Meses antes
Apesar de entender os riscos da vida que levo, nunca me imaginei indo em um presídio.
Poderia ser eu presa? Não. Não sou burra o bastante para deixarem me pegar. Já fui um dia, hoje não sou mais.
Era humilhante ficar em uma fila por mais de uma hora, em baixo do sol ou da chuva, para ter alguns minutos na visita.
É domingo, dia de visita no Presídio Federal do Rio de Janeiro.
Mães, esposas, filhas...esperam para entrar aos poucos na construção gélida.
Até aquele dia, nunca tinha ido antes em um presídio, sabia o que já tinha ouvido por aí.
Quem tivesse a mente fraca, sucumbiria logo.
A cadeia mexia com o psicológico.
Me levam para uma sala, quando chega minha vez, onde preciso me despir completamente e inclusive ficar agachada sobre um espelho, para terem certeza de que não estava levando nada no meu útero.
Depois da revista, assino um papel com diversos outros nomes e sou guiada até um pátio com diversas cadeiras e mesas de plásticos.
Alguns presos choravam baixo ao ver suas mães. Outros escondiam bem a emoção, ao ver os filhos.
A maioria ali estava por tráfico, roubo e delitos mais graves.
Sento em uma mesa vazia num canto, olhando com atenção o movimento, até que nossos olhos se cruzam e vejo a surpresa e incredulidade se misturarem em seu rosto.
– O que tu tá fazendo aqui, Antônia? – pergunta com o maxilar tenso ao se aproximar.
– Não vai sentar?
– Tenho nada pra falar contigo não – diz com os punhos cerrados – Não era nem pra tá aqui.
Inspiro profundamente, mantendo meus olhos fixos nele.
O conhecia bem o suficiente, para saber que nunca conseguiria dar as costas para mim.
– Vai me deixar falar ou não?
– Manda o papo reto.
– Preciso da tua ajuda.
Ele ri sarcástico.
– Tu já viu onde estou? Tô engaiolado. Não tô podendo ajudar ninguém não – vocifera irritado – Tô dependendo da Doutora Gabriela para me tirar daqui.
Pressiono os lábios, meus olhos vagando pela mesa com alguns riscos.
– Se tu não me ajudar, ele vai me matar.
Ele nega com a cabeça incrédulo.
– O que tu fez dessa vez?
Ergo os olhos, o encarando novamente sem demonstrar qualquer emoção.
– Tô grávida – Ele ergue as sobrancelhas, fingindo que não ligava. Apesar de ter certeza, que sentia o contrário – E tirei o morro dele – Ele franze o cenho, puxando a cadeira para se sentar.
Já sentiu fome? Não aquela fome de vontade de comer alguma coisa. Mas fome mesmo? Eu já. E posso lhe dizer, que fome dói. Sou a irmã mais velha de sete irmãos. Praticamente criei todos, desde pequena, já que minha mãe precisava trabalhar e alguém precisava cuidar dos meus irmãos. Minha mãe trabalha na roça, em baixo de um sol com sensação térmica de 40 graus. Depois de arrumar meus irmãos e os alimentar com o pouco que tínhamos em casa, os colocava no ônibus da esco
Geralmente quando levantava, às cinco da manhã, dona Judith já estava varrendo o terreiro. Ascendo o fogão de lenha, colocando água para ferver, para só então ir escovar os dentes. No horizonte, o sol nascia aos poucos, iluminando tudo a sua frente com sua cor forte. Prendo meu cabelo num coque, pegando a bacia com os pratos para lavar.– Bom dia, Judith – diz Valdirene, nossa vizinha, ao pé da cerca.– Bom dia.– Bom dia, Maria – diz me olhando. Paro de lavar os pratos, agachada em frente a bacia, para olhar para a mulher branca, bem vestida e de pele sedosa. A pouco
Valdirene me fez vestir um vestido florido de Lidiane, alegando que a roupa que estava vestindo não era boa para viajar e tirou uma foto do meu rosto, para que soubessem quem eu era quando chegasse no Rio. Depois disso, um homem de moto chega e ela me manda subir na garupa, dizendo que ele me deixaria na rodoviária. O trajeto até a cidade é longo, aproximadamente meia hora em meio ao pó e as pedras que dificultavam o caminho. Na rodoviária, o homem vai até o único guichê, comprando uma passagem, me entregando logo em seguida com duzentos reais. Sem dizer nada, vai embora, sem olhar para trás.
Depois de comer metade dos salgados, dormi as horas seguintes, encolhida na poltrona por causa do frio, por não ter levado nenhuma coberta. Teria dormido melhor, se não fosse em cada parada que o ônibus fizesse, as pessoas não tivesse que descer e fizesse o maior barulheira ao fazer isso. Pouco tempo depois de amanhecer, acordo sentindo todo meu corpo dolorido. Uma placa verde adiante na estrada dizia que já estávamos próximos. Estava próxima do Rio de Janeiro. Finalmente. Pouco menos de uma hora depois, o ônibus para em uma rodoviária bem mais movimen
A sala da casa era simples. Havia apenas dois sofás de dois lugares velhos e uma televisão perto da janela. Pelo menos podia assistir. De vez em quando, ouvia a televisão de Valdirene de casa, principalmente a novela. Não conhecia as pessoas, mas sabia reconhecer suas vozes. O chão estava tão limpo, que dava até para ver o reflexo. Uma mulher alta, corpo com curvas generosas se aproxima. Ela lembrava Valdirene, mudando apenas a cor do cabelo num tom mais escuro que castanho– claro.– É essa aí? – pergunta olhando para Lidiane e depois para mim. Li
Abro a primeira gaveta da cômoda devagar. Um perfume levemente doce sai de seu interior, cujas roupas estavam bem dobradas. Roupas bonitas e aparentemente caras. Só havia visto algo parecido na feira. Como alguém ia embora e deixava aquelas roupas para trás?, questiono, ao desdobrar o que parecia ser um croped preto. Mainha nunca me deixará usar nada curto demais. Dizia que moça não se vestia daquele jeito. Até tentava discordar, achava bonito e não via mal algum em usar. Mas mainha sempre repetia que não queria uma filha perdida dentro de casa, que nós, éramos moças
– Não se mexe – diz Lidiane, algum tempo depois, passando um batom vermelho nos meus lábios. Estava me sentindo estranha em um vestido rosa– claro de bojo. Quase que não serviu e era justo demais.– O que você passou no seu cabelo? – questiona quando tenta arrumar. Dou de ombros.– Só lavei com água.– Não usou condicionador?– Nem shampoo – Lidiane para por um instante, me olhando, antes de voltar a tentar arrumar meu cabelo.– Você trouxe shampoo e condicionador? – pergunta baixo. Nego com a cabeça. Havia me acostumado em n&ati
– Maria – Lidiane chama, me sacudindo – Acorda. Tiro a coberta de cima da cabeça, olhando para Lidiane parada em frente da cama. Seus olhos se arregala um pouco ao se fixar em mim.– Caramba! – diz Katiane, se colocando nas costas de Lidiane – Bateram em você com vontade.– Melhor você levantar, se não quiser que a Jô arranque você daí – diz Kauane entrando no quarto, indo em direção do seu guarda– roupa. Lidiane faz um gesto com a cabeça para que levantasse. Obedeço, sentindo meu corpo doer de uma vez.– Vou comprar shampoo e...sabonete