JILLIAN
Chegava a ser doloroso pensar que era um sábado, que mal passava das oito da manhã, mas eu já estava saltando de um carro preto elegante, cumprimentando um dos motoristas da família real e entrando no palácio, sendo recebida pela governanta e sua equipe. Eu tinha horários marcados na agenda até o momento da festa. Provas finais do vestido, ensaio de dança, ensaio do discurso ‒ que não fui eu que preparei, é claro ‒, além da melhor parte: eu iria passar algumas horas sendo paparicada com direito a massagem nos cabelos, nas costas, nos pés e um banho de beleza. E isso era apenas a festa de noivado, quando fosse o casamento, no mínimo eu receberia uma semana de mimos.
Até que a ideia não me desagradava.
Fui direto para o salão, que já estava sendo decorado, mas não encontrei Richard por lá, embora já estivesse até atrasada para a hora marcada. Tínhamos que começar a ensaiar nossa entrada no salão, coisa que eu não poderia fazer sozinha.
Perguntei por ele a uma das pessoas presentes, e ninguém soube me informar. A governanta, por sua vez, me informou que ele ainda não tinha saído do quarto. Sendo assim, decidi que deveria ser eu a funcionar como seu despertador. Não seria a primeira vez.
Bati na porta algumas vezes, esperando que Richard já estivesse acordado e que ele mesmo me atendesse. Bem... foi mesmo isso que aconteceu, mas eu não esperava me deparar com um rosto pálido, olheiras fundas e uma expressão muito carrancuda no rosto bonito.
— Bom dia! — cumprimentei com uma sobrancelha erguida, olhando para ele enquanto se afastava da porta e voltava para dentro do quarto. Richard nem me respondeu, apenas resmungou algo ininteligível. — Bom dia! — repeti, seguindo-o. Quando ele se virou para mim, vestindo um blazer por cima da camisa, foi que vi o olho roxo.
Como não tinha percebido antes se aquele treco estava enorme no rosto dele?
— Richie, o que foi isso? — Aproximei-me, levando a mão ao seu rosto e tocando-o, bem na altura do machucado.
— Não o quê. Mas quem.
Ele não disse nada além daquilo, como se quisesse que eu adivinhasse sozinha o que tinha acontecido.
Demorei um pouco para captar a mensagem, principalmente porque a primeira hipótese que surgiu na minha mente não me agradou em nada.
Não podia ter sido Andrew. Ou podia? Eu não queria que fosse. Não depois de ter começado a me simpatizar tanto com ele.
— O que aconteceu? Foi Andrew quem te bateu? — perguntei quase com medo da resposta.
— Claro que foi. Mas eu provavelmente mereci. Estava tão bêbado que não me lembro de nada. Fora a dor de cabeça insuportável.
Eu abri a boca para perguntar o porquê de Richard ter resolvido beber tanto, mas acho que nem era necessário, afinal, a situação deveria ser tão problemática para ele quanto era para mim. Ele também não estava se casando por vontade própria, mas por uma imposição. Por um instante, meu coração se encheu de compaixão por ele. Tanto que segurei seus braços, fazendo-o parar de andar de um lado para o outro e virando-o para mim.
— Richie, olha para mim... — pedi, e ele o fez. — Vamos fazer isso dar certo, tudo bem? — Não foi fácil dizer aquilo. Não mesmo. Porém, olhando para meu melhor amigo e percebendo que estava tão agoniado quanto eu, decidi que meu egoísmo não iria nos levar a lugar algum. O sacrifício era grande, mas por uma boa causa. Preferia acreditar que ele faria o mesmo por mim, se fosse o caso.
Richard me encarou por alguns segundos, mas logo seus olhos tomaram outra direção. Ele era o otimista de nós dois em relação àquele casamento; se ele perdesse a esperança, não restaria nada. Eu já estava insegura enquanto ele se mostrara quase animado, então, para que ficasse ainda mais nervosa, não seria preciso muito.
— Preciso que me ajude, Richie. Nada disso é fácil para nenhum dos dois, então, temos que nos unir. Sei que tenho me mostrado reticente, mas vou tentar ser melhor para você. Não podemos esquecer que, acima de tudo, somos amigos.
Minha última frase finalmente o fez olhar para mim. Havia um infinito de entrelinhas naqueles olhos, e eu conseguia lê-los quase que em totalidade, já que o conhecia tão bem. Richard estava começando a duvidar daquele arranjo, mas permaneceria firme pelo pai. Ele não iria desistir, por mais que estivesse tão tentado a sair correndo dali quanto eu.
