizendo que não queria ficar sozinha. Que queria que eu ficasse com você.
Oh-oh! Não. Não era possível que fosse verdade. Aquele cara estava mentindo.
— Não posso acreditar nisso. Eu nunca… — Mordi o lábio antes que acabasse falando uma besteira. Por mais que eu não me importasse muito que Andrew soubesse que ele não era a minha pessoa favorita no mundo, também não era um inimigo declarado, e eu não queria soar grosseira. Mas era tarde demais, porque por mais que eu tivesse conseguido interromper as palavras antes de terminar a frase, ele compreendeu que eu queria dizer que nunca teria pedido aquele tipo de coisa; nunca desejaria ficar na companhia dele, por mais cruel que pudesse parecer. — Bem… não seria apropriado eu te pedir isso — modifiquei o tom da resposta, tentando soar o mais distinta possível.
— E por qual outro motivo eu traria você para o meu quarto?
Não havia resposta. Ao menos não uma que eu pudesse dar sem ferir o orgulho dele. Ou insultá-lo. Porque havia muitas explicações para ele ter me levado para sua própria cama estando eu embriagada, inconsciente. Apesar de tudo, eu não conseguia acreditar que nenhuma delas fosse verdadeira. Andrew não era um maníaco, não era um estuprador, embora…
Bem, um boato espalhado pela imprensa não podia ser levado a sério, certo?
— Eu não tinha a menor intenção de aproveitar de você — ele falou indignado, antecipando minha acusação, embora eu não fosse fazê-la. Parecia tão cheio de revolta na forma como falou, que eu imediatamente me arrependi dos pensamentos que preencheram minha cabeça. — Você ficou bêbada, eu te defendi e a trouxe para cá. Você falou que não queria ficar sozinha, e eu te coloquei na minha cama, mas dormi naquela porra de poltrona. — Irritado, ele apontou para o assento mencionado. — E antes que pergunte o porquê de estar com a minha camisa, você derramou vodka na própria roupa, e eu não tinha outra coisa para te vestir. Me desculpe se tive que ser eu a fazer isso, mas eu nem sequer olhei para você e evitei ao máximo te tocar. Eu não… — ele engoliu em seco. — Eu não faria isso…
Sabe o que era pior de tudo isso? Fazia sentido. Eu até me lembrava do episódio da vodka. Era vergonhoso, mas tudo o que ele tinha dito parece coerente o suficiente para mim. A Jillian bêbada certamente poderia falar, pedir e fazer aquele tipo de coisa.
Uma batida na porta interrompeu nossa conversa — graças a Deus! Eu e Andrew, sem nem percebermos, autorizamos a entrada da pessoa. Não fiquei surpresa ao perceber que se tratava de Richard.
— Ah, eu não sabia que vocês estavam conversando… eu… eu posso voltar outra hora — ele gaguejou. Mas Richard nunca gaguejava. Eu nunca o vi tão inseguro ou nervoso. Era o típico menino de ouro, bom em tudo o que fazia, com um comportamento quase irrepreensível, com aquela aparência perfeita e, claro, o título, que o ajudava e muito.
Ele já ia saindo pela porta, quando eu o chamei.
— Richie… o que foi? Você não parece nada bem, e olha que eu que desmaiei de bêbada! — Tentei amenizar a situação, embora estivesse visivelmente preocupada.
Antes que Richard pudesse responder, Andrew se manifestou.
— Vou deixar vocês a sós.
E saiu, sem nem dar tempo de que o impedíssemos. Não que eu fosse fazer isso, porque assim que ele se retirou, senti o ar retornar aos meus pulmões. Não fazia ideia do motivo de ele provocar essas reações em mim, mas só poderia supor que não era nada bom.
Depois que fomos deixados sozinhos, comecei a observar Richard. Ele se mantinha de costas para mim, com uma mão na cintura, e outra, na cabeça, como se uma preocupação muito pesada o estivesse deixando inquieto. Levantei-me da cama, colocando-me de pé, e fui na direção dele. Coloquei a mão em seu ombro, mas meu punho foi agarrado com força, o que me fez sobressaltar. Estaria ele com raiva de mim?
