RAFAELLA MARTINI NARRANDO. ESCOCIA. Aquela manhã começou com uma chuva forte e pesada, o tipo de chuva que encharca a alma antes mesmo de tocar a pele. Eu estava acordada desde cedo, sentindo cada gota que batia contra as janelas como se fosse uma batida no meu próprio peito. O céu parecia refletir o meu humor: cinza, sombrio, sem nenhuma esperança de sol.Eu me movi lentamente, sentindo um peso no corpo que ia além da gravidez. Eram as cólicas, as dores insistentes nas partes íntimas, como se o bebê estivesse lembrando que a sua hora estava chegando. Já faziam três dias que a senhora tinha aparecido no café, e a esperança que ela havia plantado em mim estava começando a murchar. Eu tentava não pensar muito nisso, mas era impossível. Cada vez que a porta do café abria, o meu coração disparava, apenas para cair em um poço de decepção quando não era ela.Era difícil manter a fachada. Naquela manhã, enquanto abria o café, a tristeza pesava sobre mim como um cobertor molhado. Olhei para
CELINA MARTINI NARRANDO. ITÁLIA. A fome é um buraco negro. Ela corrói, devora por dentro, deixando uma dor aguda que não se compara a qualquer outra. Faz dias que não consigo comer, e cada minuto que passa parece esticar o tempo, transformando horas em eternidades. Estou em cima da cadeira de rodas, a mesma cadeira que se tornou uma extensão de mim, mas hoje parece mais um fardo do que nunca. As ruas são implacáveis, e aqui, a dor é constante, mas a fome... a fome é o que mais me destrói.Eu estou sentada no mesmo canto, onde o tráfego é pesado e as pessoas passam apressadas, ignorando a minha presença como se eu fosse parte da paisagem. Ninguém me vê. Ou talvez me vejam, mas escolham não olhar. Eu me tornei invisível, uma sombra, alguém que não merece nem mesmo uma segunda olhada. A cadeira range a cada movimento que faço, um lembrete gritante da minha condição. É desconfortável, mas não tenho escolha. Se pudesse, sairia andando daqui, fugiria de tudo isso, mas minhas pernas não me
LEONARDO RIZZI NARRANDO.ITÁLIA. Talvez fosse apenas um engano. Mas nada nessa vida parecia um engano.— Alô? — A minha voz saiu rouca, marcada pelas horas de sono perdidas e pela carga do álcool que ainda corria pelas minhas veias.Do outro lado da linha, ouvi um som abafado. Era um choro contido, uma respiração irregular.A minha testa se franziu imediatamente. Algo no tom daquela voz, mesmo que eu ainda não conseguisse distinguir palavras, já fazia a minha mente girar.— Quem está falando? — Perguntei, tentando manter a calma, mas sentindo o pânico começar a se infiltrar.Houve uma pausa. Eu podia ouvir o som de alguém tentando controlar as lágrimas, como se estivesse lutando para manter alguma forma de compostura antes de falar. Finalmente, a voz saiu, trêmula.— Meu nome é Ava — Ela começou, com a voz dela ainda embargada.— Eu... Eu criei Rafaella. Eu sou a pessoa que cuidou dela desde pequena... e eu acabei de vê-la, Leonardo. Rafaella está viva!As palavras dela caíram sobre m
AVA NARRANDO. ESCOCIA.Desde o momento em que Rafaella entrou em minha vida, eu soube que a amaria como uma filha. Me lembro da primeira vez que a vi, uma pequena criança de olhos curiosos e sorriso tímido, ainda sem entender completamente o que tinha acontecido. A mãe dela, uma mulher tão cheia de vida e bondade, havia partido cedo demais, deixando um vazio que, mesmo com todos os meus esforços, eu nunca consegui preencher por completo. Mas fiz o meu melhor. Dediquei cada dia da minha vida a cuidar de Rafaella, a protegê-la do mundo e, principalmente, das sombras que pairavam sobre aquela casa.Aquelas sombras eram representadas por Celina e Adam. Nunca entendi o motivo de tanta amargura e crueldade neles, especialmente em Celina. Ela sempre parecia invejosa de tudo e todos, e a sua frieza para com Rafaella era algo que me partia o coração. Muitas vezes, encontrei Rafaella chorando sozinha em seu quarto, assustada ou machucada por palavras cruéis que Celina lançava sem o menor remor