— Sim, você está certa. Somos amigos. Faremos dar certo — ele repetiu como se fosse um papagaio.
— Talvez a gente esteja querendo dar passos maiores do que conseguimos. Não precisamos agir como namorados de verdade quando não há ninguém por perto. Beijos e toques... — quase engasguei — podem ser deixados para depois. Para, quem sabe... quando comecemos a realmente sentir desejo um pelo outro.
Era muito estranho falar aquilo para Richard. Logo ele, que sempre vi como um irmão, que só de pensar em beijar me dava arrepios, embora fosse um dos caras mais bonitos e desejáveis que já conheci. Talvez tivesse que adestrar a minha mente para pensar nele como um homem e não como meu melhor amigo. Poderia dar certo, não poderia?
Tinha que dar...
— Sim. Faz sentido. — Inclinando-se na minha direção, ele beijou minha testa. — Melhor assim? — Não sei se ouvi um desdém em sua voz, mas achei melhor deixar para lá. Ele estava de ressaca, consequentemente, de mau humor.
— Por enquanto, sim. — Peguei a mão dele e a apertei com carinho. Precisava manter em mente que aquele era meu melhor amigo, não o cara que estava me colocando na maior furada da minha vida. Ele estava embarcando no problema comigo. — Te espero lá embaixo, ok?
Richard apenas balançou a cabeça, e enquanto fechava a porta e saía de seu quarto, temi que o dia fosse ainda mais problemático do que pensei antes de chegar ao palácio. Teríamos horas intermináveis de fotos, entrevistas e ensaios, e à noite havia uma festa marcada, sem hora para acabar. Se levasse em conta o quanto dormi à noite e a forma agitada como tudo já havia começado, eu não duraria nem até a primeira badalada da meia-noite. Contudo, não havia nenhuma chance de fugir deixando o sapatinho de cristal na escada.
Quase ri dos meus pensamentos, mas fui interrompida quando, distraída, esbarrei em uma verdadeira muralha de músculos. Cambaleei, quase indo ao chão pelo impacto, mas meus braços foram segurados por duas mãos grandes e firmes.
Ergui a cabeça e... Claro! Com a sorte deturpada que vinha me seguindo naquele dia, só podia ser Andrew. Aliás, ele parecia estar em todos os lugares naqueles últimos dias, pois sempre aparecia na minha frente quando eu menos esperava.
— Me desculpa. Eu só estava indo procurar por Richard. Ele ainda não apareceu e... — como sempre constrangido e hesitante, Andrew dirigiu-se a mim. Mal me encarava, mas as mãos continuavam em meus braços, como se ele realmente quisesse me tocar. Quando olhei para elas, levemente incomodada, ele as retirou.
— Acabei de falar com ele. Está de ressaca e tem um enorme hematoma no olho, que disse que foi causado por você. O que aconteceu? O que ele fez?
Vi Andrew olhar para mim com o cenho franzido e ficar em silêncio por alguns instantes, como se não entendesse onde eu queria chegar.
— Por que tem tanta certeza de que foi ele que fez alguma coisa? Não sou eu que tenho a fama de encrenqueiro nesta família? — ele disse em um tom de voz muito baixo, quase sussurrado, e eu quase estremeci.
O que diabos estava acontecendo comigo?
— Porque eu conheço Richard muito bem. Sei que não é exatamente maduro em todos os momentos. Já me irritei bastante com ele em várias ocasiões.
Andrew se remexeu, e eu o senti desconfortável. Se havia uma coisa admirável naquele sujeito — e eu começava a perceber que havia muitas, na verdade — era sua lealdade para com o irmão. Ele jamais concordaria comigo, e eu já começava a entender que não obteria a resposta para a minha dúvida daquela manhã; ao menos não vinda de sua boca.
— Acho melhor perguntar para ele — afirmou com convicção, não deixando nenhuma margem para que eu insistisse, embora eu não tivesse nenhuma intenção de fazer isso, levando em consideração que eu não tinha exatamente intimidade com Andrew para isso.
— Já perguntei, mas ele disse que não se lembra.
Andrew respirou fundo e balançou a cabeça em afirmativa, parecendo um pouco decepcionado.
— Então, não serei eu a te dizer. Me desculpa.