Só que raiva não era bem o sentimento ali. Não quando ele me empurrou para a parede mais próxima, imprensando-me nela com seu próprio corpo.
— Me desculpa… — ele sussurrou.
— Por quê? Richard, o que…
Ele não me deixou terminar de falar. Quando dei por mim, sua boca já estava sobre a minha, impedindo-me de falar. Sua língua tentava me invadir de uma forma possessiva, quase agressiva, e eu acabei cedendo, mais por estar completamente atordoada do que por compreender o que ele estava tencionando fazer.
Mas ele realmente queria me beijar, o que me fez concluir que estava bêbado ainda. Só podia ser esse o problema. Estava, provavelmente, me confundindo com alguém.
Em vinte anos de amizade, Richard jamais tentara ultrapassar qualquer limite comigo. Na verdade, nós dois tínhamos deixado bem claro que não havia sequer uma única chance de namorarmos, porque não nos víamos desta forma. E agora, do nada, ele me agarrava daquele jeito, me beijando como se o mundo fosse acabar em menos de uma hora, e eu fosse sua última opção? Algo estava errado.
Seria errado também o fato de pensar que ele beijava muito bem? Não que eu tivesse muitas opções para comparar, porque, sendo a filhinha do papai como eu era, não tive muitas oportunidade para sair ficando com caras diferentes. Então, eu só tinha beijado dois rapazes em toda a minha vida.
Não… isso não era verdade. Eu tinha beijado três. Se é que um deles poderia contar.
Meu primeiro beijo… o mais inesquecível, mais perfeito… Embora eu sequer soubesse quem era o dono dos lábios que me deixaram tão seletiva para os próximos.
Eu tinha quinze anos, todas as minhas amigas já tinham beijado, e todos zombavam de mim por isso. Não que eu estivesse incomodada, já que eu nem sequer me achava tão velha, mas acabei cedendo a uma brincadeira boba que acabou tomando um rumo inesperado.
Em uma festa no palácio, onde todos os nossos amigos estavam presentes, eu fui levada a um dos jardins do local, um mais nos fundos da imensa propriedade, onde um imenso labirinto ornamental, que costumava me dar arrepios quando eu era criança, estava localizado.
O combinado era que eu fosse vendada e deixada em um dos bancos, para que alguém que quisesse ficar comigo aparecesse lá e efetivamente me beijasse. O problema foi que o primeiro engraçadinho que apareceu, ao invés de realmente me dar um beijo, amarrou minhas mãos para trás, me deixando ali, indefesa, e sem poder tirar a venda.
Dali em diante, logo concluí que se tratava da brincadeira de maior mau gosto da história, principalmente, porque o tempo foi passando e ninguém apareceu para me tirar dali. Vendada, eu temia andar e tropeçar e cair, principalmente porque estava um pouco sem direção, então, comecei a tentar me soltar. Só que era inútil. Alguém era bastante bom com nós.
Hesitante, levantei-me e comecei a andar um pouco sem rumo, com muito cuidado, pé ante pé. Recusava-me a gritar pedindo por ajuda, porque sabia que era exatamente isso o que eles queriam. Tropecei várias vezes, mas continuei. O problema foi que eu fui parar exatamente no labirinto que me deixava em pânico.
Não era a primeira vez que eu me perdia ali. Quando criança, uma vez, me enfiei naquele negócio escondida dos meus pais e fiquei por horas desaparecida. Já sabia que, novamente, isso iria acontecer, ainda mais com os olhos vendados.
Comecei a me ver cambaleante, não apenas pelo fato de não conseguir enxergar o meu caminho, mas pelo medo. Minha respiração começou a ficar ofegante, gotículas de suor empaparam minha testa e minha boca ficou seca. Nem se eu quisesse finalmente gritar, eu conseguiria. Estava completamente em pânico, presa dentro de um labirinto que preencheu meu pesadelo por muitos anos.
A primeira vez que caí foi dolorido. A segunda, mais ainda. Na terceira, eu decidi não mais levantar. Não havia motivos para ficar andando e andando sem rumo, se eu não conseguiria sair dali.
Comecei a ouvir meu nome sendo chamado bem longe, mas as pessoas poderiam estar muito perto que meus ouvidos não captariam perfeitamente. Eu estava distante, na verdade. Presa em um transe que me protegia do medo.