RAFAELLA MARTINI NARRANDO.ESCOCIA. Naquele dia, o céu parecia carregar toda a melancolia do mundo. A chuva caía pesada, incessante, como se o próprio universo estivesse em luto. O som das gotas contra o telhado do café era quase hipnótico, um ritmo constante que, em outras circunstâncias, poderia até ser reconfortante. Mas naquele dia, a chuva só parecia intensificar a minha inquietação, refletindo o turbilhão que acontecia dentro de mim.As cólicas começaram desde cedo, me pegando de surpresa com a sua intensidade. Eu tentava controlá-las, respirar fundo e focar nas pequenas tarefas do dia, mas era difícil. A cada nova onda de dor, o meu corpo se encolhia involuntariamente, e eu me agarrava ao balcão, tentando manter a compostura. O café estava praticamente vazio. Apenas alguns poucos clientes, encolhidos em suas mesas, buscando abrigo da tempestade lá fora. A chuva espantava as pessoas, e o movimento era fraco, o que, de certa forma, era um alívio. Não sei se conseguiria atender m
RAFAELLA MARTINI NARRANDO.ESCOCIA.A chuva caía com uma fúria desmedida, as gotas grossas e pesadas se chocando contra o asfalto com uma força que fazia ecoar um lamento constante. Eu mal conseguia ver o caminho à frente, cada passo sendo um esforço monumental. Ava estava ao meu lado, me amparando como podia, mas eu sentia que a qualquer momento as minhas pernas iriam ceder. As contrações estavam cada vez mais fortes, a dor intensa e avassaladora, me arrancando o fôlego.Com cada nova onda de dor, eu rezava silenciosamente, implorando a Deus que não deixasse o meu bebê nascer ali, no meio da tempestade e daquele caos.— Por favor, não agora, não aqui... — Murmurava entre os dentes cerrados, enquanto tentava manter o ritmo da respiração, algo que parecia impossível com o pânico e a dor misturados dentro de mim.Ava me puxava com força, me guiando pelo que parecia um labirinto de ruas inundadas. Cada passo era uma batalha, e eu me concentrava apenas em colocar um pé na frente do outro,
LEONARDO RIZZI NARRANDO.ESCÓCIA.O jato tocou a pista com um leve solavanco, e a minha respiração ficou presa no peito. Estávamos na Escócia, finalmente. A neblina densa cercava tudo ao redor, como se o próprio país estivesse imerso em uma melancolia constante. O tempo ali parecia refletir o que se passava dentro de mim: uma tormenta sem fim. Cada segundo que passava eu sentia o peso da ansiedade apertando o meu peito, uma mistura de dor, raiva e um desejo incontrolável de vingança.O avião parou e a rampa se abriu, deixando o vento frio da manhã envolver o meu corpo. Ao sair do jato, coloquei a mão no bolso e toquei a arma que estava guardada ali. Aquele simples gesto me dava uma estranha sensação de controle em meio ao caos que havia se tornado a minha vida. Não havia espaço para dúvidas ou hesitação. Estava tudo claro: Rocco morreria. E eu seria o homem a acabar com a vida dele.Os meus homens estavam a postos, atentos, os olhos varrendo a paisagem, em busca de qualquer sinal de p
LEONARDO RIZZI NARRANDO. ESCÓCIA. A chuva fina e constante batia no para-brisa do carro, distorcendo as luzes da cidade que desfilavam diante dos meus olhos. O som monótono das gotas de água contra o vidro contrastava com o turbilhão que fervilhava dentro de mim. O cheiro de couro do interior do carro se misturava com a fragrância amarga da minha raiva, impregnando o ambiente. Ao meu lado, amarrado e amordaçado, estava Rocco. Aquele maldito que destruiu a minha vida, que tirou os meus pais de mim, que tirou Rafaella de mim. Eu podia sentir o medo dele, mesmo que ele tentasse esconder, como se fosse um animal encurralado, sabendo que o seu fim estava próximo.Estávamos indo para o café. Aquele lugar que tinha se tornado uma espécie de prisão para Rafaella, onde ele a mantinha sob o seu controle, afastada de mim. Mas antes de chegarmos lá, o meu celular vibrou no bolso. Tirei ele com uma das mãos, sem tirar os olhos da estrada, e atendi. Do outro lado, a voz grave e conhecida de Walla