Outra prova de lealdade, e isso começava a mexer demais comigo. Apesar de convivermos relativamente próximos há muitos anos, eu pouco conhecia Andy. Naqueles últimos dias eu começava a descobrir mais coisas sobre ele do que imaginei ser possível, e todas elas me agradavam e muito. Ele era justo, protetor, leal, intenso e sério. Havia um lado misterioso e profundamente atormentado que o tornava ainda mais fascinante, e eu imaginava que se ele desse chances de mais garotas terem vislumbres de todas aquelas suas nuances, muitas delas teriam o mesmo desejo de desvendá-lo que passara a me acometer nos últimos tempos.
Só que, diferente de mim, elas poderiam se dar ao direito, tentar a sorte e aproveitar a oportunidade. Eu não poderia e não queria sequer começar a pensar em Andrew de outra forma que não fosse como um homem proibido. Meu futuro cunhado.
Enquanto ainda permanecíamos em silêncio, olhando um para o outro como se estivéssemos nos vendo pela primeira vez, a porta do quarto de Richard se abriu, e ele saiu.
Foi estranha a forma como Andy se afastou de mim imediatamente, como se estivéssemos fazendo algo de errado.
— Ah, você ainda está aí, Jill? Que bom, vamos logo descer juntos e acabar com isso. — Richard tomou meu braço no dele e virou-se para o irmão. — Oi, Andy! Bom dia. Cara, seja lá o que fiz para você ontem, me desculpa. Sei que não me socaria se não tivesse um bom motivo.
Andrew não respondeu nada, apenas assentiu com um meneio de cabeça, não valorizando demais o pedido de desculpas.
Nem pude avaliar muito mais suas expressões, porque Richard começou a me puxar na direção das escadas, por onde descemos para chegarmos ao salão onde as pessoas nos esperavam para começarmos nosso dia.
Foram sessões de fotos intermináveis, uma entrevista coletiva — uma vez que o noivado já tinha sido anunciado à imprensa, e aquela noite serviria apenas para oficializá-lo —, e depois passamos horas ensaiando a dança, a entrada, os discursos, repassando todo o cronograma da festa, porque nada poderia sair errado, já que o evento seria televisionado ao vivo. Só isso já seria pressão suficiente para mim, mas a cada hora que passava, a cada sorriso que forçava — principalmente por saber que Richard estava se esforçando tanto quanto eu para parecer feliz — meu estômago se embrulhava ainda mais. Tudo estava se tornando cada vez mais real. Em breve eu teria um anel no dedo, uma prova tangível de que nada daquilo era um sono do qual eu poderia acordar a qualquer momento.
Já passava das cinco da tarde quando fui liberada para subir ao quarto que fora separado para mim, para que eu pudesse me arrumar. Havia uma mesa posta com várias guloseimas, já que eu mal havia almoçado, mas eu nem sentia fome. Peguei apenas um mini-croissant folheado só para não ter uma queda de pressão no meio da festa, o que seria ridículo. Tomei também alguns goles de um suco de abacaxi e me preparei para descansar um pouco. Eu tinha uma hora e meia até que as pessoas chegassem para me arrumar, já que a festa estava marcada para as oito. Decidi, então, tirar as joias que usava e também pretendia fazer o mesmo com a roupa, optando pelo robe de seda que fora deixado para mim para que o usasse. Pretendia tirar um cochilo, já que me sentia cansada o bastante.
Ainda tirava o segundo brinco quando uma batida na porta chamou a minha atenção. Pensei ser Richard, então, abri-a sem nem perguntar quem era. Mas se tratava de um homem que eu não conhecia, mas que chegava com um buque de flores enorme.
— Para mim? — indaguei curiosa.
— Sim, senhorita.
Virei-me de costas para o homem por alguns segundos, para caminhar até a escrivaninha e pousar o vaso pesado ali. Peguei o cartão, esquecendo-me completamente de dispensar o mensageiro, mas logo me dei conta que a mensagem estava assinada com o nome de Frederik.
Tinha a intenção de me voltar para o criado, para tirar satisfações ou fazer alguma pergunta, mas antes que eu pudesse fazer isso, senti um pano ser pressionado contra minha boca e meu nariz, embebido em algum líquido de cheiro forte.
Não demorei muito para entender o que estava acontecendo, mas não tive sequer chance de agir.
Tentei me debater, me soltar, mas tudo que conseguia era ficar mais e mais fraca, começando a perder os sentidos.