Fiquei muitas horas dentro daquele labirinto, até que alguém chegou, erguendo-me no colo e me tirando dali. Braços fortes me levantaram do chão e me acomodaram em um banco, mas não sobre a superfície dura da madeira, mas sobre pernas. Eu fiquei sentada no colo de alguém. Um alguém que soltou minhas mãos imediatamente, segurou minha cabeça e assaltou meus lábios com uma paixão que chegou a revirar minhas entranhas.
Os lábios mais maravilhosos do mundo exploraram os meus, uma língua experiente dançou com a minha, e eu cheguei a suspirar de tão mágico que foi o momento. Fosse quem fosse aquele cara, ele não era apenas o dono do melhor beijo do mundo; ele era meu herói.
Ele me ajeitou sobre o banco, e eu demorei alguns instantes, um pouco atordoada, para entender que tinha desaparecido, deixando-me ainda vendada. Também levei mais tempo que o necessário para me dar conta de que minhas mãos estavam finalmente soltas e que eu poderia tirar a venda por mim mesma.
Quando o fiz, porém, não havia nem sinal do meu cavaleiro misterioso.
De lá para cá, aquela dúvida permaneceu no meu coração. Por mais que Richard beijasse maravilhosamente bem, eu sabia que não tinha sido ele. Eu reconheceria o beijo do meu herói em qualquer lugar.
Ainda assim, quando meu melhor amigo se afastou de mim, não consegui me sentir de outra forma que não fosse completamente atordoada.
— Uau… até que você beija bem… — foi a primeira coisa que ele disse. — E não tem mau hálito matinal. Dois pontos ao seu favor.
Mas que diabos ele estava falando? Estaria me pregando uma peça? Porque não tinha a menor graça.
— Richard, que merda foi essa? Por que me beijou?
Ele não respondeu de imediato, apenas me deu as costas e começou a andar pelo quarto de Andrew, como se estivesse prestes a me contar sobre o plano de assassinar alguém.
— Precisamos conversar, Jill — ele anunciou muito sério.
— Ah, mas com isso eu concordo plenamente!
— Acho melhor você se sentar… — ele pediu, apontando para a cama. Estava me assustando, mas decidi obedecer logo para que terminássemos com aquilo de uma vez.
Sentamos, portanto, os dois sobre a cama bagunçada, mas mesmo assim Richard ainda hesitou.
— Vamos logo com isso, Richie. Estou preocupada aqui…
Ele respirou fundo, tomando coragem, até que finalmente falou:
— Acho que vamos ter que nos casar.
O QUÊ?
Eu teria gritado essa mesma pergunta, não apenas em pensamento, mas em alto e bom som, se tivesse qualquer discernimento para isso.
Agora, mais do que nunca, tinha certeza de que ele estava bêbado. Ou completamente louco. Só isso explicaria aquela resposta tão absurda.
— Do que você está falando?
Richard pegou a minha mão, e eu comecei a ficar realmente assustada.
— Jill, meu pai está morrendo.
Não, não podia ser verdade. O rei George, apesar de ter seus defeitos, era como um pai para mim. Um homem que estava sempre de braços abertos para me receber, me ouvir e me tratar como parte de sua família. Ele sempre tentou, de alguma forma, me juntar com Richard, insinuando que formaríamos um belo casal, que eu era uma boa influência e que eu seria uma boa rainha um dia — vejam só a responsabilidade! —, mas nunca conseguira, por motivos óbvios. Até aquele momento, pelo menos.
— Morrendo? O que ele tem? — indaguei, com as palavras soando um pouco engasgadas pela emoção.
— Câncer. Aparentemente em estágio avançado. Pelo que ele disse, nada mais pode ser feito.
Tentei segurar a vontade de chorar, mas foi impossível. Precisava ser forte naquele momento, porque Richard deveria estar sofrendo muito mais com a notícia do que eu. Talvez isso explicasse aquele súbito beijo e as palavras estranhas.
Bem, talvez explicasse mesmo.
Se o rei falecesse, Richard assumiria o trono. Mas havia uma condição para isso.
