Já sentiu fome?
Não aquela fome de vontade de comer alguma coisa.
Mas fome mesmo?
Eu já. E posso lhe dizer, que fome dói.
Sou a irmã mais velha de sete irmãos.
Praticamente criei todos, desde pequena, já que minha mãe precisava trabalhar e alguém precisava cuidar dos meus irmãos.
Minha mãe trabalha na roça, em baixo de um sol com sensação térmica de 40 graus.
Depois de arrumar meus irmãos e os alimentar com o pouco que tínhamos em casa, os colocava no ônibus da escola. Em seguida, pegava o mais novo de dois anos e outro de três anos, e íamos de encontro a minha mãe com um vaso de água de dois litros.
Dona Judith, como muitos a chamava, sempre me recebia com um sorriso singelo no rosto suado.
– Foram para a escola? – pergunta quando bebe um pouco da água. Assinto, com o menor enganchado em minha cintura – Pelo menos lá têm o que comer.
Os dias mais difíceis para nós, era final de semana e férias.
Quando estavam dentro de casa e sentiam mais fome ,, por estarem gastando mais energia.
Minha mãe dizia que nem sempre foi assim. Antes do meu pai ser assassinado e a deixar com quatro filhos.
Ele sempre conseguiu o que comermos, nunca nos deixou passar necessidade.
Um dia ele saiu e não voltou. Durante dois dias o procuraram por toda região e o encontraram morto em uma cova rasa.
O motivo de sua morte, me atingiu em cheio no estômago: ele estava tendo um caso com uma mulher, não muito longe de onde morávamos e o marido dela descobriu, decidindo fazer justiça com as próprias mãos.
Achei que minha mãe iria desabar neste dia, mas não. Fingiu que nada tinha acontecido e no outro dia foi trabalhar na roça no lugar de meu pai.
Pouco tempo mais tarde, se envolveu com um homem, com o relacionamento durando apenas três anos e a deixando com mais dois filhos.
Eles foram embora, mas eu fiquei do seu lado.
Deixando os caçula em baixo de um pé de pau que fazia um pouco de sombra, começo a ajudar ela.
No começo, quando comecei na roça, a enxada sempre deixava minha mão esfolada. Cheia de bolhas e faltando pedaço.
Com o passar do tempo, minha mão foi calejando. Deixando de ser fina e sedosa, para se tornar mais grossa e com calo.
Trabalhamos sem conversar, com nossas cabeças sempre baixa, até quando o sol começa a esfriar, indicando que estava prestes das crianças chegarem.
O caçula dá os braços para minha mãe quando ela se aproxima, o beijando assim que o pega.
Nunca deixará de ser amorosa, apesar da nossa situação.
Antes mesmo de nos aproximar da casa feita de barro, os ouvimos.
Ao vê– la, eles a rodeiam, falando ao mesmo tempo sobre o que haviam feito na escola e pedindo comida.
– Vamo tomar banho – Chamo caminhando para os fundo da casa.
Ouço alguns resmungar em minhas costas, enquanto outros vem de prontidão.
Tiro a água do poço, enchendo duas bacias de ferro, que minha mãe ariava toda semana.
Sempre ficava encarregada de dar banho nos menores. Maria Alice, 6 anos, Juarez, 3 anos e Jardielson, 2 anos.
Maria Luíza, 10 anos, Maria Eduarda, 12 anos e Maria Júlia, 14 anos. Já tomavam banho sozinhas e não precisavam de mim.
Enquanto isso, na cozinha, minha mãe molhava duas massas de cuscuz, para por no fogo pra janta.
Costumávamos comer com leite. Por causa disso, ela misturava um litro de água em um litro de leite.
Era rara as vezes que comíamos com algum a mistura, a não ser ovo.
Só comíamos carne uma vez por mês, quando dava.
Fora isso, nos virávamos com o que tinha e os mais velhos, sempre comia pouco, para deixar para os mais novos.
De banho tomado, todos se aglomeravam no chão de cimento batido, ao som do rádio ao fundo.
Não tínhamos televisão.
Ali, faziam a lição de casa ou brincavam num canto.
Eu e minha mãe, sempre éramos as últimas a tomar banho. Então, eu me encarregava, de buscar mais água no poço e levar para o banheiro simples.
Desde que me entendo por gente, nunca tomei um banho de chuveiro. Já que não havia água encanada ali, o mais perto de um banho de chuveiro que já tomei, foi banho de chuva.
Dona Judith sempre tomava banho depois de mim.
Em seu quarto, que compartilhava com meus irmãos menores, tirava o lenço do cabelo preto e com um longo suspiro o encarava em suas mãos, antes de levantar e tirar a calça jeans surrada e a camiseta de manga comprida com buracos.
Depois do banho, se deitava em sua rede na sala e se colocava a observar os filhos entretidos.
Em pratos de metal, servia um por um. Sobrando apenas um pouco de cuscuz para dividir entre nós duas.
Sempre colocava mais para ela e me sentava um pouco afastada, para que não visse que não havia muita comida em meu prato.
Maria Júlia era quem juntava os pratos depois de comermos, colocando todos em uma bacia, para serem lavados no dia seguinte.
Em seguida, minha mãe se levantava, levando consigo os menores para dormir.