Ironicamente, a última coisa que vi foram as flores escarlate do presente de Fred sobre a mesa, porque depois não consegui ver nada além da escuridão.
***
ANDREW
Ela não estava em parte alguma.
Este era o comentário de todos dentro do palácio, e eu sabia que isso poderia se tornar uma catástrofe muito em breve.
A equipe que iria prepará-la para a festa chegara pontualmente às 18h30, mas Jillian não estava em seu quarto. Richard foi o primeiro a ser avisado, e como estávamos juntos, eu também recebi a notícia. Porém, enquanto todos pensavam que ela tinha literalmente fugido, meu palpite era bem mais preocupante.
— Eu não acredito que ela fez isso comigo! Não acredito que teve a coragem de me abandonar dessa forma! — Richard exclamava indignado.
Eu queria ficar calado. Não queria me meter naquela história, porque eu sabia que não era imparcial o suficiente. Contudo, achava muito estranho que eu fosse o único que acreditasse que algo estranho tinha acontecido e que duvidasse que Jillian seria capaz de desaparecer sem nem ao menos avisar. De fato, eu adoraria saber que ela tinha tomado uma decisão definitiva, que tinha escolhido pensar por si mesma ao invés de colocar Richard acima de suas próprias vontades, mas não queria que fosse daquela forma. Não queria que ela simplesmente desaparecesse, porque não combinava com sua personalidade correta e justa.
E havia outra coisa que chamava a minha atenção e que gritava desesperadamente: um estranho vaso de flores vermelhas que parecia se destacar imensamente sobre a mesinha do quarto. Não havia um cartão nem nada do tipo, e assim que as mostrei para Richard, ele criou uma teoria em sua cabeça completamente diferente da minha.
— Não é possível que ela tenha escondido um namorado de mim esse tempo todo. Será que ela fugiu com ele?
Olhei para Richard, mal acreditando que aquela pergunta tinha saído por sua boca. Precisei controlar a vontade de sacudi-lo e fazê-lo enxergar o quanto estava sendo estúpido. Como era possível que eu, que não era o melhor amigo e nem — infelizmente — o noivo de Jillian conseguisse perceber que o problema daquela situação não estava na índole nem na lealdade dela, mas com algo um pouco mais grave.
— Richard… você não acha…?
— Não. Não quero ficar criando esperanças. Preciso aceitar que ela desistiu. — Ele andava de um lado para o outro enquanto falava, e eu tentava me manter calmo diante da situação. — Talvez eu devesse cancelar o evento e…
Antes que ele terminasse de falar, coloquei as mãos em seus ombros, fazendo-o olhar para mim.
— Richard, você confia em mim?
— Porra, Andy, isso lá é hora de perguntar isso? Claro que eu confio, mas não sei aonde você quer chegar…
— Continue se arrumando, que eu vou encontrar a Jillian. Não conte nada a ninguém sobre o que está acontecendo. Se perguntarem alguma coisa, diga que ela está passando mal, mas que já vai chegar.
— Não sei se é uma boa ideia…
— Confie em mim…
Meu irmão finalmente concordou em acatar minhas ideias, e eu esperei que ele se afastasse para agir.
Eu não tinha uma única dúvida a respeito do que poderia ter acontecido com Jillian; aquelas flores não deixavam muitas dúvidas, embora o autor do gesto não pudesse ser provado.
Saí do quarto pouco depois de Richard e me dirigi direto para o quarto onde Frederik e a esposa tinham sido instalados naquela tarde, quando chegaram no palácio, enquanto meu irmão e Jillian cumpriam com suas obrigações pré-noivado. Bati na porta e fui recebido pelo babaca do meu primo. Não pude me conter; minhas mãos foram parar na gola de sua camisa de linho, e eu o joguei contra a parede mais próxima, como tinha feito na noite do jantar em família. Poderia ser uma atitude completamente errada, mas não havia tempo para ser gentil.
O grito de Shelly foi bem mais desesperado do que o necessário.
— O que você fez com a Jillian? — indaguei, certo de que minha pergunta fazia todo sentido.
Com aquele sorriso maquiavélico de sempre no rosto, Fred ergueu os dois braços em rendição.
— Você não se cansa dessa necessidade de violência? Isso é uma doença, Andrew. Deveria procurar um tratamento… — ele falou, debochado.