Uma que me fez não levar muito tempo para ligar os pontos.
— Richard, você não pode estar falando sério… — Pela forma indignada como me levantei da cama, ele provavelmente percebeu que eu tinha entendido tudo.
— É a única saída, Jill. Você sabe que se eu não me casar antes do meu pai morrer, que assumirá o trono será o Frederick.
Fiz uma careta só de pensar nisso.
— Eu sei muito bem disso, Richie, mas você pode encontrar uma esposa em qualquer lugar, principalmente se o amor não for levado em conta. Não é possível que uma das milhares de garotas com quem você saiu nos últimos tempos não queiram se tornar rainhas.
— Claro que querem. Dariam um braço por isso, e é exatamente por este motivo que eu não quero nenhuma delas. Se eu for me casar, por mais que não esteja apaixonado, prefiro que seja com alguém que eu amo e que me ama também, seja como for.
Não poderia dizer que aquilo não amoleceu meu coração. Eu compreendia seu lado. Imaginava que era uma decisão complexa e que não consistia apenas em algo corriqueiro e efêmero. Tratava-se do resto da vida dele. E, no caso, da minha também, é claro. Embora eu achasse - e realmente esperasse - que ele iria acabar mudando de ideia.
— Seja como for, você não pode sair tomando a decisão de uma hora para outra. Não é como escolher o restaurante onde vai almoçar, é para a vida inteira.
— E você acha que eu não sei? Acha que eu queria me casar agora? Quando acabei de me formar? Eu queria viajar, conhecer o mundo antes de assumir uma responsabilidade tão grande quanto um reino.
— Bem, você já nasceu sabendo disso, né? Não é como se a situação tivesse caído no seu colo…
— Sim… e talvez esse seja exatamente o problema. — Richard começou a ficar muito nervoso, levantando-se também e começando a andar pelo quarto, de um lado para o outro, levando a mão à cabeça. — Talvez essa seja a merda do problema. Eu nunca tive uma opção. Nunca! Eu sempre soube que quando meu pai morresse eu teria que assumir a porra toda. E você sabe o quanto isso é assustador? Posso ter sido treinado para isso a minha vida inteira, e poderia passar mais vinte e cinco anos me preparando, mas nunca estaria verdadeiramente pronto. Muitas pessoas gostariam de estar no meu lugar, mas mal sabem elas que eu morreria para ter a vida que elas têm.
Partia meu coração descobrir que ele se sentia assim. Mais ainda pelo fato de saber que não havia nada que ninguém pudesse fazer para evitar o inevitável. Ser o futuro rei de Manselo era quase parte dele, era o mesmo que dizer que ele teria barba quando crescesse, sendo homem. Não era opcional. Não era uma hipótese. A não ser que…
— Me diz uma coisa. Se você está tão relutante com essa responsabilidade, não seria melhor não casar? Então, você não precisaria…
— Ficou louca? Frederik acabaria assumindo no meu lugar, e ele, aliás, está louco para isso? Se ainda fosse Andy, eu jamais me oporia! Mas Fred? Não dá nem para cogitar que ele seria um bom rei. — Ele fez uma pausa, passando a mão pelo cabelo e dando de ombros. — Bem, também não sei dizer se eu serei bom. Principalmente quando não consigo sequer cumprir a primeira exigência.
Aproximei-me dele, colocando a mão em seu ombro, tentando lhe passar um pouco de conforto.
— Você sabe que está exagerando e que vai ser um bom rei. Todos gostam de você…
— Todos me bajulam, mas isso não quer dizer que gostam mesmo de mim.
Abri um sorriso brincalhão.
— Você nunca foi dramático, Richie, não pensei que iria começar agora.
Ele se virou na minha direção, colocando as duas mãos nos meus braços e respirando fundo.
— Eu preciso de você, Jill. Se formos fazer isso, eu quero que você esteja do meu lado. Não quero que faça por obrigação ou por se sentir pressionada.