No outro quarto, havia duas camas. Uma de casal antiga e outra de solteiro.
Maria Júlia dormia na de solteiro, enquanto eu e as demais, dormíamos na de casal.
Naquela noite, como nas demais, pedia mentalmente que nossa situação mudasse que, pudesse de alguma forma ajudar minha mãe e tornar nossa vida mais confortável.
Era uma oração que fazia com todas minhas forças.
Geralmente quando levantava, às cinco da manhã, dona Judith já estava varrendo o terreiro. Ascendo o fogão de lenha, colocando água para ferver, para só então ir escovar os dentes. No horizonte, o sol nascia aos poucos, iluminando tudo a sua frente com sua cor forte. Prendo meu cabelo num coque, pegando a bacia com os pratos para lavar.– Bom dia, Judith – diz Valdirene, nossa vizinha, ao pé da cerca.– Bom dia.– Bom dia, Maria – diz me olhando. Paro de lavar os pratos, agachada em frente a bacia, para olhar para a mulher branca, bem vestida e de pele sedosa. A pouco
Valdirene me fez vestir um vestido florido de Lidiane, alegando que a roupa que estava vestindo não era boa para viajar e tirou uma foto do meu rosto, para que soubessem quem eu era quando chegasse no Rio. Depois disso, um homem de moto chega e ela me manda subir na garupa, dizendo que ele me deixaria na rodoviária. O trajeto até a cidade é longo, aproximadamente meia hora em meio ao pó e as pedras que dificultavam o caminho. Na rodoviária, o homem vai até o único guichê, comprando uma passagem, me entregando logo em seguida com duzentos reais. Sem dizer nada, vai embora, sem olhar para trás.
Depois de comer metade dos salgados, dormi as horas seguintes, encolhida na poltrona por causa do frio, por não ter levado nenhuma coberta. Teria dormido melhor, se não fosse em cada parada que o ônibus fizesse, as pessoas não tivesse que descer e fizesse o maior barulheira ao fazer isso. Pouco tempo depois de amanhecer, acordo sentindo todo meu corpo dolorido. Uma placa verde adiante na estrada dizia que já estávamos próximos. Estava próxima do Rio de Janeiro. Finalmente. Pouco menos de uma hora depois, o ônibus para em uma rodoviária bem mais movimen
A sala da casa era simples. Havia apenas dois sofás de dois lugares velhos e uma televisão perto da janela. Pelo menos podia assistir. De vez em quando, ouvia a televisão de Valdirene de casa, principalmente a novela. Não conhecia as pessoas, mas sabia reconhecer suas vozes. O chão estava tão limpo, que dava até para ver o reflexo. Uma mulher alta, corpo com curvas generosas se aproxima. Ela lembrava Valdirene, mudando apenas a cor do cabelo num tom mais escuro que castanho– claro.– É essa aí? – pergunta olhando para Lidiane e depois para mim. Li
Abro a primeira gaveta da cômoda devagar. Um perfume levemente doce sai de seu interior, cujas roupas estavam bem dobradas. Roupas bonitas e aparentemente caras. Só havia visto algo parecido na feira. Como alguém ia embora e deixava aquelas roupas para trás?, questiono, ao desdobrar o que parecia ser um croped preto. Mainha nunca me deixará usar nada curto demais. Dizia que moça não se vestia daquele jeito. Até tentava discordar, achava bonito e não via mal algum em usar. Mas mainha sempre repetia que não queria uma filha perdida dentro de casa, que nós, éramos moças
– Não se mexe – diz Lidiane, algum tempo depois, passando um batom vermelho nos meus lábios. Estava me sentindo estranha em um vestido rosa– claro de bojo. Quase que não serviu e era justo demais.– O que você passou no seu cabelo? – questiona quando tenta arrumar. Dou de ombros.– Só lavei com água.– Não usou condicionador?– Nem shampoo – Lidiane para por um instante, me olhando, antes de voltar a tentar arrumar meu cabelo.– Você trouxe shampoo e condicionador? – pergunta baixo. Nego com a cabeça. Havia me acostumado em n&ati
– Maria – Lidiane chama, me sacudindo – Acorda. Tiro a coberta de cima da cabeça, olhando para Lidiane parada em frente da cama. Seus olhos se arregala um pouco ao se fixar em mim.– Caramba! – diz Katiane, se colocando nas costas de Lidiane – Bateram em você com vontade.– Melhor você levantar, se não quiser que a Jô arranque você daí – diz Kauane entrando no quarto, indo em direção do seu guarda– roupa. Lidiane faz um gesto com a cabeça para que levantasse. Obedeço, sentindo meu corpo doer de uma vez.– Vou comprar shampoo e...sabonete
Entro no último quarto vazio, ouvindo a porta se fechar.– É virgem mermo? – Gael pergunta. Inspiro profundamente assentindo, me virando para ele.– Responde – diz sério.– ...sim, senhor – digo com a voz trêmula. Ele dá um meio sorriso.– Não sou tão velho assim, pra me chamar de senhor. Me chama de Gael – diz com os olhos fixos em mim – Tá nervosa? Assinto novamente.– Tô.– Não vou fazer nada que não vá querer – Sustento seu olhar esperançosa.– ...posso ir então? &n