— O que você fez com a Jillian? Acho melhor me dizer agora ou eu vou quebrar essa porra dessa sua cara.
— Eu vou chamar ajuda! — Shelly exclamou aflita, mas Fred ergueu um dedo para ela.
— Fique onde está!
Esta foi a maior prova de que ele tinha culpa no cartório. Certamente não queria que ninguém no palácio soubesse que eu tinha uma desconfiança sobre ele ter feito algo contra Jillian, pois iam começar a procurá-la e chegariam a ele.
— Mas, Fred…
— Fique, Shelly. Nosso príncipe aqui sabe que não passou de uma brincadeira.
Cerrei um pouco mais um punho ao redor do tecido da camisa de Frederik e novamente o bati contra a parede, esperando que fosse um aviso de que não estava brincando.
— Que brincadeira? De que merda você está falando?
— Eu só levei a nossa futura princesinha para pensar um pouco. Quis dar uma chance a ela para desistir dessa loucura, de refletir. Talvez ela até tenha motivos para me agradecer…
Novamente o atirei contra a parede, com um pouco mais de força do que antes.
— Onde ela está? — indaguei por entre dentes.
Ele fechou a cara, apresentando uma expressão sombria.
— Eu vou dizer, porque realmente tinha intenções de devolvê-la amanhã de manhã, mas já que você está agindo como o cachorro nervoso para defender a donzela… Mas tem uma condição…
— Não acho que você esteja em situação de impor condições.
— Ah, estou, sim. — Ele fez uma pausa e novamente abriu um sorriso. — Se algum de vocês contar ao meu tio ou a qualquer outra pessoa sobre este incidente, as coisas vão piorar e muito para a princesinha. De todas as formas. E nem você poderá protegê-la.
Sim, eu poderia tentar protegê-la, mas eu não fazia ideia do que Frederik estava pensando, e se o dedurássemos, Jillian certamente pagaria o preço, e eu não poderia ficar perto dela vinte e quatro horas por dia para deixá-la sempre em segurança. Aquele filho da puta sabia que tinha me deixado com as mãos atadas.
— Só diga onde ela está.
— Ainda está no palácio, mas enjaulada, como deveriam realmente estar todas as pessoas que tentam enganar as outras…
Eu não precisava de muito mais informação para saber para onde tinham levado Jillian, por isso, soltei aquele babaca e saí do quarto, apressado, dirigindo-me diretamente ao subsolo do palácio, a uma parte que quase ninguém nunca ia, porque, obviamente, não era mais usada há pelos menos mais de um século — as masmorras.
Nem pensei que poderia estar trancada a entrada, mas quando cheguei, o portão estava aberto, que era mais do que um sinal de que alguém estivera ali há pouco tempo.
— Jillian? — gritei o nome dela, aflito, esperando que estivesse consciente e me respondesse, para que eu pudesse tirá-la dali o mais rápido possível. O local era úmido, escuro, sujo e assustador.
— Andy? — a voz dela tocou meus ouvidos como uma carícia, me trazendo todo o alívio de que eu precisava. Por mais que não acreditasse que Fred teria coragem de lhe fazer ainda mais mal, machucando-a fisicamente, não poderia colocar a minha mão no fogo em nome daquela certeza.
Corri o máximo que pude, pelo corredor escuro da masmorra, que era cercado de celas por todos os lados, já imaginando que a encontraria em uma das últimas. Assim que a vi, meu coração parou.
A pequena Jillian estava encolhida dentro da cela, como um bichinho acuado, com os olhos inchados e vermelhos, de quem tinha passado algum tempo chorando.
Praticamente me joguei contra as grades, agarrando-as, como se pudesse quebrá-las com a força das minhas mãos. Se pudesse, seria exatamente isso que faria, mas havia um cadeado a nos separar.
— Jill, fica calma, eu vou te tirar daí.
Comecei a buscar nos arredores por algo que me ajudasse a quebrar aquele cadeado. Queria dizer alguma coisa a ela, pedir que continuasse falando, que focasse em mim, só para tentar acalmá-la, mas sentia-me tão focado na minha tarefa que nem conseguia pensar em nada mais.
Demorei pelo menos uns cinco minutos para decidir que não haveria nada ali para me ajudar e que teria que subir para conseguir algo decente. Parei, portanto, em frente à cela de Jillian, olhando fixamente para ela, tentando lhe passar segurança.