Era um pouco tarde demais. Claro que eu iria pensar muitas vezes ainda, pois era uma decisão para a vida toda, mas claro que o peso da situação seria levado em conta. Se eu não aceitasse, Richard teria que encontrar uma esposa rapidamente, uma moça que ele não conhecia tão bem e que acabaria ocupando o trono. Quem poderia prever se não se trataria de alguém com intenções sombrias, mau caráter ou alguém que iria infernizar a vida dele? Além disso, um casamento que acontecesse daquela forma, sem dúvidas geraria suspeitas. Richard, sem dúvidas, seria considerado imprudente por colocar uma pessoa completamente desconhecida ao seu lado no comando do país.
Eu era uma cidadã de Manselo. Amava aquele lugar e queria que permanecesse próspero, como era há gerações. Como o rei George, pai de Richard, lutara para continuar sendo. Talvez fosse meu dever fazer a minha parte e proteger o país de um futuro problemático.
Mas ainda não estava pronta para dar a minha resposta.
— Richard, você está mesmo falando sério? Está mesmo decidido a se juntar a uma pessoa que você não ama? — precisei constatar.
— Você sabe que isso não é verdade. Eu amo você, Jill…
— Não é disso que estou falando.
— Eu sei. Mas você é minha melhor amiga, é compreensiva, divertida, linda… Se eu não me casar com você, terei que suportar alguma garota mimada, alguma princesa ou duquesa de outro país, da qual eu mal sei o nome. A gente pode se dar bem juntos… como marido e mulher.
Meu Deus! O peso daquelas palavras não me passou despercebido. E como poderia? Eu tinha apenas vinte e cinco anos e estava cogitando me unir a alguém em matrimônio. Alguém, não. Com um príncipe! Futuro rei! Meu melhor amigo, por quem eu não tinha o menor interesse romântico.
— Olha… eu vou te dar um tempo para pensar, é claro. Mas saiba que estou decidido já.
— Acho que você está se precipitando.
— Não estou. Posso ter tomado a decisão muito rápido, porque é uma coisa óbvia. Não há escolha melhor. — Ele fez uma pausa. — Então, se você disser que aceita, farei o pedido oficial, com o anel da família e tudo o mais. Mas, seja como for, não importa a sua decisão, nossa amizade continuará a mesma. Você me daria uma imensa honra se aceitasse ser a minha rainha, mas entenderei se me disser não.
Pegando minha mão na sua, ele depositou um beijo ali e saiu do quarto, deixando-me sozinha com o peso do mundo nas costas.
Eu até imaginava que Richard falara sério quando prometera que nada iria mudar entre nós, caso minha resposta fosse não, mas eu simplesmente não acreditava nisso. Não seria por mal, mas o afastamento acabaria sendo inevitável. Eu poderia ser a responsável por sua ruína. A ruína do país.
Oh, Deus! O que fazer?
JILLIAN Já fazia dois dias desde minha conversa com Richard, mas minha mente não parecia nem um pouco mais esclarecida. Passei aquelas quarenta e oito horas pensando, refletindo, ponderando, analisando, mas por mais que eu já imaginasse qual acabaria sendo a minha resposta, ainda não queria aceitá-la. Porque era assustador demais. Porque era precipitado. E porque… Ah, droga, porque eu não queria. Não era só o fato de me prender a alguém para o resto da minha vida, porque eu não me importaria em estar sempre perto de Richard, já que nos dávamos tão bem. O problema era que ser rainha implicava em certos comportamentos que muito me incomodavam. Eu teria que abandonar vários dos meus sonhos. Eu poderia terminar a faculdade,
ANDREW A solidão era sempre a minha melhor companhia. Havia vozes demais falando dentro da minha cabeça e do meu coração, tantas que se tornava quase insuportável, às vezes, estar com outras pessoas. Eu sentia como se não pertencesse a lugar algum; como se a imagem do bastardo, impuro e indigno me seguisse por onde quer que eu fosse. E eu poderia jurar que isso nunca me incomodou. Se eu tivesse descoberto de onde vinha quando era criança, talvez as coisas fossem diferentes. Talvez, suportar aquele tipo de comentário na escola, especialmente os que ofendiam a minha mãe, pudesse ter me causado problemas, mas quando se tem quinze anos e já passou por todas as coisas que eu passei, esse tipo de ofensa não nos atinge mais.&nbs