— Jillian, você confia em mim? — Era a segunda vez que eu perguntava aquilo a alguém, mas a resposta de Jillian me era muito mais importante do que a de Richard. Eu queria que ela confiasse; que acreditasse que eu voltaria para buscá-la e que não a deixaria sozinha.
— Confio... — ela respondeu em um sussurro, mas consegui ouvi-la o suficiente. Na verdade, eu a ouviria em qualquer situação, mesmo que ela falasse apenas com os olhos.
Não disse mais nada, apenas balancei a cabeça e saí correndo como um louco, esperando não demorar a voltar.
Fui direto à antiga sala de armas, que ficava anexa à masmorra, e usei minha digital para abrir o armário onde sabia que encontraria uma machadinha. Era exatamente o que estava procurando.
Com a arma na mão, voltei para a masmorra e, consequentemente, a cela onde Jillian estava presa e, sem dizer nada, comecei a dar golpes no cadeado, usando de toda a minha força para que a tarefa durasse menos tempo.
Quando o cadeado, quebrado, caiu no chão, abri a cela, e Jillian levantou-se, correndo na minha direção, jogando-se em meus braços.
Eu a recebi e a enlacei com força, sentindo-a apertar-se a mim como se eu fosse sua verdadeira salvação. Meu coração batia tão acelerado que eu podia jurar que Jillian podia ouvi-lo e senti-lo em seus ouvidos, que estavam pressionados contra meu peito. Por mais que eu jamais quisesse que ela saísse dali, de dentro do meu abraço, precisava levá-la de volta. Lamentavelmente. Antes, porém, queria mais algum minuto com ela para lhe contar o que havia acontecido antes que eu conseguisse encontrá-la.
— Jillian... você sabe o que aconteceu? Você estava... consciente? — perguntei.
— Acordei minutos antes de você surgir, mas levei um susto ao ver onde estava. — Ela fez uma pausa. — Sei quem foi, Andy. Foi Fred...
— Eu sei. Mas ele fez algumas ameaças. Disse que pode fazer coisas piores com você se contarmos o que aconteceu. Quero deixar isso a seu critério.
Ela engoliu em seco, e por sua expressão eu já conseguia imaginar qual seria sua decisão.
— Posso estar cometendo um erro, mas prefiro deixar as coisas como estão. Vamos inventar uma história de que eu saí correndo e me perdi no labirinto.
— Tem certeza? Posso te proteger se quiser denunciá-lo. Ele te sequestrou.
— Não... Por favor. Quero paz. Não quero mais problemas do que já estou criando para mim mesma.
Eu precisava aceitar sua decisão, embora não concordasse com ela. Fosse como fosse, teríamos um segredo compartilhado, mas o pior de todos possível, principalmente porque eu sabia que Fred realmente não deixaria Jillian em paz.
— Tudo bem. — Percebendo que ela estava tremendo, embora eu não soubesse se era de frio ou de medo, tirei minha jaqueta e coloquei-a ao redor de seus ombros. — Vou te levar para Richard.
Por mais que isso me doesse, por mais que eu quisesse mantê-la comigo, como se apenas eu pudesse deixá-la segura, coloquei a mão na curva de sua cintura, guiando-a para que saíssemos daquele lugar horrível. Apesar dos pesares, eu pretendia manter um olho nela e outro em Fred, ao menos naquela noite.
JILLIAN Precisei me arrumar em tempo recorde para a festa, mas se já não havia um único resquício de animação em minha alma, agora ela parecia mais vazia do que nunca. Eu não iria apenas me casar sem amor, mas também iria entrar em uma trama perigosa, angariando um inimigo contra o qual eu não sabia se poderia lutar. Quando me olhei no espelho, embora todos ao redor tecessem elogios a respeito da minha aparência, não consegui sequer sorrir. Ainda sentia cada resquício do medo de antes, por mais que já estivesse em segurança. Por mais que qualquer um pudesse dizer que eu talvez estivesse exagerando, que estava agindo como alguém sensível demai
ANDREW Ouvi um grito vindo de algum lugar do palácio e imediatamente parei o que estava fazendo para dar atenção, principalmente porque algo me dizia que era Jillian quem estava gritando. E por mais que sua voz soasse um pouco abafada, eu poderia jurar que ouvi um SOCORRO e um ME SOLTA. Minha cabeça começou a girar na mesma velocidade em que meu sangue se pôs a correr dentro das minhas veias. A primeira coisa na qual pensei foi que Fred estava ali e que tinha feito algo para Jillian. Mais uma vez. Saí correndo desesperado, seguindo os gritos e largando o livro que estava lendo sobre a cama. Contudo, antes que eu pudesse alcançá-los, os gritos cessaram, e eu não consegui mais segui-los. Desci, en
JILLIAN Apesar da presença de Fred ‒ que me causou arrepios só de vê-lo ‒, o café-da-manhã seguiu sem nenhum percalço. Demos uma entrevista para a TV local, para o programa de maior audiência, com uma apresentadora que era quase a nossa Oprah Winfrey. Foi até divertido, porque ela fez algumas perguntas que eram fáceis de responder, já que eu e Richard nos conhecíamos pela vida inteira. Trocamos alguns sorrisos cúmplices, e isso certamente contribuiu para que eu o perdoasse mais fácil. Só que eu sabia que isso era errado, portanto, assim que fomos liberados do compromisso, pedi um momento a sós com ele. 
ANDREW Certamente eu não era a melhor companhia naquele dia. Ainda relutei muito em pegar a moto e seguir viagem até a casa de campo, mas algo me impulsionou a fazer isso. Depois da perda que sofri, eu precisava estar perto de Jillian. Não que fosse certo, não que eu planejasse contar para ela o que tinha acontecido, mas só de olhar para seu rosto já me ajudaria a me sentir menos miserável. Acabei me abrindo e confessando mais do que deveria. Não queria que ninguém soubesse do meu trabalho na clínica, mas senti uma vontade quase desesperadora de desabafar, e sabia que só poderia fazer isso com ela. Quando a oportunidade surgiu, eu não vi alternativa, as palavras começaram a escapulir da minha garganta como se precisasse vomitá-
ANDREW Havia muita coisa pesando dentro do meu peito. Pequenas dores que, unidas, formavam uma corrente pesada, difícil de ser rompida. Então, decidi que tentar dormir depois de tudo o que tinha acontecido não seria uma boa ideia. Sempre gostei da noite. Ela sempre foi minha amiga, cúmplice e confidente. Quando saí da casa, na intenção de caminhar um pouco e de ficar próximo à natureza para tentar clarear minhas ideias, meu desejo era buscar a solidão. Aproximei-me da cachoeira, atraído por seu som, mas não esperava encontrar o objeto de meus pensamentos bem ali , sentada sobre a grama, com as pernas fle
JILLIAN Demorei a entender de onde vinha a dor que me fez acordar reclamando. As memórias foram retornando lentas e turvas, até que me dei conta do que tinha acontecido. Apesar disso, não demorei a reconhecer a mão que apertava a minha de uma forma confortadora. Era grande, firme, forte e gentil. Em meio à dor e ao sofrimento, ela se destacava como um ponto de paz e confiança de que tudo ficaria bem. — Calma, meu amor. Vou te dar mais uma dose de analgésico, ok? Só espera um pouco... — Continuei de olhos fechados, enquanto ouvia Andrew se movimentar ao meu redor. Eu sabia que ainda ia demorar a fazer efeito e qu
JILLIAN Fazia quase um mês que eu tinha saído do hospital, assim como nosso rei. O que, consequentemente, contava também pouco mais de dois meses desde que aceitei a proposta de Richard, que fez minha vida mudar drasticamente. Os trinta dias, no entanto, passaram voando com todos os preparativos para o casamento que aconteceria dali a dois meses. Faltava muito pouco tempo. E a cada dia que passava eu me sentia mais e mais apavorada. Andrew tomou a decisão de se manter distante. Raramente voltava para casa, e eu começava a acreditar que passava muito tempo na clínica onde me confessara que trabalhava como voluntário, porque nas poucas vezes em que o via, ele estava exausto e com aquela expressão pe
ANDREW A vida nunca foi fácil para mim. O destino nunca me entregou nada de bandeja, e eu sempre tive a impressão de que isso acontecia, porque nunca fui merecedor. Qualquer um que pudesse ouvir aquele tipo de pensamento me chamaria de ingrato, porque o universo tinha me concedido um título, uma condição mais do que confortável, uma família que me aceitava e a possibilidade de usar a profissão que eu havia escolhido para ajudar pessoas ‒ que era o que realmente fazia tudo valer a pena. E eu realmente considerava esses detalhes como um sinal de sorte. Porém, com todas essas facilidades vieram outros problemas. Sem contar as dificul