JILLIAN Depois do fatídico dia do jantar, as coisas voltaram ao normal. Ou melhor, quase. Dali em diante nada mais seria normal na minha vida, nem antes nem depois do casamento. Nos dias seguintes, eu saía da faculdade e ia direto para o palácio, onde passava mais tempo do que na minha própria casa. Meu futuro sogro havia contratado uma professora para me ensinar etiqueta, e ele e meu pai passavam horas me passando informações sobre a família real, sobre minhas futuras responsabilidades e sobre tudo que eu precisaria saber para me tornar rainha. A professora ‒ Sra. Pomerly ‒ era uma mulher de uns setenta anos, mas de uma elegância &ia
JILLIAN Chegava a ser doloroso pensar que era um sábado, que mal passava das oito da manhã, mas eu já estava saltando de um carro preto elegante, cumprimentando um dos motoristas da família real e entrando no palácio, sendo recebida pela governanta e sua equipe. Eu tinha horários marcados na agenda até o momento da festa. Provas finais do vestido, ensaio de dança, ensaio do discurso ‒ que não fui eu que preparei, é claro ‒, além da melhor parte: eu iria passar algumas horas sendo paparicada com direito a massagem nos cabelos, nas costas, nos pés e um banho de beleza. E isso era apenas a festa de noivado, quando fosse o casamento, no mínimo eu receberia uma semana de mimos. Até que a ideia não me desagradava. 
JILLIAN Precisei me arrumar em tempo recorde para a festa, mas se já não havia um único resquício de animação em minha alma, agora ela parecia mais vazia do que nunca. Eu não iria apenas me casar sem amor, mas também iria entrar em uma trama perigosa, angariando um inimigo contra o qual eu não sabia se poderia lutar. Quando me olhei no espelho, embora todos ao redor tecessem elogios a respeito da minha aparência, não consegui sequer sorrir. Ainda sentia cada resquício do medo de antes, por mais que já estivesse em segurança. Por mais que qualquer um pudesse dizer que eu talvez estivesse exagerando, que estava agindo como alguém sensível demai
ANDREW Ouvi um grito vindo de algum lugar do palácio e imediatamente parei o que estava fazendo para dar atenção, principalmente porque algo me dizia que era Jillian quem estava gritando. E por mais que sua voz soasse um pouco abafada, eu poderia jurar que ouvi um SOCORRO e um ME SOLTA. Minha cabeça começou a girar na mesma velocidade em que meu sangue se pôs a correr dentro das minhas veias. A primeira coisa na qual pensei foi que Fred estava ali e que tinha feito algo para Jillian. Mais uma vez. Saí correndo desesperado, seguindo os gritos e largando o livro que estava lendo sobre a cama. Contudo, antes que eu pudesse alcançá-los, os gritos cessaram, e eu não consegui mais segui-los. Desci, en
JILLIAN Apesar da presença de Fred ‒ que me causou arrepios só de vê-lo ‒, o café-da-manhã seguiu sem nenhum percalço. Demos uma entrevista para a TV local, para o programa de maior audiência, com uma apresentadora que era quase a nossa Oprah Winfrey. Foi até divertido, porque ela fez algumas perguntas que eram fáceis de responder, já que eu e Richard nos conhecíamos pela vida inteira. Trocamos alguns sorrisos cúmplices, e isso certamente contribuiu para que eu o perdoasse mais fácil. Só que eu sabia que isso era errado, portanto, assim que fomos liberados do compromisso, pedi um momento a sós com ele. 
ANDREW Certamente eu não era a melhor companhia naquele dia. Ainda relutei muito em pegar a moto e seguir viagem até a casa de campo, mas algo me impulsionou a fazer isso. Depois da perda que sofri, eu precisava estar perto de Jillian. Não que fosse certo, não que eu planejasse contar para ela o que tinha acontecido, mas só de olhar para seu rosto já me ajudaria a me sentir menos miserável. Acabei me abrindo e confessando mais do que deveria. Não queria que ninguém soubesse do meu trabalho na clínica, mas senti uma vontade quase desesperadora de desabafar, e sabia que só poderia fazer isso com ela. Quando a oportunidade surgiu, eu não vi alternativa, as palavras começaram a escapulir da minha garganta como se precisasse vomitá-